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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

08 janeiro 2014

RECORDANDO O GRANDE MESTRE MALANGATANA



ASSINALOU-SE no último domingo, 05 de Janeiro, o terceiro ano sobre o desaparecimento físico do pintor-mor moçambicano, o mestre Malangantana.
Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de Junho de 1936 e perdeu a vida a 5 de Janeiro, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, Portugal, vítima de doença prolongada e os seus restos mortais repousam em Matalana, sua terra natal.
Frequentou a Escola da Missão Suíça, em  Matalana, onde aprendeu a ler e a escrever em ronga. Encerrada a escola protestante, transita para a da missão católica em Bulázi, onde conclui a terceira classe rudimentar e parte depois para Lourenço Marques, onde arranja emprego como criado de crianças. Foi “apanhador de bolas” e  criado de mesa no Clube de Lourenço Marques, frenquentado pela elite colonial.
A partir de 1959, descobertas as suas capacidades artísticas, Malangatana envereda por uma carreira de pintor profissional, com o apoio de Augusto Cabral e do Arqt. Miranda Guedes (Pancho), que lhe cedeu a garagem para atelier e lhe  adquiria dois quadros por mês, para que se pudesse manter.
Em 1961, Malangatana realiza a sua 1.ª exposição individual em Lourenço Marques, na Associação dos Organismos Económicos. Torna-se frequentador assíduo do Núcleo de Arte de Lourenço Marques, onde contacta com os artista da época e onde começa a mostrar os seus trabalhos de cariz eminentemente social.
Após o início da luta armada em Moçambique, Malangatana junta-se à rede clandestina da FRELIMO, desenvolvendo actividades que levaram a PIDE a afirmar, mais tarde, que Malangatana servia de cartaz de propaganda política antagónica à linha da administração ultramarina portuguesa, tendo sido preso por duas vezes pela polícia do Estado Novo (1966/1968).
Em 1971, recebe uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para vir para Lisboa especializar-se em  gravura. Trabalhou em gravura, na Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses e, em cerâmica, na Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego. No mesmo ano, expõe na Livraria Bucholz e na Sociedade Nacional de Belas Artes.
Em 1973, vai para a Suíça a convite de amigos, onde tem contactos com diferentes galerias e artistas que lhe abrem novos horizontes.
Com a independência de Moçambique, Malangatana envolve-se directamente na actividade política, participando em acções de mobilização e alfabetização, sendo enviado para Nampula com o objectivo de organizar as aldeias comunais.
Foi um dos criadores do Museu Nacional de Arte de Moçambique e convidado a criar o Centro de Estudos Culturais, actual Escola Nacional de Artes Visuais. Procurou manter e dinamizar o Núcleo de Arte (associacção que agrupa os artistas plásticos) e criou os núcleos dos artesãos das zonas verdes de Maputo.
Desenvolve intensa  actividade no âmbito do Grupo Dinamizador do Bairro do Aeroporto, onde reside, e participa em múltiplas actividades cívicas e sociais. Intervém na organização da Escolinha dominical “Vamos Brincar”, promovida pela UNICEF. Na sequência, é convidado para ir à Suécia (1987) participar em actividades similares com crianças e refugiados de diversos países.
Foi um dos criadores do Movimento para a Paz. Pertence à Direcção da Liga dos Escuteiros de Moçambique (LEMO), e é membro da Direcção da Associacção dos Amigos da Criança. Foi deputado pela FRELIMO, de 1990 até às primeiras eleições multipartidárias, em 1994, a que não foi candidato. Em 1998, é eleito pela FRELIMO para a Assembleia Municipal de Maputo e, em 2003, é nomeado vereador do Município pelo pelouro da Cultura, Desporto e Juventude.
Terminada a guerra civil em 1992, retomou o projecto cultural que impulsionara na sua aldeia de Matalana, surgindo assim a Associação do Centro Cultural de Matalana, de grande valor social e cívico, de que é o actual  presidente. Foi membro do júri para os cartões de boas festas da UNICEF, bem como de outros eventos de artes plásticas tanto em Moçambique como no estrangeiro. Foi Vice-Comissário nacional para a área da cultura de Moçambique na EXPO98 (Lisboa), em Portugal,  e  Hannover 2000, na Alemanha.
A sua obra é reconhecida em todo o mundo, participando em múltiplas exposições individuais e colectivas, integrando diversos júris, em Moçambique e no estrangeiro, bem como participando em múltiplos e diversos workshops. Pintor, ceramista, cantor, actor, dançarino, Malangatana é uma presença assídua em numerosos festivais, afirmando sempre a sua origem africana e moçambicana.
Em 1996 e 2004, publica dois livros de poemas que reúnem a sua obra poética desde os anos sessenta. O último é ilustrado com vinte e quarto desenhos inéditos. A 6 de Junho de 2006, é homenageado em Matalana por ocasião do seu 70.º aniversário, sendo condecorado pelo Presidente da República de Moçambique com a Ordem Eduardo Mondlane do 1.º Grau, o mais alto galardão do país, em reconhecimento do trabalho desenvolvido não só nas artes plásticas mas também como o grande embaixador da cultura moçambicana. Nessa mesma data foi lançada a Fundação Malangatana Ngwenya, com sede em Matalana, sua terra natal. Em 2007, foi condecorado pelo governo francês com a distinção de Comendador das Artes e Letras. Foi-lhe atribuído o doutoramento ”Honoris Causa” pela Universidade Politécnica de Maputo, em 2007, e, em 2010, pela Universidade de Évora.
A sua vida e obra tem sido objecto de vários filmes e documentários, estando representado em vários museus, por todo o mundo, bem como, em inúmeras colecções particulares.


“Italiana” a última obra

Meses antes da sua morte, Malangatana realizou um grande sonho. Seu e da família Ferreira dos Santos. Um grande projecto de carácter social e artística.
O mestre Malangatana pegou num carro, Fiat 500, e transformou-o numa tela ao artista. Apelidava a viatura em que trabalhou durante o seu último mês em Maputo, de “a Italiana” porque diariamente, sempre que ia para as oficinas afirmava que “tinha encontro com a Italiana” referindo-se à nacionalidade da marca do carro, Fiat.
Concluiu a obra, mas não foi a tempo de apresenta-la ao mundo, tarefa que coube às famílias envolvidas no projecto e que pretendem, deste modo, homenagear um dos maiores artistas africanos de todos os tempos.
Tida como obra única no mundo, "A Italiana" foi apresentada através de um leilão e em Julho de 2011 foi arrematada por 242.500 dólares americanos contra o valor base de licitação que era de 125.000 dólares.
A ideia que norteou o projecto é que o valor obtido no leilão iria reverter para o desenvolvimento da cultura e arte moçambicanas através da formação aos mais jovens e carenciados.

Noticias, Quarta, 08 Janeiro 2014

EUSÉBIO




Dispensa-se dizer que é um astro absoluto no firmamento do futebol, conhecido em todo o mundo. Foi a estrela mais brilhante do Mundial de 1966, o primeiro a ser transmitido em directo pela televisão, e o mundo inteiro pude ver, em branco e preto, as suas acrobacias. Eusébio, “o artilheiro africano de Portugal que conseguiu atravessar por nove vezes essas impenetráveis muralhas nas retaguardas rivais”, ganhando o primeiro lugar na classificação dos goleadores.

Costuma-se dizer que foi com Pelé e com Eusébio, chamado “a resposta europeia ao Pelé” apesar de ser apenas de dois anos mais novo, que o futebol mudou a cor da pele, numa curiosa sintonia com as vitórias que nos anos 60 os portugueses conseguiam graças aos futebolistas negros e mulatos moçambicanos com as vitórias que obtêm os futebolistas negros e mulatos brasileiros.

Muito antes de George Weah, Didier Drogba, Michael Essien ou Samuel Eto’o, havia o nome de Eusébio da Silva Ferreira que, mesmo jogando toda a sua carreira profissional em Portugal, no Benfica, de 1961 até 1975, Moçambique e África podem orgulhar-se de terem como símbolo do futebol mundial de uma inteira época. Sempre disse que a sua foi a melhor geração de sempre. “Era só coração e é por isso que havia assim tantos jogadores bons. Portugal, Inglaterra, Brasil, Argentina: muitos. Por isso eu fico feliz com aquilo que tive, de ter sido um grande jogador. Fico feliz de ter sido parte de uma época.”

A história de Eusébio é paradigmática e pode ser interpretada como um “furto” ao futebol africano ou como o “reconhecimento” do valor dos futebolistas africanos na Europa e no mundo. Qualquer seja a resposta, o dado mais relevante é que ele foi um vencedor e os seus golos foram fundamentais para uma nova e positiva visão dos futebolistas africanos. Claro que havia muita ambiguidade porque o futebol estava perfeitamente inserido no sistema colonial, num período em que a luta anticolonial atinge o seu ápice, como é recordado por Mauro Valeri, no livro La razza in campo: a FRELIMO, a Frente de Libertação de Moçambique, é criada em 1962, dois meses antes da final da Copa dos Campeões, por Eduardo Mondlane, que será assassinado em 1969 com uma carta-bomba.

Mia Couto descreve esta ambiguidade emO dia em que fuzilaram o guarda-redes da minha equipa. Nesse conto exemplar, no bar Viriato, algures em Moçambique, um dia, um dos bonecos dos matraquilhos apareceu pintado de preto. Os soldados portugueses desataram a rir e chamaram o boneco de Eusébio. De repente, mais três bonecos ficaram pretos, então ficaram com os nomes de Coluna, Vicente e Matateu. O dono do bar estava muito zangado, mas não estava à espera daquilo que aconteceu logo a seguir. Os bonecos ficaram todos pretos. Chegaram os soldados, mas já ninguém deles se ria. Estavam irritados. Até que um deles, com a espuma de raiva na boca, sacou a pistola e disparou contra o guarda-redes que ficou reduzido em estilhaços espalhados pelo bar.  

Como todos os miúdos, Eusébio jogara futebol nos descampados e com a bola de trapos, mostrando, desde logo, as suas qualidades extraordinárias. Como todos os grandes, conta com muito orgulho as suas origens, “já era um grande jogador, só não era profissional”. Eduardo Galeano descreve com esta imagem a infância do futebolista moçambicano: “Filho de mãe viúva, jogava futebol com os seus muitos irmãos nos areais dos subúrbios, do amanhecer ao pôr-do-sol. Chegou aos campos de futebol a correr como só corre alguém que foge da polícia ou da miséria que lhe morde os calcanhares. E dessa forma, disparado em ziguezague, foi campeão da Europa aos vinte anos. Então chamaram-lhe a Pantera”.

O primeiro clube do Eusébio foi “Os Brasileiros”, na Mafalala, o bairro onde vivia. Os seus ídolos eram Garrincha, Didi, Pelé. “Nasceu destinado a engraxar sapatos, vender amendoim ou roubar os incautos. Em criança, chamavam-lhe Ninguém”, escreveu Eduardo Galeano no belíssimo retrato que publicou no livro Futebol: sol e sombra. “Foi africano de Moçambique o melhor jogador de toda a história de Portugal. Eusébio: pernas altas, braços caídos, olhar triste.”

Aquelas pernas altas que lhe davam uma velocidade estonteante chamaram à atenção os olheiros do Benfica de Lisboa que o recrutaram imediatamente para jogar em Portugal, enquanto jogava pelo Sporting de Lourenço Marques.

Na verdade, Eusébio queria jogar no Desportivo, porque o ídolo dele, em Moçambique, era Mário Coluna. Mas quando se apresentou para o teste com a equipa, foi mandado embora porque não tinha o equipamento para treinar. Ofendido, foi directamente para o Sporting que o aceitou imediatamente.

A sua carreira internacional está marcada pelo Sport Lisboa e Benfica. Existem diversas histórias à volta da ida de Eusébio para o Benfica. A mãe, Elisa Anissabeni, está presente em todas. A primeira história conta que, no começo de 1961, chegou a Lourenço Marques a equipa brasileira do São Paulo, treinada por Josi Bauer. Tendo o Sporting de Lourenço Marques ganho o último campeonato, organizou uma partida com a equipa brasileira. Eusébio marcou dois golos e jogou uma belíssima partida. Josi Bauer queria mesmo que ele ficasse na sua equipa, mas não conseguiu chegar a um acordo económico. Falou dele aos dirigentes do Benfica que “namoraram” a mãe de Eusébio e conseguiram o campeão. A outra versão da história reza que Bauer teria falado com Bela Guttman, o então treinador do Benfica, num barbeiro em Lisboa e esse apanhou logo a seguir o avião para ver com os seus olhos o fenómeno, em Lourenço Marques. Existe ainda uma versão que fala de um italiano, Ugo Amoretti, treinador da selecção dos Naturais de Moçambique, não se sabe como. Foi para Itália de férias com o objectivo de encontrar um clube que contratasse o jovem Eusébio. Quando regressou para fechar o negócio, o jogador já tinha sido recrutado pelo Benfica, com a bênção da mãe. 

Eusébio costuma dizer que os dirigentes do Benfica foram muito atenciosos com a família. “Foram falar com a minha mãe e o meu irmão, e ofereceram 1.000 euros por três épocas. O meu irmão pediu o dobro e eles pagaram. Eles assinaram o contrato com minha mãe e deram-lhe o dinheiro. Ela depositou-o no banco em Moçambique com a cláusula que se o filho não se tornasse um campeão de futebol, devolveria o dinheiro!”

Na Europa encontraria outros moçambicanos, Matateu, Vicente, Hilário, Mário Coluna, que chegara ao Benfica em 1954. O salário de Eusébio era duas vezes mais alto que o salário mais bem pago até então a um futebolista africano... Pois ele era a Pérola Negra. Ele era o Rei! Mas naquela época, os contratos não eram milionários como hoje. Por isso, Eusébio fica feliz quando vê os jogadores actuais assinarem contratos muito chorudos. “Fomos nós que ajudamos a que isso se tornasse possível!”, diz Eusébio que se tornou uma estátua viva. Ele foi o único futebolista que teve direito a uma estátua, no estádio onde se fez campeão profissional, ainda em vida.

No auge da sua carreira foram muitos os clubes europeus que o queriam. O Inter e a Juventus, na Itália, o Real Madrid, na Espanha, entre outros. Em 1964, aquando do convite da Juventus, o presidente do conselho dos ministros de Portugal, António Salazar, decretou Eusébio como instituição nacional, mandou-o para a tropa e apenas teve autorização para sair de Portugal para compromissos de futebol.

Foram vinte anos de carreira numa época em que o jogo era muito duro. Quase brutal. E não havia as atenções para a preparação física como há hoje. O joelho direito de Eusébio é o testemunho disso. Foi operado seis vezes no mesmo sítio. Ele bem queria jogar até aos 50 anos como Sir Stanley Matthews ou como Matateu, mas teve que parar aos 39. Depois de ter sido premiado com duas Botas de Ouro e com sete Bolas de Prata. E ter-se tornado uma lenda do futebol mundial.

PAOLA ROLLETTA



* Texto que inclui no livro “Finta Finta” (Texto Editores, 2012), que reúne perfis de 31 futebolistas de Moçambique que fizeram sucesso no estrangeiro

Notícias, Quarta, 08 Janeiro 2014


A TRAGÉDIA DA NOSSA INCAPACIDADE COLECTIVA!






Por Salomão Moyana


Moçambique está a mergulhar a olhos vistos a um conflito armado que, dentro em breve, ameaça ser generalizado e de consequências inimagináveis. Um conflito armado que começou tipo brincadeira de duas crianças mimadas que não aceitam ceder em nenhum dos seus preciosos pontos de razão.



Um conflito armado resultado de um desentendimento político aparenteme...nte de fácil solução mas que, devido à intransigência e casmurrice política das duas partes envolvidas, tudo aponta que o País caminha para um verdadeiro abismo social, com populações dos distritos de Gorongosa, Maríngwè, e Chibabava (Sofala) e de Funhalouro e Homoíne (Inhambane) a ficarem em pânico e a abandonar as suas zonas habituais de residência para buscar refúgio nas vilas-sedes dos respectivos distritos.


Trata-se, claramente, da maior tragédia da nossa incapacidade de gerar consensos mesmo em questões de menor importância política ou social, como, por exemplo, a constituição em base igualitária de uma simples comissão de arbitragem eleitoral, uma matéria simples e completamente ao alcance dos dois lados negociar e encontrar entendimentos estabilizadores de todo um país.


Custa-nos bastante aceitar que por causa de meia dúzia de artigos de uma lei aprovada pela nossa Assembleia da República se gere um braço de ferro entre os dois maiores partidos nacionais ao ponto de os mesmos concluírem que é melhor mergulhar todo Moçambique em conflito armado do que ceder e alcançar um entendimento que salve as vidas de milhares de moçambicanos que tais partidos dizem representar na AR!


Custa-nos imenso aceitar que um “conflitozinho”, inicialmente localizado em lugar certo, na zona de Muxúngwè, possa, em menos de um ano, se generalizar, a olhos vistos, para ameaçar toda a paz de que desfrutava este País nos últimos 20 anos!


Torna-nos impossível aceitar que dois partidos responsáveis num Estado gerido com responsabilidade e seriedade possam se permitir, a seu bel prazer, mergulhar todo um país em banho de sangue por questões que apenas satisfazem o ego político desses partidos!


Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de ser gerido por dois partidos egoístas, casmurros, com uma visão reducionista centrada no tamanho e dimensão dos seus interesses umbilicais, dois partidos que se dizem representantes do povo mas que, quando estão em causa seus interesses umbilicais, não se importam de dizimar, sem pestanejar, esse mesmo povo à luz do dia.


Pior ainda, trata-se de dois partidos absolutistas feudais em que os militantes não têm a mínima possibilidade de influenciar a mudança de rumo que as respectivas lideranças absolutistas tenham decidido. Ou seja, não existe a hipótese de os militantes desses partidos se rebelarem contra a má gestão ou a ausência gritante de uma visão congregadora e visionária dos seus líderes absolutos.



Apenas resta aos militantes em causa murmurar nos cafés, dizendo em voz baixa que os seus chefes estão a arrastar o País para a lama por causa da sua ganância desmedida, ou arregimentarem-se às lideranças absolutistas, bajulando-as impiedosamente, enaltecendo, até ficarem roucos, a “clarividência e a sabedoria divina” dos respectivos líderes.


Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de até académicos e cientistas sociais estarem condicionados, por variadíssimos factores, a pensar, falar e agir no tacanho limite do pensamento e orientação desses partidos, defraudando, desse modo, a genuína expectativa do povo moçambicano em ver seus filhos académicos a contribuírem para a iluminação da população, precisamente, com vista à sua libertação das garras ferozes e mortíferas desses dois partidos políticos.


Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de possuir um governo sem soluções para os prementes problemas que se colocam, um governo descoordenado em que enquanto o ministro da Defesa Nacional se diz preocupado pela noticiada presença e circulação de homens armados em distritos da província de Inhambane, o porta-voz do Comando Provincial desse território afirma, em conferência de imprensa, não haver naquela província nenhum homem armado a circular nos distritos referidos! Ou seja, aquelas populações de Homoíne que passaram o último fim-de-semana concentradas na vila sede, fugindo de suas zonas de residência habitual, foram vítimas de um boato sobre a presença e circulação de homens armados?



 Como é que elementos trabalhando para o mesmo governo e integrados na mesma esfera de Defesa e Segurança não sejam capazes de comunicar, em sintonia, as informações essenciais e reais sobre o que está acontecendo no terreno?


Esta é a nossa maior desgraça, a desgraça do povo moçambicano de ser impotente e incapaz de resolver directa e pessoalmente os problemas que o governo deixa agravar, a olhos vistos, em cada dia que passa.



Trata-se de um governo que se esqueceu, completamente, da emblemática frase do saudoso Presidente Samora Machel, segundo a qual, “deve se matar o jacaré enquanto pequeno”, pois ainda circula nas margens do rio porque se o deixar crescer ele passa a navegar em águas profundas onde a sua força é maior.
Ou mata-se o jacaré enquanto pequeno ou o jacaré, mais tarde, vai matar muita gente.


O jacaré que está a desgraçar o povo moçambicano é a incapacidade arrogante dos dirigentes deste País em encontrar soluções rápidas e seguras para problemas que de fácil solução vão, de casmurrice em casmurrice, a serem incubados até se tornarem em jacaré grande que dizimará o povo moçambicano.


É urgente que os moçambicanos, de todos os partidos políticos e os sem partidos políticos, se levantem e dêem um valente murro na mesa e digam: Basta!
Basta desta desgraça colectiva de ficarmos calados a ver a nossa morte a aproximar-se, diariamente, sem nada fazermos contra os mentores desse suicídio colectivo!


Basta de paninhos quentes e bajulações abomináveis a atitudes belicistas dos líderes dos dois partidos apostados em desgraçar ainda mais o martirizado povo moçambicano!


É hora certa para exigirmos, colectivamente, que quem esteja cansado de dirigir ou liderar um organismo com responsabilidades públicas como as de um governo, seja liberto, com efeitos imediatos, para descansar ao invés de ser tolerado a arrastar todo um povo para uma agonia colectiva.


Basta desta tragédia da nossa incapacidade colectiva de dizer basta aos mentores da nossa desgraça colectiva!


05 dezembro 2013

MORREU NELSON MANDELA: A LIBERDADE COMO OBRA
Nelson Mandela


O primeiro Presidente negro da África do Sul morreu nesta quinta-feira, anunciou Jacob Zuma, Presidente sul-africano. O líder da luta anti-apartheid tinha 95 anos.

Nelson Mandela foi um homem de gestos. Como este: apenas aceitou sair da prisão quando recebeu garantias de que todos os outros prisioneiros políticos seriam libertados como ele. O advogado e activista acreditou na luta pela libertação de todo um povo. Depois de 27 anos preso, foi eleito o primeiro Presidente negro na África do Sul. O seu legado vai muito além do seu país e do tempo em que viveu. Morreu nesta quinta-feira, com 95 anos, na sua casa em Joanesburgo.
Quando anunciou que deixava a política, Nelson Mandela fê-lo com a mesma naturalidade com que dizia: “Toda a gente morre.” Escolheu deixar a presidência da África do Sul no fim do primeiro mandato dois anos depois de decidir abandonar a liderança do Congresso Nacional Africano (ANC), que transformou num farol da luta de libertação do seu país. Na sombra, manteve uma actividade pública, por vezes próxima da política. Estávamos em 1999.
Cinco anos depois, com 86 anos, anunciou brincando que ia “reformar-se da reforma”. Era a sua maneira de dizer que desta vez era mesmo de verdade. “Não me telefonem, eu telefono-vos”, disse na altura num encontro com jornalistas. “Não lhe telefonámos”, escreveu o jornalista Ido Lekota em 2010 no jornal The Sowetan, “mas a sua figura ‘maior do que a vida’ continua a pairar sobre a nossa democracia e o panorama político” da África do Sul, acrescentou.
Hoje, três anos depois, Ido Lekota continuaria provavelmente a escrever o mesmo do líder da luta anti-apartheid, preso durante 27 anos por lutar contra o regime segregacionista da África do Sul, que foi Prémio Nobel da Paz (com  Frederik de Klerk) em 1993 e primeiro Presidente negro da África do Sul eleito um ano depois. “O estadista mais amado” do mundo, como se lhe referiu em tempos o New York Times, esteve internado este ano, com uma infecção pulmonar, como o foi várias vezes nos últimos dois anos. Deixa uma obra completa: um país que imaginou e criou a partir de um ideal.
Advogado, líder da luta anti-apartheid, defensor do uso de armas em nome de uma luta igual com o opressor, Nelson Rolihlahla Mandela conseguiu ter do seu lado pacifistas como o arcebispo Desmond Tutu, que foi Nobel da Paz antes dele, em 1984, e que, quando Mandela esteve internado, rezou pelo “conforto e dignidade” daquele que considera ser “o ícone mundial da reconciliação”. Também foi o arcebispo Desmond Tutu quem disse, num dos últimos aniversários de Mandela, a 18 de Julho, que a melhor prenda que ele podia receber era saber que as pessoas seguiriam o seu exemplo, fossem como ele.

De pessoa revoltada a magnânima
Tutu previu ser este um  momento “traumático”  para a África do Sul, o da perda de Mandela, figura que descreveu como “um ser humano fantástico”, numa entrevista em Junho de 2012 ao PÚBLICO, em Lisboa.
“Quando vai para a prisão, é uma pessoa zangada, revoltada, que acredita na violência como meio de conquistar a liberdade. E quando sai, emerge como uma pessoa extraordinariamente magnânima. O sofrimento por que passou ajudou-o a suavizar a sua posição. (…) Ele acreditava convictamente que se é líder pelas pessoas que são lideradas e não em benefício próprio. Fomos incrivelmente abençoados por termos Madiba [Mandela] aos comandos, num momento histórico para o nosso país. (…).”
Pelo menos até ao fim de 2010, o ex-Presidente sul-africano continuava, todos os meses, a receber quatro mil mensagens do mundo inteiro. Algumas com uma homenagem, outras a desejarem-lhe uma reforma tranquila e feliz, segundo a Fundação Nelson Mandela em Dezembro de 2010 que, na declaração também recebida pelo PÚBLICO, juntou um pedido a todos para se coibirem de pedir autógrafos, declarações, entrevistas ou aparições públicas em apoio a algum evento, de forma a “ajudar a tornar a reforma de Madiba um período de paz e tranquilidade”.
Seguiram-se meses e anos difíceis em que a sua saúde se deteriorou. E durante esta última permanência no hospital, à porta da sua casa em Joanesburgo e do hospital em Pretória, muitas flores foram deixadas com mensagens a desejar as melhoras ou a dizer: “Tata Madiba: Graças a ti, temos orgulho em ser sul-africanos.” Ou com promessas: “Prometemos viver em paz e harmonia.”

Descendente do rei Thembu
O desejo de Mandela, expresso na autobiografia Longo Caminho para a Liberdade, era ser enterrado junto dos seus antepassados em Qunu, no Transkei, província do Cabo Oriental, onde nasceu em 1918, e foi educado para ser, como o pai falecido, conselheiro do rei thembu, Jongintaba Dalindyebo.
Era descendente de Ngubengcuka, que tinha antes sido o rei dos thembu, incluídos no mais vasto grupo linguístico dos xhosa. Mandela descreve o rei, que foi seu pai adoptivo e do qual teria sido conselheiro se não tivesse partido para Joanesburgo, como “um homem tolerante e esclarecido que tinha alcançado o objectivo [que caracteriza] todos os grandes líderes: manter o seu povo unido”.
Este “grande líder” acolhera Mandela com nove anos, após a morte do pai que, anos antes, ficara desapossado de tudo por desafiar um representante da administração britânica. A mãe, sem condições para o criar, entregou-o ao rei. Mandela aprendeu a escutar os anciãos. 

Os vários nomes de Mandela 
Mandela é muitas vezes chamado, na África do Sul, por ‘Tata’, que significa ‘pai’, ou por ‘khulu’ que é ‘grandioso’ – ambos na língua xhosa. Mas Mandela é sobretudo referido, em sinal de respeito, por Madiba – nome de um chefe thembu que reinou no Transkei no século XVIII, o nome do clã de Mandela que é mais importante do que o apelido.
Na clandestinidade, a partir de 1961, vestiu a pele de um David Motsamayi; disfarçou-se várias vezes de motorista, cozinheiro, jardineiro.
Não foi conselheiro, nem rei, mas a sua educação de aristocrata, os estudos de advocacia, o carisma e dedicação à luta anti-apartheidfizeram dele o líder inquestionável do ANC e principal ícone da libertação da África do Sul. Não aceitou ser libertado da prisão enquanto não fossem instituídos o fim do apartheid e o fim da proibição do ANC, o levantamento do estado de emergência e a libertação dos outros presos políticos.
“Eu prezo muito a minha liberdade mas prezo ainda mais a vossa”, escreveu num discurso lido pela filha Zindzi, num comício no Soweto, em 1985, dirigido aos africanos e membros do ANC. 

Recolhimento nacional
Também por isso, a morte de Mandela é “uma perda tremenda para o país”, disse Ray Hartley, director do jornal sul-africano The Times numa entrevista ao PÚBLICO. “A África do Sul perderá aquele sentimento reconfortante de que existia este grande unificador”, disse, embora prevendo que "os processos políticos não serão afectados pelo seu desaparecimento.”
Também em entrevista, Thierry Vircoulon, investigador associado do Institut Français des Relations Internationales e co-autor de L’ Afrique du Sud de Jacob Zuma (L’Harmattan) considerou que “a África do Sul vai entrar num momento de recolhimento nacional”. E realçou: “A nova África do Sul não vai desaparecer com ele, precisamente porque ele fez um excelente trabalho enquanto pai fundador dessa nova África do Sul”.
Os seus actos são frequentemente lembrados como exemplo para outros. As suas palavras ressoarão durante muito tempo como lições de vida.
Frederik W. de Klerk, ex-líder do Partido Nacional, fala do líder que confrontou em duras negociações e com quem partilhou o prémio Nobel da Paz 1993, numa entrevista a propósito do livro Conversations with Myself , também lançado em Portugal, em 2010, com o título Nelson Mandela – Arquivo Íntimo (Editora Objectiva) e que junta notas pessoais, cartas e diários de Mandela escritos antes e depois da saída da prisão: “Independentemente de qualquer crítica que possamos fazer, o homem que emerge de Conversations with Myself é uma eminente figura, não só na história da África do Sul mas na história do século XX. Ele foi Presidente para desempenhar um papel exemplar na unificação e reconciliação do povo profundamente dividido da África do Sul”, disse aquele que foi o último Presidente branco da África do Sul (1989-1994).
Muitas vezes, admite na autobiografia Um longo caminho para a liberdade, Mandela se questionou sobre o sofrimento que infligira à família durante a clandestinidade e nos anos na prisão de onde só saiu com 72 anos.
Já em liberdade, numa entrevista à revista norte-americana Time em Fevereiro de 1990, disse acreditar no valor da dedicação quase exclusiva à luta: “Sim, valeu a pena. Ser preso por causa das nossas convicções e estar preparado para sofrer por aquilo em que se acredita vale a pena. É uma conquista para um homem cumprir o seu dever na terra independentemente das consequências”, considerou.
O difícil equilíbrio, nunca alcançado, entre a dedicação à família, por um lado, e à causa política da libertação, por outro, acompanhou-o durante a vida e é algo presente nas suas memórias do Arquivo Íntimo. Porém aceitou-o da mesma forma que se aceitou defender o recurso às armas como imprescindível para o sucesso da luta.

Em defesa das armas
“Nunca irei lamentar a decisão que tomei em 1961, mas gostaria que um dia a minha consciência estivesse tranquila”, disse referindo-se à decisão tomada nesse ano de passar à clandestinidade e formar o MK (Umkhonto we Sizwe – A lança da nação) de que foi primeiro comandante-chefe e que se tornou a ala militar do ANC. Viria a ser condenado a prisão perpétua em 1964 por sabotagem e conspiração.
Passou 18 anos na prisão de alta segurança de Robben Island. Esteve depois na prisão de Pollsmoor, e já no final foi transferido para a cadeia de Victor Verster perto da Cidade do Cabo. 
Nos 23 anos que viveu depois de libertado, concluiu a missão, iniciada ainda na cadeia, de negociar o fim do apartheid com o Governo do Partido Nacionalista e foi eleito primeiro Presidente negro da África do Sul. Depois de terminado o mandato de cinco anos, retirou-se da política e passou a dedicar-se, através da Fundação com o seu nome, a uma nova causa – o combate e a prevenção da sida – à qual se sentia especialmente ligado.
Em 2005, a morte do filho Makgatho, vítima de sida, levou Mandela a uma rara intervenção pública desde que deixara a vida política em 1999. Lançou um apelo ao fim do tabu, para que se falasse desta como de qualquer outra doença, por considerar que só assim a sida deixaria de ser fatal. 
Já antes, quando estava preso, tinha perdido o filho mais velho Thembekile, num desastre de automóvel, em 1969, e uma filha pequena ainda bebé Makawize, ambos do primeiro casamento com Evelyn Mase, de quem se divorciou em 1957.
Um ano depois conheceu e casou-se com Winnie Mandela, de quem teve duas filhas. Quando a viu pela primeira vez, “soube que a ia amar”, escreve na autobiografia. Durante os anos em que esteve preso, é a sua confidente e, durante muito tempo, quem melhor o compreende. A política, os métodos utilizados ou o rumo defendido para a luta acabam por separá-los. Mandela opta pelo divórcio em 1996.
Dos seis filhos que teve, acompanharam-no até ao fim as três filhas: Zindzi, Zenani e Makawize. E Graça Machel, com quem casou dois anos depois do divórcio com Winnie, a 18 de Julho de 1998, no dia do 80º aniversário.
Quando Mandela esteve esta última vez no hospital, Graça Machel agradeceu emocionada as muitas mensagens a desejar as melhoras do ex-Presidente vindas da África do Sul, do continente e do resto do mundo. Nessa mensagem pública e universal, Graça Machel dizia estar reconhecida a todos os que tinham, com isso, “feito uma diferença, na recuperação” de Mandela numa alusão às palavras do próprio: “O que conta na vida não é o facto de termos vivido. É a diferença que fizemos para a vida dos outros”.

PÚBLICO (Lisboa) – 05.12.2013