É LANÇADO esta
sexta-feira em Maputo a antologia poética “Arqueologia da Palavra e a Anatomia
da Língua”.
A antologia reúne poetas como Mia Couto, Eduardo White,
Mbate Pedro, Sangare Okapi, Mauro Brito, Adelino Timóteo, Luís Carlos
Patraquim, Emmy Xyx (Moçambique), Luís Kandjimbo, João Maimona, João Melo,
Victor Burity da Silva, José Luis Mendonça, Lopito Feijóo (Angola), José Luis
Hopffer Almada, Danny Spínola, Vera Duarte, Mario Lúcio Sousa, Filinto Elisío
(Cabo Verde), Conceição Lima ( São Tomé e Princípe), Frederico Matos Cabral (
Guiné-Bissau), Maria Teresa Horta, João Rasteiro, Maria João Cantinho, Jorge Melicías,
Gisela Ramos Rosa ( Portugal), Affonso Romano de Santa’Anna, Claudio Daniel,
Micheliny Verunshk, Barbara Lia, Marcelo Ariel, Camila Vardarac, Edson Cruz (
Brasil), Yao Jingming, Carlos Marreiros, Alberto Estima de Oliveira, Rolando
Chagas Alves (Macau) Alberte Moman, Miguel Alonso (Espanha), Victor Sosa
(México) Rita Dahl (Finlândia) entre outros.
Contará com a apresentação de Aurélio Ginja, escritor,
ensaísta, docente de literatura na Universidade Eduardo Mondlane, e crítico
literário e docente de literatura na Universidade Politécnica.
Esta obra é a primeira do projecto Esculpindo a
Palavra com a Língua e que conta com o prefácio de Susanna Busato,
UNESP-São José do Rio Preto, e posfácio de Paulo Seben-Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
O livro foi editado pela Revista Literatas-revista de
literatura moçambicana e lusofóna, organizada pelo poeta e director da Revista
Literatas Amosse Mucavele.
Em contacto com a
língua de Camões
No seu Posfácio, Paulo Seben explica que, o projeto
"Esculpindo a Palavra com a língua", coordenado pelo jovem e
talentoso Amosse Mucavele, trata de pôr as nossas línguas em contato com A
Língua de Camões, e roçando, modelando, modulando, erguer um monumento novo,
agora coletivo (não que a obra de Camões não implicasse diálogo com os seus
contemporâneos, com a tradição literária ocidental), uma literatura universal
em língua portuguesa, construída, como bem anuncia o título desta antologia,
por intermédio da arqueologia da palavra — a intertextualidade
com a tradição literária comum e com os desdobramentos dela nas diversas
circunstâncias que encontrou em terras e oceanos variegados — e daanatomia
da Língua — o estudo da riqueza fonológica, morfológica, sintática, semântica,
poética do Português contemporâneo.
“Ousado projeto, grandioso, como compete a quem empunha a
pena do "Luís de Ouro" (Carlos Drummond de Andrade), "Camões,
grande Camões" (Manoel du Bocage) e quer dizer ao mundo as novas armas e
os novos varões assinalados que da ocidental praia lusitana; da americana praia
brasileira; das africanas praias guineenses; cabo-verdianas,
são-tomé-e-principenses, angolanas e moçambicanas; das indianas praias goenses;
das chinesas praias macauenses; e das oceânicas praias timorenses; por mares,
ares, sites navegados à exaustão, passaram ainda "além da mágoa" e
"em esforços e guerras" — com a palavra — "conquistaram"
novas formas de expressão”, escreve.
Sublinha que, no livro o leitor encontrará as vogais de
Camões, preservadas pelas ex-colônias, e o silêncio átono das vogais dos
herdeiros europeus do maior poeta épico da Era Moderna. Encontrará a
intrincadíssima sintaxe dos poetas livrescos, a par da diretíssima linearidade
da literatura oral. Encontrará, ainda, a casticíssima herança portuguesa, mas
também a mescla da língua comum aos substratos locais, e mesmo a — antes tida
como deletéria — influência das línguas da moda — em séculos anteriores o
Francês, e ultimamente o Inglês. Porque esta antologia apanha a língua viva, ou
seja, velha-nova, pura-mescla, pura mescla das vozes de milhões de falantes
nativos ou não do Português.
Presente régio, que segue cultivada pelos reis modernos —
presidentes tão díspares como o saudoso revolucionário Agostinho Neto, de
Angola, e o contra-revolucionário José Sarney, do Brasil —, aqui virá plasmada
por Ministros de Estado e deputados, democraticamente igualados aos neófitos
estudantes. Jovem de menos de mil anos, aqui virá esculpida por velhos e por
jovens, por bibliografias-humanas com dezenas de livros publicados, e por
bibliófilos inéditos. Sensual e prolífica, aqui virá tocada, roçada, fecundada
por homens e por mulheres, sem fazer distinção de orientação sexual. Moldada
pelo contato com outras línguas e culturas, aqui virá transmutada pela presença
de tradutores de sua poesia para outras línguas, cujas produções poéticas
nesses vernáculos comparecerá traduzida para o Português.
Trata-se de uma antologia desigual porque desiguais são
as experiências vividas pelos autores nela reunidos, assim como desiguais foram
as circunstâncias históricas em que foram escritos os poemas e forjadas as
literaturas nacionais.
Por exemplo, se o autoritarismo político se constitui em
um antepassado comum, as ditaduras salazarista, em Portugal, e militar, no
Brasil, em que pese terem sido contemporâneas por uma década, nasceram em
momentos diversos e tiveram causas diferentes; da mesma forma, o salazarismo
não tinha o mesmo impacto na Metrópole e nas Colônias; e estas, uma vez
conquistada a independência, nem todas passaram por golpes e por regimes de
exceção, por guerras civis e por conflitos armados contra países limítrofes. A
desigualdade na linguagem, inclusive, não vem só da geografia (que, por si só,
já se manifesta pujantemente): as formas do autoritarismo e a duração e o
alcance da democracia nas diversas nações de língua portuguesa determinaram que
em Portugal e no Brasil, nos quais a cultura letrada se disseminou antes e mais
universalmente, houvesse um predomínio paulatino da sintaxe escrita sobre a
sintaxe oral, ocorrendo o contrário nas nações africanas, longamente submetidas
a um estatuto colonial que vedava a alfabetização das populações autóctones.
Empenhados na busca de ouvintes tanto quanto de leitores, muitos poetas
africanos e timorenses exploram os limites da oralidade, enquanto que outros,
seja por se terem transferido para países de capitalismo mais desenvolvido,
seja por terem tido a sorte — ou o infortúnio — de pertencerem às elites locais
com acesso à educação formal, se veem enfronhados no diálogo do cânone
luso-brasileiro com o cânone ocidental, com as vanguardas estéticas europeias,
americanas e orientais, diálogo este — aparentemente — tão natural aos poetas
brasileiros e portugueses presentes na antologia.
O vanguardismo e o experimentalismo estético, até mesmo a
poesia visual, portanto, dividem espaço nesta antologia com expressões
tradicionais e com um coloquialismo que, a um observador desavisado, poderia
parecer influência do programático coloquialismo da literatura cubana oficialista
(sem que se faça aqui qualquer juízo de valor, qualquer crítica política a uns
ou a outros). A escritora Jane Tutikian, professora de Literatura Africana e
atual diretora do Instituto de Letras da UFRGS explica, contudo, em suas aulas,
tratar-se mesmo da influência da oralidade, da busca da expressão da fala do
povo.
Bem, o leitor tem diante de si uma oportunidade de
conhecer algumas das inúmeras vozes desses povos falantes do Português. A
Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua oferece uma visão de
conjunto da poesia em língua portuguesa produzida na Contemporaneidade.
Encontrará aqui muitas certezas — autores e autoras de repercussão
internacional, cujas obras já fazem parte das bibliografias das universidades e
escolas —; também encontrará surpresas, causadas tanto pelo primeiro contato
com autores de terras distantes (da casa do leitor), quanto pela novidade
formal ou temática, pela súbita eclosão de uma profunda dor particular que ecoa
nos corações de todo ser humano, ou de uma entusiástica alegria pelo gozo do
corpo, do sexo, da liberdade, da vida, enfim.
Os grandes temas da literatura em Português desde que
Camões levou à maioridade a língua literária iniciada pelos reis trovadores —
ou seja, o mar, a saudade, a pátria e o erotismo — são ainda os mais constantes
temas de nossos poetas de todos os continentes, a julgar pela amostragem aqui
contida. Os mais constantes, mas longe de serem os únicos. Como nas páginas de Literatas,
a revista que dá origem a esta antologia, coube aqui quase tudo que a
consciência humana precisa dizer poeticamente, assim como couberam dezenas de
poetas, como vimos, das mais diversificadas experiências, tendências e afetos.
Ampla e rica, A Arqueologia da Palavra e a
Anatomia da Língua será decerto uma ferramenta útil para o ensino em
todos os níveis — e em todos os ambientes. Das universidades às classes
de alfabetização e de ensino de Português como segunda língua (uma realidade de
vários de nossos países, nos quais a língua de Camões divide espaço com crioulos
e com idiomas autóctones), os professores terão à sua disposição um corpus
formidável para discutir a Literatura, a Língua, a História, a Sociologia...
Quem sabe na audaciosa iniciativa da Literatas não começa a
nascer um novo cânone, gerado a partir de uma inédita e ainda necessária (diria
sempre urgente) discussão da poesia, da literatura em língua portuguesa não
como um tronco lusitano do qual nascem brotos ultramarinos, mas, sim, como um
tronco universal com raízes em cinco continentes, nascido, isto sim, de uma
semente uma vez germinada em terra europeia?
In:
Notícias , Maputo, Quarta-Feira, 10 de Julho de 2013::
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