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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

30 setembro 2013

Gaza não é berço da resistência ao colonialismo português

Mais um “iceberg” de falsidade na História de Moçambique

ANGOLA: ABUSOS POLICIAIS CONTRA VENDEDORES AMBULANTES EM LUANDA

Maus-tratos e Extorsão dos Pobres Urbanos do País Rico em Petróleo

(Joanesburgo, 30 de Setembro de 2013) – A polícia angolana comete regularmente actos de agressão e extorsão contra vendedoras e vendedores ambulantes durante “operações de retirada” na capital Luanda, denunciou a Human Rights Watch num relatório lançado hoje. 

O relatório de 36 páginas, ‘Tira Essas Porcarias Daqui’: Violência Policial Cometida Contra Vendedores Ambulantes em Angola, descreve a forma como agentes da polícia e fiscais do governo, frequentemente de traje civil e sem identificação, sujeitam as vendedoras ambulantes a maus-tratos, incluindo muitas mulheres com bebés, no decurso das operações para retirá-las da rua à força. A Human Rights Watch entrevistou 73 vendedores e vendedoras ambulantes em Luanda, que descreveram com grande pormenor a forma como a polícia apreende os seus produtos, extorque subornos, faz ameaças de detenção e, em alguns casos, detém efectivamente. Para estes abusos, a impunidade tem sido a regra.

“Todos os dias, a polícia agride e assalta vendedores ambulantes com violência, em plena luz do dia, e ninguém faz nada,” denunciou Leslie Lefkow, directora-adjunta de África da Human Rights Watch. “A conduta da polícia não deve pautar-se por abusos e roubos.” 

O governo deve dar imediatamente ordens públicas à polícia para cessar a violência e assegurar-se de que as operações de retirada são levadas a cabo por agentes profissionais que actuam com total respeito pela lei, declarou a Human Rights Watch.

As repressões policiais de vendedores ambulantes têm vindo a aumentar desde Outubro de 2012, altura em que o governador de Luanda anunciou que as autoridades iriam retirar os vendedores ambulantes da rua, disse a Human Rights Watch. As autoridades provinciais prometeram a construção de novos mercados para os vendedores. Estas operações fazem parte de uma política governamental de longo prazo destinada a reduzir o sector informal na Angola do pós-guerra, que também inclui despejos forçados em massa de bairros informais. Os visados de ambos os tipos de retirada têm sido as comunidades mais pobres de Luanda. 

Muitas das rusgas seguem um padrão semelhante: fiscais, geralmente munidos de porretes, e polícias armados abordam grupos de vendedores ambulantes a pé, de carro ou de mota. De seguida, afugentam os vendedores agredindo-os e confiscando os seus produtos. 

Vendedoras ambulantes descreveram a violência das rusgas à Human Rights Watch. Disseram que até mulheres grávidas são espancadas com porretes e outros objectos e agredidas com pontapés, estalos e murros, sustendo ferimentos como nódoas negras e braços, pernas e rostos inchados. 

“Onde eu vendo, há muitas zungueiras [vendedoras ambulantes] com bebés às costas,” contou uma vendedora de 22 anos à Human Rights Watch. “Os polícias e os fiscais vêm de moto. Dão-nos pontapés e atiram as nossas coisas para o chão. Alguns levam as nossas coisas. Só não levam se pagarmos. Dizem: ‘Tira estas porcarias daqui. Aqui não é sítio para vender.’”

Jornalistas, familiares, transeuntes e outras testemunhas que tentam intervir, queixar-se ou documentar os abusos enfrentam detenções e agressões arbitrárias às mãos da polícia, disse a Human Rights Watch. Uma investigadora da organização foi detida em Abril durante um breve período de tempo, quando entrevistava vendedores ambulantes. 

Esta intimidação e este assédio reflectem o ambiente cada vez mais repressivo para jornalistas e defensores dos direitos humanos que se vive em Angola, disse a Human Rights Watch. Os jornalistas independentes correm grandes riscos quando denunciam repressões policiais e os meios de comunicação do estado recusam-se a fazer a cobertura noticiosa do assunto. 

“As autoridades angolanas devem parar imediatamente de punir jornalistas, defensores dos direitos humanos e cidadãos preocupados que expõem as violações de direitos a que vendedores ambulantes e outros indivíduos sãos sujeitos,” declarou Lefkow. “Devem, sim, investigar os abusos e levar os responsáveis a tribunal.”

A maioria dos vendedores ambulantes vive em condições de pobreza extrema desde que, há uma década atrás, foi deslocada durante a guerra civil, e tem sido excluída dos benefícios trazidos pela economia do pós-guerra em constante crescimento. A grande maioria não tem acesso a serviços públicos básicos, vive em bairros informais sem protecção jurídica e nem sequer possui um bilhete de identidade. 

“O governo afirma que a satisfação dos direitos económicos e sociais é uma prioridade, mas, se assim é, deveria garantir que as comunidades mais pobres de Angola são protegidas e não alvo de abusos,” relembrou Lefkow. “Ajudar os vendedores ambulantes a ter acesso a bilhetes de identidade e a serviços públicos seria um primeiro passo muito positivo.” 

“‘Tira Essas Porcarias Daqui’: Violência Policial Cometida Contra Vendedoras Ambulantes em Angola” está disponível em:

29 setembro 2013

O CONFLITO NA PRODUÇÃO DE HERÓIS EM MOÇAMBIQUE

Por Carlos Serra
Se o homem é a medida de todas as coisas, a política é a medida de todos os heróis.
Heróis oficiais

Os heróis oficialmente conhecidos em Moçambique são aqueles que a Frelimo, através do Estado que gere desde 1975, decretou como tais. Na imagem destaca-se Samora Machel (primeiro em pé da esquerda para a direita) e Eduardo Mondlane (segundo em pé da esquerda para a direita)
1. Introdução
Se, por destino dos bons deuses e dos bons espíritos, os que governam Moçambique e os que esperam governá-lo, decidissem conjugadamente, com a alma magnética e dialéctica dos irmãos gémeos, fazer um inquérito nacional para conhecerem as percepções populares sobre heróis, sobre quem são esses heróis, sobre quem merece história e estátuas, sobre quem tem legitimidade popular, talvez se surpreendessem com o surgimento de heróis que, por hipótese, teriam, por exemplo, as seguintes cinco dimensões hierarquicamente organizadas:
Heróis familiares ou de parentela alargada
Heróis locais extra-familiares
Heróis distritais
Heróis provinciais, eventualmente bi-provinciais
Heróis oficiais
Estatisticamente, os gestores e os candidatos a gestores da heroicidade oficial talvez viessem a descobrir e a reconhecer que quanto mais saímos dos círculos familiar, local e distrital, mais difícil é conhecer e partilhar os heróis oficiais, aqueles pan-heróis distantes e desconhecidos comemorados nos dias festivos, nos discursos, na rádio, na televisão, nos comícios, etc.
Se ao conhecimento dos heróis popularmente reconhecidos e legitimados juntassem o conhecimento sobre as suas características, os gestores e os candidatos a gestores da heroicidade talvez se espantassem ao verificar  a variedade de critérios populares para estabelecer o perfil de heroicidade.
Poderia, até, acontecer que se tivesse por heróis, espíritos de heróis.
Um trabalho desse género permitiria, também, que se soubesse um pouco mais sobre as razões por que os jovens, os estudantes e os mais velhos - afinal muitos de nós - pouco sabem dos heróis oficiais, pouco se preocupam com eles, pouco os sentem na alma.
Mas não é assim que as coisas se passam e se fazem, o mencionado inquérito nacional não será realizado.
Regra geral, coisa de herói oficial é coisa de poder. Melhor: produto de relações incessantes de poder, eixo de uma intensa luta pelo monopólio da sua produção.

2. O que é um herói?
Andre Matsangaissa (sem camisa)

A atribuição em 2008 do nome de André Matsangaíssa (na imagem e sem camisa) à rotunda 2314, situada no Bairro da Munhava, arredores da cidade da Beira – na altura gerida pela Renamo -, é um exemplo claro de uma primeira brecha aberta no monopólio frelimiano de gestão de heróis.
Um herói é alguém a quem, colectiva, inter-subjectivamente (excluo a análise dos heróis pessoais), atribuímos qualidades e práticas extraordinárias, fora do comum, alguém que perdeu digamos que as suas qualidades humanas e se transformou numa espécie de deus terreno, de deus profano. Para enunciar um truísmo, um herói nunca existe a montante, mas a juzante das nossas representações sociais.
A morfologia da heroicidade é, naturalmente, vasta e variada. O herói não tem um centro temático ou uma linha unívoca de pureza.
Os heróis são tantos quantas as nossas necessidades em guias, em referenciais, em modelos de conduta, em juízes, em territórios de combate, em futuros. E, regra geral, consoante a intensidade e a extensão das lutas entre grupos sociais ou nacionais. Os impuros de uns são os puros de outros e vice-versa.
Heróis são seres que, com o tempo, unificamos psicológica e socialmente numa matriz comportamental única e virtuosa, da qual eliminamos os defeitos e, até, as qualidades humanas comezinhas.
Mais: em quem, muitas vezes, hipervalorizamos um aspecto de conduta (que pode ser motivo de retrabalho permanente e de acréscimo) deixando outros na penumbra. Estas as razões por que certos heróis podem ser iminentemente políticos ou completamente políticos.
Os heróis existem em todo o lado e desde sempre, não importa onde e quando.
Somos produtores “naturais” de heróis, de hiper-eus nas diversas socializações pelas quais atravessamos a vida e a história. Os mais pequenos agrupamentos dispõem de heróis, de guias, de modelos de conduta. Os heróis tanto podem habitar um lar, um grupo de famílias, uma rua, quanto uma prisão ou as matas da guerrilha, tanto podem estar mortos quanto vivos e, estando mortos, estarem vivos na memória e na invocação cultual.
Temos heróis de magnitude diferente. Um herói oficial dispõe, claro, de um peso de irradiação formal bem maior do que aquele de que dispõe um herói do bairro do Xiquelene em Maputo, de um sindicato combativo, dos meandros do crime ou das matas de uma guerrilha.
Mas isso não significa que o peso informal, não oficial, dos heróis, seja pequeno: um herói dos quarteirões populares ou das sagas campesinas de luta pode ser mais intensamente sentido e glorificado do que um herói seleccionado numa reunião fechada do grupo dirigente de um partido e regularmente projectado nos órgãos de comunicação.

3. Heróis oficiais
Uria Simango, um dos fundadores da Frelimo, foi extra-judicialmente executado pelo governo pós-independência de Samora Machel. A história oficial relegou o antigo vice-presidente da Frelimo para a condição de reaccionário
Os heróis podem ser motivo de conflito agudo entre grupos e partidos na competição pelo monopólio da sua produção. Melhor escrito: são quase sempre. Por exemplo, recentemente o presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, afirmou que jamais os membros da oposição seriam contemplados na praça dos heróis nacionais do seu país, apenas reservada aos heróis do seu partido, a ZANU-PF.
Um porta-voz do MDC-T, partido na oposição, reagiu declarando que a praça nacional dos heróis pertencia aos Zimbabweanos e não à ZANU--PF [1].
Quanto mais partidarizado for um Estado, mais políticos e mais central e unilateralmente produzidos e decididos são os seus heróis e, portanto, menos possibilidades têm de ser popularmente aceites.
Quem são os heróis oficialmente conhecidos em Moçambique? Os heróis oficialmente conhecidos em Moçambique são aqueles que a Frelimo, através do Estado que gere desde 1975, decretou como tais.
São heróis que operaram no interior de um processo histórico: o da luta de libertação nacional a partir de 1962.
Que operaram e que foram definidos no interior de ideais, de virtudes e de práticas produzidas pela liderança hegemónica da Frelimo. Ideais, virtudes e práticas que os produziram com exclusão daqueles que foram considerados traidores. São pessoas a quem o grupo dirigente da Frelimo atribuiu virtudes extraordinárias em seu papel de pais fundadores e de pais executores da gesta nacionalista e revolucionária, são pessoas que foram consideradas excepcionais na concepção e na implementação dos programas que permitiram que a independência nacional fosse alcançada. São heróis definidos no interior de uma luta política e militar contra opositores estrangeiros e nacionais à frente de libertação.
Os restos mortais desses heróis estão na cripta da Praça dos Heróis, cidade de Maputo. Aí estão, também, os restos mortais de duas pessoas que não fizeram directamente a caminhada da luta armada de libertação nacional, mas cuja grandeza e cuja luta, como poeta um, como maestro outro, como patriotas ambos, levaram a Frelimo a dar-lhes o estatuto de heróis. Trata-se do poeta José Craveirinha e do maestro Justino Chemane.
Existem pessoas que não estão nessa Praça, cujo estatuto foi, certamente, considerado menos relevante ou menos decisivo, mas que têm os seus nomes em ruas e em praças provinciais do país.

4. A luta política na produção de heróis
Jose Craveirinha

O poeta José Craveirinha (na imagem) e o Maetro Justino Chemane são duas pessoas que não _ zeram directamente a caminhada da luta armada de libertação nacional, mas cuja grandeza e cuja luta levaram a Frelimo a dar-lhes o estatuto de heróis.
A produção de heróis é, sempre ou quase sempre, um laborioso processo histórico de luta, de catalogação, de etiquetagem, de defesa de lugares adquiridos, de valores primeiros.
A esse propósito, lembrei-me de um livro fascinante, escrito por Norbert Elias em parceria com John Scotson, que, na versão inglesa, tem o título “Os estabelecidos e os intrusos” e, na versão francesa, o título “Lógicas da exclusão”.
Nesse livro, Elias e Scotson mostraram como, no fim dos anos 50 do século passado, numa cidade inglesa de periferia, os aí chegados em primeiro lugar produziam e reproduziam a exclusão social dos novos chegados, como os catalogavam, como os rejeitavam, como se esforçavam permanentemente para assegurar os seus privilégios, como segregavam o que, no seu prefácio à obra, o sociólogo francês Michel Wieviorka chamou “racismo sem raça” [2].
Tenho para mim que estamos perante uma excelente grelha teórica para analisarmos a produção política de heróis em Moçambique.
Com efeito, estamos hoje confrontados com o fenómeno de termos a gestão do panteão oficial de heróis - a cargo da Frelimo, ganhadora da independência nacional, gestora do Estado -, disputada e posta em causa por uma outra candidata à produçãode heróis, a Renamo, pedra angular de uma guerra sangrenta de muitos anos [3]que reclama ser a autora da democracia multipartidária em curso no país.
A Frelimo entende que apenas ela está em condições de produzir os heróis nacionais pois foi a criadora da Nação, é a gestora natural do Estado, tem a legitimidade absoluta da história. A Frelimo entende que qualquer produção fora desse perímetro é um atentado à história, à verdade. Por isso impugna violentamente a ousadia da Renamo.
Por sua vez, a Renamo, que disputa a gestão do Estado e se reclama da criação da democracia nacional, entende que tem também o direito de disseminar, de moçambicanizar os seus heróis, de lhes dar um estatuto paritário, de legitimidade nacional.
Muito provavelmente, um partido mais jovem, filho rebelde da Renamo, o Movimento Democrático de Moçambique, abrirá também, no futuro, uma frente de heróis, tentando triunviratizar a legitimidade na produção nacional desse tipo de recursos políticos.
Temos, então, uma nova “guerra”, desta vez não com metralhadoras, mas com heróis, uma guerra pela produção e pelo controlo político desse importante recurso de poder.
A atribuição em 2008 do nome de André Matsangaíssa à rotunda 2314, situada no Bairro da Munhava, arredores da cidade da Beira – na altura municipalmente gerida pela Renamo [4] -, é um exemplo claro de uma primeira brecha aberta no monopólio frelimiano de gestão de heróis, é um exemplo do prosseguimento da guerra agora pelo controlo da toponímia.
A “Winston Parva”, a pequena cidade do livro de Elias e Scotson, é, afinal, o nosso pleno Moçambique.
5. A política é a medida de todos os heróis
Situadas na interface entre o individual e o colectivo, o racional e o impulsional, o consciente e o inconsciente, o imaginário e o discursivo, as representações sociais aqui em vista são fortemente tributárias da forma como os grupos políticos se inscreveram na história do país e nela tatuaram e tatuam os seus modelos, os seus guias de referência, os seus heróis epónimos, os seus valores, os seus clichés, os seus prejuízos e os seus estereótipos.
Os heróis moçambicanos não são, portanto, livres de descansarem nas suas tumbas quando em jogo está a sua reprodução ou a sua reactivação política.
Eles são duramente produzidos e reproduzidos.
Por consequência, não há heróis em si, à partida. O que em vida foram certas pessoas é o que queremos que sejam, no molde das nossas exigências de virtude, proeminência e legitimidade.
A politização da alteridade, a heroicização ou a diabolização, são partes constituitivas da forma como construímos a visibilidade de quem amamos ou odiamos.
O poli-heroísmo está definitivamente instalado e será sempre, por hipótese, monitorado pela luta política. 
Se o homem é a medida de todas as coisas, a política é a medida de todos os heróis.
[2] Elias, Norbert and Scotson, John L.,  Logiques de l’exclusion. Paris: Fayard,1997.
[4] A gestão da cidade da Beira está a cargo de Deviz Simango desde 2003: nesse ano eleito presidente do município concorrendo pela Renamo, repetiu a proeza em 2008 como independente, após ter sido expulso daquele partido. Em 2009 fundou o Movimento Democrático de Moçambique.
SAVANA – 27.09.2013


16 setembro 2013

CONCP, A SOLIDARIEDADE ENTRE IRMÃOS

 A CONCPConferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, quando se criara, assentava em organizações nacionais e visava coordenar, em particular, a acção diplomática. A sua criação, em 1960 em Rabat, no Marrocos, deu maior projecção à nossa causa comum de libertação nacional. Numerosos países e organizações da África, da Ásia e do Leste da Europa assistiram à criação da CONCP.
De Angola participou como fundador o MPLA. Elegeu-se para Presidente Mário Pinto de Andrade, que dirigia o MPLA. Agostinho Neto, na altura sem qualquer julgamento detido pela PIDE e deportado para Cabo Verde, não ocupava posições nos órgãos de direcção do MPLA, embora a organização o houvesse designadoPresidente de Honra. Marcelino dos Santos representou aUDENAMO e elegeram-no Secretário-Geral da CONCP. No número 6 da Rua Paul Tirard, em Rabat, instalou-se a sede da CONCP, que aí funcionou até 1965, altura em que se mudou para a Argélia.
O Governo Marroquino, o Rei Mohamed V, o Ministro para Assuntos Africanos, Dr. Abdel Remane Khatibe e o poeta e Ministro da DefesaAhardane, apoiaram a CONCP, ofereceram o seu país para o treino dos combatentes do PAIGC e do MPLA. O Grupo de Casablancaque integrava os Estados mais progressistas do continente e que reconheciam o GPRAGoverno Provisório da República Argelina. O Gana, a Guiné (C), o Mali, o Egipto, o Marrocos e o GPRA integravam o grupo.
II Conferência da CONCP realizou-se em Dar Es Salaam em 1965, onde se elegeu Mondlane como Presidente, em substituição de Mário de Andrade. Samora substituiu Mondlane depois da sua morte.
CONCP progressivamente se esvaiu. A tarefa essencial para os três movimentos tornara-se a luta armada de libertação nacional, e a cooperação nesse campo não podia existir, para além de trocas de experiências. A CONCP garantiu, porém, uma coordenação política e diplomática entre os partidos, que se mostrou de grande importância em momentos críticos.
CONCP desempenhou um papel positivo para uma intervenção coordenada na arena internacional. A Conferência Internacional de Roma, em 1970, e o encontro com Sua Santidade Paulo VI o demonstram isso e uma das missões mais importantes que se levou a cabo no plano externo. A retirada do reconhecimento daOUA ao GRAE, o apoio para que a independência da Guiné (B) triunfasse na arena internacional devem-se situar entre os grandes sucessos alcançados pela CONCP, de par com a concertação e frente comum para que se proclamasse a independência de Angola, e Luanda ganhasse o seu assento legítimo na OUA em 1976. A CONCP bateu-se pela causa timorense, quando só havia as nossas vozes a clamarem no deserto.
Durante a luta de libertação entre a FRELIMO e o MPLA assegurou-se algum apoio mútuo na frente militar, sobretudo no concernente a suprimentos pontuais no campo da logística, pois que isso se tornava exequível entre a Frente Leste de Angola e a Frente de Tete em Moçambique, dado que o desdobramento dos fornecimentos ocorria na Zâmbia. Delegações da FRELIMO visitaram Angola e as do MPLAMoçambique. O Presidente Neto visitou Nachingweia, coube-me, a mim, e ao camarada Munhepe a alegria e grande honra de o acompanhar durante a visita. O MPLA esteve representado no nosso II Congresso.
Em 1975, para assegurar a independência a CONCP, através dos Governos de Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo-Verde desempenhou um papel de grande relevo. Numa primeira fase tropas da Guiné (B), a que se juntaram as da Guiné (C) e do Congo (B), partiram para Angola para assegurar a defesa da faixa a sul de Luanda, ameaçada pela invasão sul-africana. Para a faixa Norte, onde a ameaça partia das forças de Mobutu, do FLNA e dos mercenários, Moçambique despachou todos os seus BM 21 e aviões de transporte, os NORD ATLAS, assim como meios adicionais de artilharia e munições. Estes meios mostraram-se importantes para a derrota em Quinfangondo da invasão conjunta do FLNA, Zaire e mercenários.
Na Ponta Vermelha, a 9 de Novembro de 1975, reuniram-se os Presidentes Samora, Neto, Luís Cabral e Pinto da Costa. Aristides Pereira, de Cabo Verde, chegou mais tarde, a 10, pois o Zaire de Mobutu havia interditado o sobrevoo do seu espaço aéreo. Isto não impediu Cabo Verde de se solidarizar a 100% com o posicionamento comum.
Na noite de 11, todos ouvimos, pela Rádio Moçambique em directo, na Ponta Vermelha, o Presidente Neto proclamar a independência angolana. Aristides Pereira e Xavier Amaral estavam presentes.
Os dirigentes presentes em Maputo confirmaram o seu apoio para que a 11 de Novembro, o MPLA proclamasse a independência em Luanda e Samora encarregou Marcelino de acompanhar Neto a Luanda no dia 9 e só regressar após proclamada a independência, transmitindo de imediato o nosso reconhecimento da República Popular de Angola.
Aos camaradas que iam para Angola, incluindo os voluntários nesse momento crítico e, isso também me deu como ordem, Samora disse:
Cumpram a tarefa. Em Moçambique dispomos de muita terra para fazermos monumentos, em Angola, não têm terra para recuar!
Um abraço à valorização da nossa tradição internacionalista,
Sérgio Vieira
JORNAL DOMINGO – 15.09.2013


22 agosto 2013

ACORDO GERAL DE PAZ: A ESSÊNCIA DA PAZ EM MOÇAMBIQUE

 

 O Jornal “O País” traz-lhe alguns protocolos e leis que foram o garante do entendimento entre o Governo da República de Moçambique e a Renamo.
O Acordo Geral de Paz (AGP), aprovado pela Lei n.º 13/92 de 14 de Outubro, é o instrumento legal que garante a execução do entendimento entre o Governo de Moçambique e a Renamo, desde o cessar-fogo no conflito que durou 16 anos, bem como o estabelecimento de uma democracia multipartidária no país.
Na verdade, este instrumento legal constitui o cerne da paz no país, desde que foi implementado.
Dentre os documentos que compõem o acordo constam sete protocolos, um comunicado conjunto de 10 de Julho de 1990; o acordo de 1 de Dezembro do mesmo ano; a Declaração do Governo de Moçambique e da Renamo sobre os princípios orientadores da ajuda humanitária, assinada em Roma, a 16 de Julho de 1992; bem como a Declaração Conjunta, também assinada em Roma, em Agosto de 1992.
Para a sua implementação, as partes acordaram, em Roma, Itália, a criação de várias instituições entre elas a Comissão de Supervisão e Controlo do Cumprimento do mesmo; a Comissão Conjunta de Formação das Forças Armadas; a Comissão do Cessar-fogo; a Comissão Nacional de Informação (supervisora das actuações do SISE); a Comissão Nacional dos Assuntos Policiais (fiscalizadora da actuação da PRM); bem como a Comissão de Reintegração.
O AGP foi e continua a ser implementado através de leis específicas sobre as matérias acordadas, desde que estas não contrariarem os acordos.
A essência do AGP
Num dos protocolos, as duas partes comprometeram-se a fazer de tudo para alcançar a paz através do calar das armas e da não adopção ou aplicação de leis ou medidas que contrariem o acordo.
Num outro protocolo, o Governo e a Renamo acordaram os, não menos importantes, critérios para a formação e reconhecimento dos partidos políticos no país. Na verdade, estes constituíram uma das grandes exigências da Renamo que defendia uma democracia multipartidária, com liberdade para difundir, sem interferências, as suas ideologias.
Assim, a alínea e) do número 3 do protocolo II refere que nenhum cidadão pode ser perseguido ou discriminado em razão da sua filiação partidária ou das suas convicções políticas.
No capítulo dos deveres, o acordo estipula não só que os partidos não devem pôr em causa a integridade territorial e a unidade nacional, assim como determina a obrigatoriedade de estes submeterem e publicar, anualmente, os balanços de contas bem como a proveniência dos seus fundos.
O mesmo instrumento aprovou algumas liberdades fundamentais, constantes hoje da Constituição da República, tais como a liberdade de imprensa, o acesso à informação e o direito à informação; a liberdade de associação, expressão e propaganda política; a de circulação e de domicílio, para além de garantir o regresso dos moçambicanos refugiados devido à guerra e a sua reintegração.
Este capítulo do protocolo veio impor as regras fundamentais para a realização de eleições no país, determinando, igualmente, a criação da Comissão Nacional de Eleições, seu funcionamento e as modalidades de eleição do presidente e Assembleia da República.
A questão militar consta do Acordo no protocolo IV e foi um dos pontos da discórdia durante os dois anos das negociações de paz em Roma.

POLÉMICA DESMILITARIZAÇÃO TEM BARBA-RIJA


O desaguisado entre o governo/Frelimo e a Renamo, em matéria da desmilitarização da antiga guerrilha, data dos anos 90, concretamente no pós Roma, intensificado depois das primeiras eleições globalmente financiadas e vigiadas pelas Nações Unidas.
Ainda nas discussões que antecederam Roma’92, a questão da desmilitarização mereceu uma atenção especial por parte dos negociadores. Até que se chegou à conclusão de que alguns elementos da Renamo ficariam para a guarda pessoal de Afonso Dhlakama, munidos de armas de fogo.
Os restantes deviam ser desmilitarizados à medida que iam sendo desmobilizados. Quem fez a monitoria ao processo de desmobilização foram as Nações Unidas, através da ONUMOZ.
Embora a desmobilização tenha sido sob a égide da ONUMOZ, a Frelimo esteve infiltrada nas zonas de acantonamento reservadas aos elementos da Renamo. Sob a capa de ‘capacetes-azuis’ em representação da Guiné-Bissau, os militares moçambicanos foram abanando a cabeça sempre que, da fila, aparecessem elementos alegadamente guerrilheiros da Renamo, visivelmente enfraquecidos e a entregar armas caducas.
Aí começava a estar claro de que a Renamo não estava a proceder à entrega de armas que foi utilizando durante os 16 anos de guerra, muito menos homens que verdadeiramente colocaram de joelhos os seus adversários das Forças Armadas de Moçambique (FAM), forçando a Frelimo a negociar.
O argumento inicial posto à mesa de debate, era de que a Renamo não podia  ter  um  efectivo considerável, comparativamente ao das FAM. De resto, foi por isso que para as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), as FAM tenham sido obrigadas a desmobilizar centenas para permitir a paridade dos 15 mil homens, totalizando 30 mil para o novo exército.
Para onde colocara, a Renamo, as armas em uso durante a guerra?
Uma boa parte, incluíndo um moderno sistema de comunicações, permaneceu sob custódia da Renamo, e a antiga base de Marínguè era o epicentro desse equipamento bélico, em cujo acesso é tido como sendo impossível.
O sistema das comunicações viria, consta, a ser entregue, após uma dura batalha de palavras entre as partes. Mas as armas, essas, muitas delas pesadas e ligeiras, continuaram (continuam nas mãos da Renamo).
Não vai, Dhlakama, ser traído pelos rivais da Frelimo.
Antes e depois das eleições iniciais, Moçambique registou incidentes com o recurso a armas de fogo. É que muitas armas estavam espalhadas um pouco por todo o lado, muitas delas utilizadas pelos chamados ‘bandos errantes’ que tanto podiam ser oriundos das antigas FAM’s como da Renamo. Os ‘capacetes azuis’  trataram de controlar a situação, a esforço.
Por isso é que o primeiro governo eleito, chamou a sí a responsabilidade de desmilitarizar a Renamo, algo que já nessa altura era visto como sendo de difícil realização.
Atravez dos seus informadores, a Renamo foi se apercebendo de que não era chegado o momento para entregar totalmente as armas, à medida que foi mantendo algumas células nas matas que controlavam o equipamento bélico que eventualmente continuava sob a sua alçada.
A desconfiança esteve sempre na mó de cima no seio da Renamo. Ainda na era-Chissano.
Quanto mais agora, com Guebuza na Ponta Vermelha, a quem Dhlakama não nutre nenhuma simpatia…
Por estas e outras razões, não se vislumbra qualquer possibilidade de a Renamo entregar as armas que estarão sob a sua posse. Do mesmo modo que dificilmente teremos os elementos da Renamo encorporados na Polícia da República de Moçambique (PRM).
Aliás, a questão dos elementos da Renamo na PRM, em devido momento foi colocada, entretanto chumbada porque Afonso Dhlakama entende que não se identificava com esta corporação frelimizada. Mesmo a proposta de a segurança do líder guerrilheiro envergarem uniforme policial, foi de imediata reprovada pela Renamo.
EXPRESSO – 22.08.2013