ASSINALOU-SE no último domingo, 05
de Janeiro, o terceiro ano sobre o desaparecimento físico do pintor-mor
moçambicano, o mestre Malangantana.
Malangatana Valente Ngwenya nasceu a
6 de Junho de 1936 e perdeu a vida a 5 de Janeiro, no Hospital Pedro Hispano,
em Matosinhos, Portugal, vítima de doença prolongada e os seus restos mortais
repousam em Matalana, sua terra natal.
Frequentou a Escola da Missão Suíça,
em Matalana, onde aprendeu a ler e a escrever em ronga. Encerrada a
escola protestante, transita para a da missão católica em Bulázi, onde conclui
a terceira classe rudimentar e parte depois para Lourenço Marques, onde arranja
emprego como criado de crianças. Foi “apanhador de bolas” e criado de
mesa no Clube de Lourenço Marques, frenquentado pela elite colonial.
A partir de 1959, descobertas as
suas capacidades artísticas, Malangatana envereda por uma carreira de pintor
profissional, com o apoio de Augusto Cabral e do Arqt. Miranda Guedes (Pancho),
que lhe cedeu a garagem para atelier e lhe adquiria dois quadros por mês,
para que se pudesse manter.
Em 1961, Malangatana realiza a sua
1.ª exposição individual em Lourenço Marques, na Associação dos Organismos
Económicos. Torna-se frequentador assíduo do Núcleo de Arte de Lourenço
Marques, onde contacta com os artista da época e onde começa a mostrar os seus
trabalhos de cariz eminentemente social.
Após o início da luta armada em
Moçambique, Malangatana junta-se à rede clandestina da FRELIMO, desenvolvendo
actividades que levaram a PIDE a afirmar, mais tarde, que Malangatana servia de
cartaz de propaganda política antagónica à linha da administração ultramarina
portuguesa, tendo sido preso por duas vezes pela polícia do Estado Novo
(1966/1968).
Em 1971, recebe uma bolsa da
Fundação Calouste Gulbenkian para vir para Lisboa especializar-se em
gravura. Trabalhou em gravura, na Sociedade Cooperativa dos Gravadores
Portugueses e, em cerâmica, na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. No mesmo ano,
expõe na Livraria Bucholz e na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Em 1973, vai para a Suíça a convite
de amigos, onde tem contactos com diferentes galerias e artistas que lhe abrem
novos horizontes.
Com a independência de Moçambique,
Malangatana envolve-se directamente na actividade política, participando em
acções de mobilização e alfabetização, sendo enviado para Nampula com o
objectivo de organizar as aldeias comunais.
Foi um dos criadores do Museu
Nacional de Arte de Moçambique e convidado a criar o Centro de Estudos
Culturais, actual Escola Nacional de Artes Visuais. Procurou manter e dinamizar
o Núcleo de Arte (associacção que agrupa os artistas plásticos) e criou os
núcleos dos artesãos das zonas verdes de Maputo.
Desenvolve intensa actividade
no âmbito do Grupo Dinamizador do Bairro do Aeroporto, onde reside, e participa
em múltiplas actividades cívicas e sociais. Intervém na organização da
Escolinha dominical “Vamos Brincar”, promovida pela UNICEF. Na sequência, é
convidado para ir à Suécia (1987) participar em actividades similares com
crianças e refugiados de diversos países.
Foi um dos criadores do Movimento
para a Paz. Pertence à Direcção da Liga dos Escuteiros de Moçambique (LEMO), e
é membro da Direcção da Associacção dos Amigos da Criança. Foi deputado pela
FRELIMO, de 1990 até às primeiras eleições multipartidárias, em 1994, a que não
foi candidato. Em 1998, é eleito pela FRELIMO para a Assembleia Municipal de
Maputo e, em 2003, é nomeado vereador do Município pelo pelouro da Cultura,
Desporto e Juventude.
Terminada a guerra civil em 1992,
retomou o projecto cultural que impulsionara na sua aldeia de Matalana,
surgindo assim a Associação do Centro Cultural de Matalana, de grande valor
social e cívico, de que é o actual presidente. Foi membro do júri para os
cartões de boas festas da UNICEF, bem como de outros eventos de artes plásticas
tanto em Moçambique como no estrangeiro. Foi Vice-Comissário nacional para a
área da cultura de Moçambique na EXPO98 (Lisboa), em Portugal, e
Hannover 2000, na Alemanha.
A sua obra é reconhecida em todo o
mundo, participando em múltiplas exposições individuais e colectivas,
integrando diversos júris, em Moçambique e no estrangeiro, bem como
participando em múltiplos e diversos workshops. Pintor, ceramista, cantor,
actor, dançarino, Malangatana é uma presença assídua em numerosos festivais,
afirmando sempre a sua origem africana e moçambicana.
Em 1996 e 2004, publica dois livros
de poemas que reúnem a sua obra poética desde os anos sessenta. O último é
ilustrado com vinte e quarto desenhos inéditos. A 6 de Junho de 2006, é
homenageado em Matalana por ocasião do seu 70.º aniversário, sendo condecorado
pelo Presidente da República de Moçambique com a Ordem Eduardo Mondlane do 1.º
Grau, o mais alto galardão do país, em reconhecimento do trabalho desenvolvido
não só nas artes plásticas mas também como o grande embaixador da cultura
moçambicana. Nessa mesma data foi lançada a Fundação Malangatana Ngwenya, com
sede em Matalana, sua terra natal. Em 2007, foi condecorado pelo governo
francês com a distinção de Comendador das Artes e Letras. Foi-lhe atribuído o
doutoramento ”Honoris Causa” pela Universidade Politécnica de Maputo, em 2007,
e, em 2010, pela Universidade de Évora.
A sua vida e obra tem sido objecto
de vários filmes e documentários, estando representado em vários museus, por
todo o mundo, bem como, em inúmeras colecções particulares.
“Italiana” a última obra
Meses antes da sua morte,
Malangatana realizou um grande sonho. Seu e da família Ferreira dos Santos. Um
grande projecto de carácter social e artística.
O mestre Malangatana pegou num
carro, Fiat 500, e transformou-o numa tela ao artista. Apelidava a viatura em
que trabalhou durante o seu último mês em Maputo, de “a Italiana” porque
diariamente, sempre que ia para as oficinas afirmava que “tinha encontro com a Italiana”
referindo-se à nacionalidade da marca do carro, Fiat.
Concluiu a obra, mas não foi a tempo
de apresenta-la ao mundo, tarefa que coube às famílias envolvidas no projecto e
que pretendem, deste modo, homenagear um dos maiores artistas africanos de todos
os tempos.
Tida como obra única no mundo,
"A Italiana" foi apresentada através de um leilão e em Julho de 2011
foi arrematada por 242.500 dólares americanos contra o valor base de licitação
que era de 125.000 dólares.
A ideia que norteou o projecto é que
o valor obtido no leilão iria reverter para o desenvolvimento da cultura e arte
moçambicanas através da formação aos mais jovens e carenciados.
Noticias, Quarta, 08 Janeiro 2014
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