Bem vindos,

Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

27 março 2013

DE ALFABETO A MIDO MACIA

XENOFOBIA E VIOLÊNCIA POLICIAL: DUAS FACES DA MESMA MOEDA


Por: Juliano Neto de Bastos[1]

Emídio Macia morreu nas mãos da polícia sul-africana. É quase do domínio público que os homens e as mulheres vestidos de azul (men and women in blue), como são tratados os polícias, em alusão à cor do seu fardamento, estão a fazer uso da violência de uma maneira nem sempre justificável. Isto faz reacender o debate acerca da forma como a polícia é preparada e que instruções recebe (ou não recebe) das chefias para enfrentar o crime que, diga-se em abono da verdade, grassa a África do Sul. Este país possui uma tradição de violência construída desde os primórdios da industrialização, através da mineração do ouro e de diamantes, com a adopção de políticas de segregação que desembocaram na constituição do Apartheid, um dos mais bárbaros regimes que a Humanidade viu emergir nos finais da primeira metade do século XX e que se prolongou até as eleições de 1994, que ditaram a transferência do poder político para a maioria, representada pelas novas elites políticas de várias orientações ideológicas, que constituem a aliança tripartida (ANC, COSATU, SACP) que tem estado a governar o país.
Apesar das medidas introduzidas visando, paulatinamente, fazer emergir uma elite não branca na esfera económica comprometida com o desenvolvimento endógeno, criação de emprego e uma nova visão no que diz respeito à distribuição da riqueza, questões candentes como desemprego, pobreza e desigualdades sociais tardam a ter uma solução consensual e abrangente, num contexto em que as expectativas foram/são muito elevadas, pois, de facto, o país é extremamente rico.
Questões como a reforma agrária, o papel do Estado no que diz respeito à exploração dos recursos minerais (nacionalizar ou não nacionalizar?) e, de um modo geral, como acelerar o processo de transformação social e económica que, para alguns, com ou sem argumentos, está a ser demasiado lento, não estando, assim, dispostos a esperar uma "eternidade" para desfrutar da riqueza que ainda está nas mãos de algumas famílias.
Neste contexto, ódios antigos e recentes se misturam de tal modo que algumas pessoas ficam aparentemente incapazes de discernir, confundindo causas com consequências, amigos com inimigos. O ambiente que se vive nas cidades satélite e nos assentamentos informais é extremamente tenso no seio dos estrangeiros, geralmente apontados como os causadores dos males que apoquentam a sociedade sul-africana em geral e, em particular, as comunidades onde residem. Sobram poucas dúvidas de que no seu dia-a-dia enfrentam uma espécie de double bind, que, traduzido, equivale à célebre expressão se ficar o bicho come, se fugir o bicho pega. Portanto, não raras vezes, os estrangeiros correm o risco de enfrentar, ou os demandos policiais, que incluem chantagem, agressão, extorsão ou acções xenófobas perpetradas por alguns cidadãos, repito alguns cidadãos, que não raras vezes, a sua última intenção é pilhar as lojas dos cidadãos estrangeiros, como Bengalis, Somalis, Etíopes, etc. 
Emídio (Mido) Macia morreu nas mãos da polícia. A morte de alguém é sempre lamentável, produz grande consternação quando as suas causas não são naturais, sentimentos de revolta e apelo à vingança quando ela resulta de uma acção de violência injustificada, gratuita, como no caso vertente, perpetrada por indivíduos que deviam ter como primeira missão garantir a segurança de todos aqueles que residem na RSA, independentemente de serem cidadãos nacionais ou estrangeiros.

Infelizmente, o caso que conduziu à morte do jovem moçambicano não é isolado. Dados do IPID (Independent Police Investigate Directorate) mostram que, só no período 2011-2012, houve 720 mortes como resultado das acções policiais. Devem estar incluídas aqui as mortes do líder comunitário Tatane, morto em Abril de 2011, bem como dos mineiros vítimas do massacre de Marikana. Portanto, a brutalidade da polícia cruza todas as latitudes.
Existe uma esperança, embora ténue, de que com a mediatização deste caso, o Governo possa repensar o papel da polícia num país que possui uma das constituições mais progressistas do mundo e sem paralelo no continente africano. Porém, mais do que ter uma constituição democrática, é necessário algum cometimento para o exercício do tão propalado espírito ubuntu.
Infelizmente, violência policial e xenofobia andam de mãos dadas nesta terra de Tchaka Zulu, Mandela, Brenda Fassie, Dollar Brand, Jacob Zuma, Julius Malema, etc., etc.,. Não irei deter-me em apresentar as prováveis causas das acções xenófobas que tiveram por vezes carácter de fagocitação, pois, isso foi devida e amplamente esmiuçado por sociólogos de grande calibre, um pouco por todo lado. Só gostaria de recordar esses tristes episódios de Maio de 2008 apresentando abaixo uma imagem do flaming man que percorreu todo mundo. É a foto do moçambicano Alfabeto Nhamuave. Quem se lembra dele? Alguns!


É preciso que episódios como estes (Alfabeto em chamas ou Mido amarrado atrás de uma carrinha da polícia e arrastado por algumas centenas de metros), ou ainda do caso que remonta ao ano 2000, em que moçambicanos foram usados como alvos para adestrar uma unidade da polícia canina (isto foi divulgado pela televisão no programa Special Assignment da SABC3), não voltem a acontecer e, por isso, não devem ser tão facilmente esquecidos e, muito menos, devem ficar pela simples lamentação. Que haja justiça!
Johannesburg, 8 de Março de 2013





[1] Doutorando residente em JHB, RSA.

Nenhum comentário: