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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

02 agosto 2013

CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE


Por Marcelino Síthole

Quem são os heróis?

É uma pergunta, que vem ao espírito de quem acaba de ler o relatório de Fanuel Guidion MAHLUZA, que o «Canal de Moçambique» publicou há dias.
Mahluza apressou-se a escrever (em inglês) e enviar para «Amnesty International» (Amnistia Internacional) este relatório, pouco depois de chegar a Nairobi, em proveniência do campo de "reeducação" de «Ruarua», planalto de Mueda de onde se tinha evadido, a 27 de Agosto de 1977, com Artur Janeiro da Fonseca, Atanásio Filipe Muhate e Lumbela.

Cansado pela viagem e traumatizado pelas privações e a perda de dois dos companheiros de evasão, a principal preocupação de Mahluza era a sorte dos numerosos combatentes da liberdade, estudantes e intelectuais, que a FRELIMO tinha internado nos seus campos de concentração, oficialmente designados por campos de "reeducação". Como se sabe, também o governo de Hitler, na Alemanha, tinha designado os seus campos de concentração e exterminação por campos de "trabalho": Die Arbeií machlfrei! (O trabalho liberta!), era a divisa destes campos.

Entre os presos políticos e de consciência dos campos de "reeducação" encontravam-se milhares de Testemunhas de Jeová, por adorarem Deus e cumprirem os seus mandamentos, quase todos os dirigentes do COREMO e de outros partidos nacionalistas moçambicanos não financiados pelo neocolonialismo soviético, por acreditarem no pluralismo, tolerância e valores morais tradicionais do povo moçambicano, Joana Simeão admirada e recordada até hoje, por força da sua coragem de mulher africana, assim como dezenas de estudantes regressados de vários países da Europa, da América e de África, por terem aprendido a pensar com as suas próprias cabeças. Entre estes estudantes havia Samuel Mapilele, brilhante intelectual, militante da UGEAN, diplomado em economia pela Universidade de Belgrado, Sebastião Mucavaca, regente agrícola formado na Tunísia, que tinha alcançado com Bartolomeu Mbalica, depois de atravessarem a África do Oceano Índico ao Mediterrâneo pêlos seus próprios meios e tantos outros, que lá perderam a vida e de cujos talentos e conhecimentos Moçambique nunca viria a beneficiar. Saídos com vida destes campos de "reeducação", só tenho notícia de F. G. Mahluza e Artur Janeiro da Fonseca, que um dia nos contará, como conseguiram atravessar o Rovuma, escalar o Kilimanjaro e chegar a Nairobi a pé, pelo mato, entre as feras.


Dos que lá desapareceram, Mahluza cita muitos nomes. Será uma metade, um terço,...? O número de nacionalistas, estudantes e intelectuais moçambicanos desaparecidos, logo após a independência, parece atingir proporções de genocídio, sobretudo para a nossa jovem nação desprovida de recursos humanos qualificados. Os Nazis, que dirigiam os campos de "trabalho" da Alemanha, mantiveram registos, que permitiram apurar os números do genocídio de milhões de alemães. No Camboja, ainda se podem contar as caveiras. Haverá jornalistas e historiadores moçambicanos interessados em esclarecer o que se passou, no nosso país? Se a publicação deste relatório contribuísse de alguma maneira para suscitar o interesse dos profissionais competentes e isentos, que já cá temos, sobre este aspecto da nossa história recente, F. G. Mahuza, apesar de não ter podido evitar o pior, quando redigiu o seu relatório, não o teria feito em vão.

Mahluza, que nos deixou o ano passado e está sepultado na sua terra de Moçambique, foi um combatente da liberdade corajoso e um patriota e nacionalista exemplar.

Foi fundador e dirigente da UDENAMO, antes de Marcelino dos Santos ter aderido a essa organização. Foi fundador e eleito para o Comité Central da FRELIMO. Quando, depois do Congresso Constitutivo, o Presidente Professor Eduardo Mondhlane se ausentou temporariamente para a sua Universidade de Syracuse, a direcção da FRELIMO em Dar Es Salaam entrou em crise, registando-se expulsões e demissões. A UDENAMO foi reconstituída e abriu escritório no Cairo, com Paulo Gumane e F. G. Mahluza, para, mais tarde, se integrar no COREMO, em Lusaka.

Foi Mahluza, quem abriu a frente de luta armada em Tete: atacou o posto administrativo e içou a bandeira do COREMO em Fingoè. Antes de atacar, mandara avisar o chefe do posto, que tinha andado com ele na Escola Técnica de Lourenço Marques, permitindo-lhe fugir com a família. Os guerrilheiros do COREMO da província de Tete dirigidos por Mazunzu Bobo foram, mais tarde, convidados pela FRELIMO a discutir sobre a "unidade de acção contra o colonialismo" e trucidados, numa cilada. Depois da independência e da evasão de Ruarua, Mahluza tornou-se dirigente da RENAMO e trabalhou, em Pretória, com o Secretário-Geral Orlando Cristina, que ele, como muitos outros, considerava um Homem. A RENAMO, todos sabem, trouxe, mal ou bem, a democracia para Moçambique.


Nas suas conversas Mahluza, referia-se às vezes ao seu primo, rindo-se com tristeza daquele ilustre e consagrado herói, que, por ambição, más influências, insensatez e complexos pessoais, tinha feito cair Moçambique dentro dum poço muito fundo cheio de águas turvas.


Mahluza foi um nacionalista moçambicano da primeira hora e de todos os momentos guiado por princípios nobres, pêlos ideais da fraternidade, justiça, liberdade e democracia, que sempre se manteve alheio a interesses mesquinhos e ao racismo e tribalismo e que sempre se levantou contra as injustiças.
In: CANAL DE MOÇAMBIQUE – 16.03.2006
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Por Fanuel Guidione Malhuza


Ao Sr. Malcolm Smart
Amnistia Internacional
Soutthampton Street, 19
Nairob, Quénia – 3 de Abril de 1978

Caro Sr. Smart


Obrigado pela sua carta datada de 22 de Março de 1978. Também lhe endereço os meus sinceros agradecimentos pelo seu interesse pelo estado dos meus colegas que continuam presos em Moçambique.

Além do documento que preparei para um jornalista a quem pedi que o publicasse, envio-lhe dados sobre a situação nas cadeias e “campos de concentração” que vivi durante a minha detenção em Moçambique.

Em Junho de 1974, as autoridades zambianas sob pressão da Frelimo e do governo da Tanzania invadiram as instalações dos escritórios do «Coremo» e prenderam todos os seus líderes e membros proeminentes. Mais tarde foram todos entregues à Frelimo que deveria formar o governo de transição em Moçambique como medida para destruir qualquer tipo de oposição dentro do país. Poucos dias depois da nossa detenção, graças a Deus, fui agraciado por uma pequena sorte. Com sucesso consegui escapar do campo onde estávamos detidos na Zâmbia e passei a viver escondido em Lusaka sob protecção do embaixador zairense na Tanzania.

Como ele não me pudesse garantir uma prolongada protecção juntamente com a minha família, passados poucos dias mais tarde após ter enviado minha família para Moçambique fui de novo detido quando me preparava para abandonar a Zâmbia. Fiquei preso numa cadeia de máxima segurança até 03 de Outubro de 1975, dia em que as autoridades zambianas, via aérea, me embarcaram de regresso a Moçambique. Chegado ao Aeroporto de Maputo estava o Comandante Provincial da Polícia, Sr. Manuel Verniz que me conduziu para o Comando Geral da Polícia onde fui objecto de prolongados interrogatórios durante 08 meses. Aqui encontro o Dr. António Chade, secretário administrativo do «Coremo» o qual, passados alguns dias, foi enviado para província de Cabo-Delgado. Após isso fui conduzido à Cadeia Civil de Maputo onde permaneci outros 10 meses. Aqui encontrei vários ex-estudantes moçambicanos os quais, após o seu regresso do estrangeiro, foram levados presos directamente do aeroporto para a cadeia. Entre vários ainda conservo alguns nomes que consegui fixar de memória:

- Prof. Manuel S. Prova, vindo da Serra Leoa.

- Prof. José Brito Simango vindo dos Estados Unidos da América.

- Domingos Aníbal, vindo do Quénia.

- Teodoro Mpunga, vindo do Quénia.

- Feliciano Dimbejo, vindo do Quénia.

- Artur J. da Fonseca vindo da RDA (República Democrática da Alemanha), e mais Atanásio Muhate e Raimundo Lumbela que desertaram da Frelimo durante a luta armada. Daqui, fui transferido para Cadeia da Machava, ainda em Maputo. Machava era a antiga cadeia da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) agora usada pela Frelimo para encarcerar presos políticos e os chamados sabotadores económicos. Aqui fui mantido durante um mês. Aqui encontrei outros prisioneiros:

- Absalom Bahule, secretário geral do «Coremo».

- Kampira Momboya, influente membro do «Coremo».

- Matias Mbowa, ex-comissário político da Frelimo.

- Dr. António ex-estudante da Frelimo.

- Irene Buque, antiga esposa de Machel.

- Dr. Mapilale, ex-estudante da Frelimo que foi mandado estudar para o exterior pela própria Frelimo, e todos aqueles que participaram no motim de 17 de Dezembro de 1975.

Da Machava com outros 23 presos fomos mandados de avião para Pemba, (ex.Porto Amélia), capital da província de Cabo-Delgado. Aqui fomos mantidos em celas subterrâneas durante 70 dias. Finalmente fomos enviados para o «campo de concentração de RUARUA». Oficialmente estes campos são chamados de «Campos de Re-Educação». Aqui fiquei até 27 de Agosto de 1977, dia em que consegui escapar com mais três companheiros, Dr. Artur J. da Fonseca, Atanásio Muhate e Raimundo Lumbela. Muhate e Lumbela foram descobertos pelas autoridades tanzanianas como fugitivos e foram detidos e recambiados para Moçambique.

Enquanto estive no campo de concentração de RUARUA encontrei vários outros presos membros de outras organizações políticas que também haviam sido transferidos de outras cadeias e «campos de concentração»:
- Matsinhe, membro do «Gumo» (Grupos Unidos de Moçambique).
- Dr. Waya, ex-estudantes nos Estados Unidos da América.
- José Vilankulos, vindo do Quénia.

Existem ao todo 14 campos de concentração em Moçambique. Três na província do Niassa; 03 em Cabo-Delgado: «RUARUA», «Bilibiza» e «Chaimite». Três na província da Zambézia. Dois em Sofala: «Gorongosa» e «Inyangawi» (Inhangau). Dois em Inhambane (Inyambane): «Inhassune» (Inyassune) e «Inhassoro» (Inyassoro). Um (1) em Maputo, na ilha de Xefina.
Todos os 11 mil testemunhas de jeová estão detidos na província da Zambézia.

Minha experiência nas prisões e campos de concentração

No «Comando da Polícia» as celas estavam superlotadas. Uma cela com capacidade para 70 detidos, continha cerca de 280 presos. Uma refeição por dia. Durante as investigações os oficiais usam violência brutal. Eles colocam uma colher entre os dedos e pressionam-na, enroscado-a entre os dedos até partir os dedos. Também amarravam e penduravam o preso ao tecto pelos pés com a cabeça virada para baixo por um longo período. Alguns presos que não aguentavam esta tortura eram desamarrados inconscientes.

Na «Cadeia Civil» para além dos dois métodos que mencionei, eles queimavam o corpo do preso durante várias horas desde os membros inferiores até ao pescoço. Também podiam obrigar o preso a ficar ajoelhado durante várias horas. Aqui éramos cerca de 2 mil presos. As celas estavam abarrotadas que os oficiais tinham que recorrer à capela existente para enclausurar os presos a mais. Na «Cadeia da Machava» eles usavam todos os métodos sofisticados de tortura.


Machava é a sede da cadeia do «Snasp» (Serviço Nacional de Segurança Popular). Eram também usados choques eléctricos, na tortura.


Em Pemba, na cadeia subterrânea as condições são humilhantes, degradantes e quebram física e moralmente os presos. Éramos mantidos em celas subterrâneas completamente nus, no chão, sem luz dia e noite e fisicamente violentados diariamente. Podiam bater-nos as chambocadas até ficarmos inconscientes. Aqui encontrámos 10 rodesianos, nove homens e uma mulher que eram opositores de Mugabe e da «Frente Patriótica» apoiada pelo governo de Samora Machel. Era-nos dado a cada um meia refeição por dia.

Em RUARUA havia 900 presos. A vida é dura e penosa.


Éramos obrigados a cultivar durante a noite, carregar comida para o abastecimento dos campos em distância de 60 Km com uma carga de uns 30 Kg. Não se importavam como o preso podia estar fraco ou doente. Não havia assistência médica.

Há uma cela subterrânea alcunhada de «Universidade de Lekeni». Era destinada aos presos suspeitos de tentativas de fuga ou quando quebravam as normas da reclusão. Uma vez o preso levado para lá as chances de voltar vivo eram escassas. Este é um método usado para amedrontar outros presos e evitar tentativas de fugas. Uma refeição pobre é servida uma vez por dia, após longas horas, longas horas de sede e de duro trabalho.

Ainda há muitos prisioneiros, que tal como eu, eles têm tentado escapar. Aquele que for apanhado após escapar pelas autoridades ou populações que vivem à volta, são devolvidos e sumariamente executados. Durante as fugas, alguns são devorados por animais selvagens, outros morrem de fome nos respectivos esconderijos. No campo não há nenhuma assistência médica. Presos doentes acabam por morrer sem nenhum socorro. Em toda minha experiência não vi ninguém ser julgado ou acusado num julgamento conforme mandam as regras.


Em Moçambique não existe sistema judicial. Todos os presos são sumariamente detidos e mantidos indefinidamente por longo tempo. Alguns foram detidos no longínquo ano de 1972 durante a luta armada e ainda não foram acusados nem julgados. Muitos nem sabem sequer porquê estão presos:

Chaimite

Líderes e membros do «Coremo»
- Paulo José Gumane, presidente.
- Arcanjo Kambeu, secretário para Informação.
- Uria Simango, secretário para Relações Exteriores.
- Joaquim Nawawa, secretário para Segurança.
- Valentino Sithole, secretário para as Finanças.
- Sebastião Sigauke, secretário para Organização.
- José Maria, secretário para Assuntos Sociais.

Membros do «Gumo»
- Dra. Joana Simeão.
- Dr. Unyayi
- Dr. Razão

Outros
- Pedro Mapangelane
- Lázaro Kavandame
- Adelino Gwambe
- Basílio Banda
- Narciso Mbule.

Todos estão detidos no «Campo de Chaimite» a mais de 100 Km de Pemba e situa-se entre Pemba e Macomia. A informação referente a «Chaimite» me foi facultada no «Campo de RUARUA» por outros presos vindos transferidos de lá. Todos estavam ou ainda estão vivos. O Dr. Absalão Bahule, secretário geral do «Coremo», está preso na Cadeia da Machava. O Dr. António Chade, secretário para Administração do «Coremo» está no campo de RUARUA.

Meus planos futuros

Sobre o meu futuro, desejo, somente, apanhar um local onde possa viver sem temer pela minha vida. Também espero uma eventual reunificação com a minha família de 5 elementos que os deixei à sua sorte em Moçambique. Gostaria de ter uma formação que me permitisse garantir uma vida decente à minha família. Em relação ao país, estou pronto para seguir para qualquer lugar onde a minha segurança e da minha família estejam garantidas.


Atenciosamente,

Fanuel Guidione Malhuza

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A confissão de Uria Simango

Veja e ouça aqui a voz de Uria Simango desvrevendo, em Nashingueia, como Eduardo Mondlane foi assassinado. Recordo que Uria Simango já se encontrava na altura prisioneiro.
(Aguarde um pouco para abrir)
Excerto retirado do CD-ROM comemorativo dos 25 anos de Independência
25 de Junho -Moçambique
Vitória de um povo
Narrador - Leite de Vasconcelos
Edição Creatix-Promédia

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SIMANGO: DE REACCIONÁRIO A HERÓI


DEMOS(Maputo)
19 de Maio de 2004
Para as gerações mais jovens, educadas num ambiente em que com devoção se
cantava: "Simango,reaccionário..." a obra de Barnabé Lucas Ncomo é verdadeiramente o resgate de uma figura histórica deste país. Com efeito, "Uria Simango: Um homem, uma causa" é, uma obra: que estava a faltar ao imaginário político moçambicano. Aliás, quando colocado face desta imagem tão sinuosa quanto emblemática, uma das questões que se erguem é de saber se estamos perante um herói ou perante um mercenário.
Relegado para a condição de reaccionário, Simango, hoje resgatado por Barnabé Lucas Ncomo, começou a despertar interesse enquanto tal através de um questionamento suscitado pela interrupção do som de 
uma emissão televisiva alusiva aos vinte anos da morte de Eduardo Mondlane. Ia Janeth Mondlane a dizer que, antes da sua morte, todo o povo moçambicano saberia quem matou Mondlane descartando a teoria 
que liga o pastor Simango ao assassinato do primeiro presidente da Frelimo, quando houve corte do som por um período suficientemente longo e não seguido de alguma explicação como sempre acontecia.
Muito mais recentemente Mahluza, o homem que se apresentou como quem sugeriu o nome FRELIMO para o movimento de libertação, afirmaria de boca cheia uma espécie de heroísmo para a mesma figura.
A obra de Ncomo apresenta-se como algo de particularmente impressionante na medida em que em quase quinhentas páginas, o autor nos conduz no meio de um ambiente obscuro e proibido à busca do um 
Simango reinterpretado e, através de um percurso histórico resgata a figura histórica.
Sem se preocupar pelo rigor científico, vai a busca da verdade e não teme deixar questões em aberto, como foi o caso da data e circunstâncias da sua morte.
Por outro lado, mesmo sem sucumbir ante a dificuldade de discernir um pensamento simanguiano vai mostrar o caminho tortuoso e difícil da formação e desenvolvimento da Frente. Mais do falar em consensos, 
ele mete em evidência as várias tendências que era necessário fazer convergir.
Nas linhas que se seguem Demos transcreve alguns excertos da obra.

MORTO EM DATA E LOCAL INCERTO
Difícil estabelecer com exactidão as datas. O certo é que em dia impreciso do período que vai de Maio de 1977 a Junho de 1980, durante o mandato do então governador da província do Niassa, Aurélio Benete Manave, M'telela acolhe no seu solo o que resta de um homem que muito fez para a libertação de Moçambique. O Rev. Uria Timóteo Simango era barbaramente assassinado na companhia de outros 
moçambicanos tidos como reaccionários pelo regime totalitário da Frelimo.
O acto, executado dentro do secretismo que caracterizava as hostes do poder político em Moçambique, só viria a tornar-se público cinco anos mais tarde com a fuga para a Africa do Sul de um destacado 
membro do SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular) e pela voz da Resistência Nacional Moçambique.

DISCIPLINA PARTIDÁRIA
A primeira tentativa de se conciliar ideias a volta do assunto nas hostes do. poder a politico em Maputo ocorre em1980 quando o Comité Politico Permanente da Frelimo ensaia a intenção de informar o país 
e o mundo sobre o destino de Simango. De certa forma ao que tudo indica, essa tentativa criou algumas desinteligências no seio do próprio partido no poder, pois um considerável número de membros da 
cúpula daquele partido não terá aceite pactuar com a farsa de que se pretendia forjar.
Desde então, a Frelimo tem-se esforçado por apresentar o caso como encerrado, visto que o plano denominado Código Namuli, conforme mais adiante se verá, não seria levado avante.
O que se sabe sobre a morte de Uria Simango e seus companheiros gira em torna informações colhidas junto de pessoas que de M'telela escaparam com vida mantendo-se o silêncio dos mandantes e dos 
executores directos do acto. Tudo leva a crer que houve um pacto entre a classe dirigente, consubstanciado a disciplina partidária.

Segundo assevera o então governador Manave:
"Uma das características da Frelimo é a disciplina e o sigilo partidários. Ninguém está autorizado a tocar na questão Simango senão os que têm autoridade. Eu, como indivíduo singular, não tenho essa autoridade. Houve um juramento de sigilo à volta da questão e apenas a quebra oficial desse juramento poderá libertar os pactuantes para falarem do assunto. Duvido que algum dia isso aconteça. A maioria dos pactuantes está viva e acho que mesmo com a garantia de se manter seus nomes no anonimato, dificilmente podem 
dizer algo sobre a figura de Uria Simango.
Conheci Simango e com ele convivi durante muitos anos. O que posso dizer e apenas que aquando da captura dos reaccionários em 1974 eu era o Comandante do Campo de preparação político-militar de 
Nachingweia, para onde foram conduzidos esses reaccionários. Todos eram humanamente tratados e nunca torturámos alguém. Fui igualmente o governador de Niassa até 1983, altura em que de lá saí para 
cumprir outras tarefas que me confiaram. Nada mais posso acrescentar, senão isso. (Aurélio Benete Manave).


NÃO HÁ RAZÃO PARA TAL
Sintomático do receio e terror psicológico que a questão provoca nos então detentores do poder político em Moçambique, passados que são décadas do silêncio absoluto, e a indisponibilidade mostrada por alguns em abordar com profundidade a "questão Simango". Tal é o caso de Óscar Monteiro, um nome sonante da vida nacional moçambicana após independência. Monteiro afirma que apesar de ter conhecido Simango, conviveu pouco tempo com ele, pois cedo passou a representante da Frelimo em Argélia, o que, de certo modo, o impediu de o conhecer com profundidade. Pouco adiantou sobre o homem. Contudo reconhece 
ter tido alguns contactos com o Reverendo no contexto da luta armada de libertação nacional. Nada mais acrescentou, porque "ando muito ocupado e não sei quando é que terei disponibilidade para falarmos 
disso." (Óscar Monteiro) Apesar da insistência do autor, visando marcar uma entrevista para outra ocasião, Monteiro pouco interesse mostrou em abordar o assunto. Todavia, Monteiro aparecera mais tarde 
a lamentar-se do fim que tiveram Os presos de M'telela dizendo que não se devia ter feito uma tal coisa, pois "não havia razão para isso" (Óscar Monteiro)

O EMBARAÇO DE CHISSANO
Joaquim Chissano, que subira ao trono depois da: morte de Samora Machel em Outubro de 1986, num comício em Maputo a 9 de Janeiro de 1990, igualmente denotando perturbação, em resposta a uma questão sobre os presos políticos levantada na ocasião por um cidadão Zebedias Jaime Machava, viria sub-repticiamente a confundir a questão que lhe era colocada. Estava-se no auge da paz, e uma amnistia em favor dos chamados "bandidos armados", e os considerados "traidores da Pátria", havia sido decretada. 
Corajosamente, e em resposta ao apelo formulado por Chissano para que as pessoas naquele comício apresentassem livremente as suas preocupações, implicitamente, Machava levantou a questão de Simango 
e outros presos de consciência, tendo-se estabelecido então com o presidente um estranho diálogo nos seguintes termos:
(Machava) Chamo-me Zebedias Jaime Machava. Eu vim aqui para poder apresentar algumas questões que sinto. Eu tenho acompanhado passo a passo a evolução política do nosso país, do nosso partido, e tenho
também acompanhado as iniciativas do nosso governo no sentido de estabelecer a paz neste país. E também queria aproveitar esta oportunidade para poder exprimir o meu sentimento perante os membros 
do governo, os membros do Bureau Político e membros do partido para poder fazer chegar essa preocupação que eu tenho.
O governo da República Popular de Moçambique procedeu a uma amnistia aos bandidos armados. Essa amnistia abrange todos aqueles que estão a matar. Os que foram os primeiros que ainda permaneciam no 
banditismo armado beneficiam dessa lei quando vieram se entregar voluntariamente, e quando abandonaram a via violenta. Estão beneficiados por essa lei.
Então, eu queria pedir a todos os membros que estão aqui para podermos também rectificar, ver também aqueles que praticaram crimes durante a luta de libertação nacional, os desertores, aqueles que desertam ou que .. .aqueles que nós consideramos como dissidentes, aqueles que não quiseram corresponder com a linha da Frelimo. Estes até este momento estão numa situação de privação, não é? Estão privados não ouvimos falar deles, não se ouve quase nada, não é? não se ouve. Não sei se existem ou já morreram eu não sei. Portanto, eu queria que o povo moçambicano, dentro do sentimento que nós temos de amnistiar aqueles que fizeram ma1, ou que fazem mal, então.
(Chissano) - Sim podemos responder a sua preocupação,já compreendemos.
(Machava) -Sim
(Chissano) - A amnistia era para todos, incluindo esses aí.
(Machava) - Sim
(Chissano) - Não estão incluídos. Estão amnistiados.
(Machava) - Estão amnistiados?
(Chissano) - Uns estão em Portugal, estão na América. Não são muitos. Podem vir a qualquer altura aqui e esses aí para eles a amnistia não acaba. Podem
(Machava) - E também...
(Chissano) - Obrigado
(Machava) - Desculpe Sua Excelência.
(Chissano) - E por causa dos outros. Temos que limitar o tempo.
(Machava)_ Há aqueles que estão nas nossas mãos. Aqueles...
(Voz de mulher) A luta continua! (Rádio Moçambique)

EXECUTADO À REVELIA
Entre as escassas informações (a maioria das quais desencontradas) existem também acusações e ilibações caricatas que ilustram o peso de consciência que reina nos que detinham o poder nas mãos. Fernando Ganhão, outra figura de destaque nas hostes do regime, afirma que tomou conhecimento da liquidação física de Simango posteriormente ao acontecido. Segundo ele, "aquilo foi decidido lá no norte sem o conhecimento de ninguém cá em Maputo.
Foi "AM" quem fez aquilo. Mandou para lá um indivíduo que andava com a filha dele. Parece que mandou liquidar esse indivíduo e, por extensão, todos os presos políticos que estavam a guarda dele no Niassa. Todos foram mortos. Samora chateou-se muito com isso. Ninguém sabia de nada cá. Mesmo Marcelino dos Santos não sabia de nada. Foi uma decisão unilateral de alguém consultar o próprio Chefe do Estado e a direcção máxima do partido. (Fernando Ganhão)

EXEMPLO DE JUSTIÇA POPULAR
Marcelino dos Santos altura segunda pessoa importante na hierarquia partidária foi categórico ao afirmar que a decisão de executar sumariamente Simango e outros presos políticos fora um exemplo de "justiça altamente popular", tendo frisado:
"Mas que se diga bem claramente que nós não estamos arrependidos da acção realizada porque agimos utilizando violência revolucionária contra traidores e contra traidores do povo moçambicano. (Marcelino 
dos Santos)
As informações existentes - fruto de mais de 15 anos de cuidadosa investigação - indicam os anos entre 1977 como o período mais provável em que o Rev. Uria Timóteo Simango terá sido morto cruelmente. A sua esposa, professora Celina Simango, viria a ser executada, segundo uma das fontes, em Julho de 1982 na companhia de duas outras senhoras dentre as quais Lúcia Tangane, esposa de um destacado prisioneiro de M'telela -(Raul Casal Ribeiro), ex-comissário politico da Frelimo e secretário-adjunto do Departamento 
de Defesa após a morte de Filipe Samuel Magaia.

SAMORA NÃO QUERIA AQUELE HOMEM MORTO
Por sua vez, Mariano de Araújo Matsinhe, outro proeminente membro da hierarquia da Frelimo, afirma que "a confissão Política não foi informada sobre a liquidação física dos presos. Samora não queria 
aqueles homens mortos. Queria mantê-los vivos para depois mostrar-lhes o Moçambique independente que ele sonhava.
Ele foi pressionado para fazer aquilo. Nem eu, nem o presidente Chissano sabíamos da morte de Simango e de outros. Alguns passaram a saber que os presos foram liquidados através de uma informação que o 
presidente Chispando acabou dando em resposta a perguntas feitas por alguns moçambicanos exilados nos Estados Unidos foi numa reunião com moçambicanos em Nova Iorque. (Mariano Matsinhe)
Mas Matsinhe não ousa divulgar quem terá pressionado Samora Machel a fazer a que ele chama "aquilo", remetendo para a inconcebível ideia de uma Frelimo com separação de poderes, onde par um lado estava 
Machel dirigindo uma Comissão Política (Bureau Político) imaculada nos actos e, por outro, o mesmo Machel, na companhia alguns veteranos da luta ar como Salésio Nalyambipano, Lagos Lidimo, Abel 
Asikala e alguns mais, agindo independentemente. Uma espécie de anarquia que não bate certo com a realidade, mas, em todo o caso hipótese que não se pode descurar se se tiver em conta que o Serviço 
Nacional de Segurança Social (SNASP), então instituído em Outubro de 1975, conferia ao Chefe do Estado plenos poderes de agir (em alguns momentos) num círculo restrito com os oficiais daqueles serviços, 
sem prévia consulta aos diversos órgãos do partido no poder.

A IMPRENSA ESTRANGEIRA
No início do último trimestre de 1976, um grupo de jornalistas nacionais e o cineasta mauritano Abid Med Honda, contra todas as previsões, visitaram M'telela no âmbito de uma digressão que faziam pelo norte do País. Com a excepção de Muradali Mamadhusen, então Director Nacional de Informação no Ministério da Informação, os restantes componentes do grupo não sabiam em que local de Niassa se encontravam. De Lichinga, foram todos introduzidos em viaturas tendo seguido para um destino incerto. Chegados a -M'telela, reconheceram de imediato Uria Simango e Joana Simeão.
"Na altura" - segundo relataria um dos jornalistas "a nossa preocupação imediata foi ver o estado de espírito em que se encontravam esses homens e se estavam sendo bem tratados, embora o comandante do campo - um tipo alto e forte, todo ele simpático para connosco - nos tivesse garantido que os presos estavam sendo bem tratados, custou-nos a acreditar pelo semblante que ostentavam aqueles detidos. Ao responderem as nossas perguntas, os presos transmitiam no seu olhar uma mensagem de tristeza e profunda angústia. Víamos medo nas suas respostas porque estavam a volta guardas a controlar todos os movimentos. Para despistar aqueles guardas, e pôr os presos à-vontade. alguns de nós tiveram que mentir 
dizendo que eram jornalistas estrangeiros. Fomos fazendo perguntas em inglês e francês ao que Simango e Joana iam respondendo sem problemas porque os guardas não entendiam essas línguas. De regresso a Lichinga ficou combinado que nenhum jornalista deveria fazer uso do material recolhido. E como o seguro morreu de velho. Muradali recolheu tudo, desde apontamentos, filmes, gravações, etc. Esse material está algures aí em Maputo, certamente com os detentores do poder. Os presos estavam sendo maltratados. Julgo que previam um fim fatal. 
(Eliodoro Baptista)

UMA DATA PROVÁVEL
Mas a data de 25 de Junho de 1977, segundo aniversário da Independência nacional, tida como o dia da saída dos presos do Centro de acordo com Maria Flora Ribeiro - e data prováveis da execução dos mesmos, entra em colisão com uma das principais testemunhas de M'telele - Manuel Pereira - como mais adiante se verá, Contudo, é curioso notar que aquela data poderá, de facto, ter sido a data da execução de diversas sentenças decretadas nos corredores do poder em Maputo. Com efeito, a 25 de Junho de 1977, no 
outro extremo de Moçambique, na zona de Nambude em Cabo Delgado, o então director local da Contra Inteligência Militar, António Miguel, é referido como tendo presidido à execução pública de dois antigos 
combatentes, nomeadamente do comandante Joaquim Mandeio Muthamangue, cognominado Francisco Ndeio e do seu adjunto Pedro Canisio.
No decurso da tarefa que the fora incumbida, Pereira constatou que Uria Simango e outros políticos detidos no Centro de M'telela, haviam sido executados em Outubro de 1978. O ano de 1978 como altura 
provável da execução dos prisioneiros políticos voltaria a ser ventilado pelo próprio Sérgio Vieira no decurso de um debate televisivo em 2001. Ao se abordar o sistema de reeducação no Moçambique pós-Independência, Vieira admitiu terem havido falhas durante a vigência do monopartidarismo em Moçambique. Sem precisar datas, afirmou que no período entre 1978 e 1979 se haviam cometido excessos, tendo os mesmos culminado com a execução sumária de presos políticos. Em particular, Vieira afirmou ter assinado e ordenado diversas execuções extrajudiciais. Todavia, em jeito de conclusão, 
afirmou que não se sentia arrependido.

E SIMANGO NÃO PEDIU PERDÃO
Para RR, os presos políticos foram executados em Junho de 1980 pouco depois da passagem de Samora Machel por Niassa a caminho de Madagáscar. RR que estava ligado as Forcas de Defesa e Segurança na 
cidade de Lichinga, diz que lembra-se muito bem do mês porque Samora fez uma escala rápida em Lichinga e no dia seguinte estava de volta a Maputo para anunciar a nova moeda, a metical.
CF por sua vez, citando afirma que a sua fonte informou que o Rev. Simango foi severamente maltratado durante a sua audição. Permaneceu de pé quase seis horas consecutivas perante as pardas figuras que o exigiam que pedisse perdão. Alguns dos presos aflitos, acabaram acedendo ao pedido na esperança de verem as suas penas comutadas. 
Contudo, a despeito do cansaço físico que denotava e a constante zombaria à sua volta, Simango negou continuamente pedir perdão. "Não vejo razão nenhuma que me leve a ter que pedir perdão. Não fiz mal 
nenhum. A quem devo pedir perdão, aos senhores?" - insurgia-se constantemente Simango, de acordo com a mesma fonte.

NACIONALIDADE E RELIGIÃO
Em 1957 foi-lhe concedida uma bolsa de estudos por uma instituição religiosa nos Estados Unidos da América. Todavia, as autoridades coloniais impediram-no de se ausentar de Moçambique para prosseguir 
os estudos. Segundo pessoas da época, a recusa fundava-se no facto de, até então, estarem frescos na memória das autoridades portuguesas os transtornos causados por Kamba Simango aquando do seu 
regresso dos Estados Unidos à cidade da Beira. Certamente, as autoridades consideravam ser perigoso se Uria trilhasse os mesmos caminhos que kamba. Para além do mais, vivia-se nessa altura outra turbulência causada por um outro Simango-Sixpence - promotor do Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala. A coberto do Núcleo, Sixpence Simango e seus correligionários, os Negrófilos, como habitualmente se identificavam os membros do Núcleo, transformaram-se em ouvido e fiéis mensageiros das populações negras perante as autoridades. 
Contra as sevícias infringidas pelas autoridades coloniais contra a população negra, o Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala destacava-se nos pronunciamentos em nome dos oprimidos.
O destino havia apanhado o jovem pastor Uria Simango nesse ambiente de discriminação racial e de perseguições. 
A semente do nacionalismo havia sido plantada anos antes pelo Rev. Kamba. Todavia, o conceito de nação em Manica e Sofala, e em particular entre as populações da etnia shona, agudizar-se-ia com o deflagrar do motim da Machanga. O motim seria urna das principais fontes de inspiração para uma luta aberta contra a presença colonial portuguesa em Moçambique. Vários jovens abandonaram nessa época a colónia indo refugiar-se na então Rodésia do Sul. Do Búzi, onde trabalhava numa empresa açucareira, saiu o principal percursor da Udenamo, Lhomulo Chitofo Cwambe, mais conhecido por Adelino Gwambe. 
Muitos outros abandonariam Mocambique exilando-se nos países vizinhos.
Mas da leitura de um estudo recente sobre e motim de Machanga, 
depreende-se que o levantamento não tinha um cunho político, pois foi motivado pelo comportamento irresponsável de alguns funcionários administrativos corruptos que haviam desviado donativos de 
emergência para as vitimas dum ciclone que havia assolado a zona.
Simango havia tomado conhecimento da Constituição na África do Sul, por um grupo de moçambicanos oriundos maioritariamente de Mambone e Machanga de uma associação denominada Associação Fúnebre de Moçambique (AFM). Ferraz de Freitas queria saber de Urias Simango e Ngwenha qual o papel que a Igreja Protestante havia tido nos levantamentos de Machanga e Mambone.
Para além de mais, sendo Resende um agente do Vaticano, não poderia na altura fazer mais ondas do que então fazia. Pelo que Simango nunca se expunha muito perante o bispo no respeitante à independência das colónias portuguesas. Contudo, de Resende e Bertulli, soube Simango extrair grandes ensinamentos. Tanto um como outro nutriam denodada admiração pelo jovem pastor negro que, contrariamente à maioria naquela época, falava bem o português e o inglês, e tinha ideais claros sobre a salvação humanidade.
 --------------------------------------------------------------------------------MOÇAMBIQUE: OS FANTASMAS DE  NACHINGWEA
Centenas de pessoas foram julgadas no campo de Nachingwea nos meses que antecederam a independência de Moçambique. O que lhes aconteceu? Um investigador responde.
Estávamos em 1975 a pouco meses da independência de Moçambique. O fervor revolucionário de mudança sentia-se em todo o país. A Frente de Libertação de Moçambique, Frelimo preparava-se para assumir o poder na certeza absoluta das suas convicções e linha política. Não havia lugar para dissidência ou pontos de vista diferentes.
Nesses meses que antecedem a independência na Tanzânia centenas de pessoas são julgadas pela Frelimo acusadas de vários crimes contra a luta de libertação e contra a revolução.
Agora familiares desses acusados querem saber o que aconteceu aos réus do julgamento de  Nachingwa. Vão formar uma associação. Nachingwea é conhecida pelos moçambicanos como uma das principais bases da Frelimo na Tanzânia. Mas não só. Neste regresso ao passado falamos com o investigador João Cabrita que nos disse que cerca de 300 pessoas foram, julgadas em Nachingwea. Foram acusados de traição ou deserção. Algumas delas são figuras conhecidas como Urias Simango e Joana Simião que seriam fuzilados anos mais tarde num campo de reeducação. Mas Cabrita disse nos que ninguém sabe o que aconteceu á esmagadora maioria daqueles que foram julgados. “Só as autoridades moçambicanas podem revelar isso,” disse o investigador.
Escute  a entrevista de João Cabrita.   

Nota do blog:   Entre a Memórias Silenciadas, título do novo livro do escritor moçambicano  Ungulani Baka  Khosa lançado no dia 1 de Agosto de 2013 em Maputo desvenda o ambiente que se viveu no período em que as pessoas foram concentradas nos centros de reeducação  que João Cabrita prefere chamar de campos de concentração  Vale apenas ler.



22 julho 2013

LEI DE PROIBIDADE PÚBLICA (LPP) ABRE ESPAÇO PARA ACUMULAÇÃO DE REMUNERAÇÕES E DELAPIDAÇÃO DO ERÁRIO PÚBLICO

O Estado moçambicano não tem mostrado capacidade para fazer uma gestão eficiente das diversas formas de remunerações que confere a determinados titulares ou membros de órgãos públicos, que estando na reforma são chamados ao ativo para exercer determinadas funções públicas, acumulando por isso diversos rendimentos da mesma fonte que é o erário público e a legislação que tem sido produzida sobre a matéria, não tem tido o mérito de efetivar a transparência na sua atribuição. Em anexo o texto na íntegra.

Clique para ler o artigo:

Leia o Canal de Moçambique: Download CMC_n209_final



10 julho 2013

LITERATURA - ARQUEOLOGIA DA PALAVRA EM ANTOLOGIA POÉTICA

É LANÇADO esta sexta-feira em Maputo a antologia poética “Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua”.

A antologia reúne poetas como Mia Couto, Eduardo White, Mbate Pedro, Sangare Okapi, Mauro Brito, Adelino Timóteo, Luís Carlos Patraquim, Emmy Xyx (Moçambique), Luís Kandjimbo, João Maimona, João Melo, Victor Burity da Silva, José Luis Mendonça, Lopito Feijóo (Angola), José Luis Hopffer Almada, Danny Spínola, Vera Duarte, Mario Lúcio Sousa, Filinto Elisío (Cabo Verde), Conceição Lima ( São Tomé e Princípe), Frederico Matos Cabral ( Guiné-Bissau), Maria Teresa Horta, João Rasteiro, Maria João Cantinho, Jorge Melicías, Gisela Ramos Rosa ( Portugal), Affonso Romano de Santa’Anna, Claudio Daniel, Micheliny Verunshk, Barbara Lia, Marcelo Ariel, Camila Vardarac, Edson Cruz ( Brasil), Yao Jingming, Carlos Marreiros, Alberto Estima de Oliveira, Rolando Chagas Alves (Macau) Alberte Moman, Miguel Alonso (Espanha), Victor Sosa (México) Rita Dahl (Finlândia) entre outros.
Contará com a apresentação de Aurélio Ginja, escritor, ensaísta, docente de literatura na Universidade Eduardo Mondlane, e crítico literário e docente de literatura na Universidade Politécnica.
Esta obra é a primeira do projecto Esculpindo a Palavra com a Língua e que conta com o prefácio de Susanna Busato, UNESP-São José do Rio Preto, e posfácio de Paulo Seben-Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O livro foi editado pela Revista Literatas-revista de literatura moçambicana e lusofóna, organizada pelo poeta e director da Revista Literatas Amosse Mucavele.

Em contacto com a língua de Camões
No seu Posfácio, Paulo Seben explica que, o projeto "Esculpindo a Palavra com a língua", coordenado pelo jovem e talentoso Amosse Mucavele, trata de pôr as nossas línguas em contato com A Língua de Camões, e roçando, modelando, modulando, erguer um monumento novo, agora coletivo (não que a obra de Camões não implicasse diálogo com os seus contemporâneos, com a tradição literária ocidental), uma literatura universal em língua portuguesa, construída, como bem anuncia o título desta antologia, por intermédio da arqueologia da palavra — a intertextualidade com a tradição literária comum e com os desdobramentos dela nas diversas circunstâncias que encontrou em terras e oceanos variegados — e daanatomia da Língua — o estudo da riqueza fonológica, morfológica, sintática, semântica, poética do Português contemporâneo.
“Ousado projeto, grandioso, como compete a quem empunha a pena do "Luís de Ouro" (Carlos Drummond de Andrade), "Camões, grande Camões" (Manoel du Bocage) e quer dizer ao mundo as novas armas e os novos varões assinalados que da ocidental praia lusitana; da americana praia brasileira; das africanas praias guineenses; cabo-verdianas, são-tomé-e-principenses, angolanas e moçambicanas; das indianas praias goenses; das chinesas praias macauenses; e das oceânicas praias timorenses; por mares, ares, sites navegados à exaustão, passaram ainda "além da mágoa" e "em esforços e guerras" — com a palavra — "conquistaram" novas formas de expressão”, escreve.
Sublinha que, no livro o leitor encontrará as vogais de Camões, preservadas pelas ex-colônias, e o silêncio átono das vogais dos herdeiros europeus do maior poeta épico da Era Moderna. Encontrará a intrincadíssima sintaxe dos poetas livrescos, a par da diretíssima linearidade da literatura oral. Encontrará, ainda, a casticíssima herança portuguesa, mas também a mescla da língua comum aos substratos locais, e mesmo a — antes tida como deletéria — influência das línguas da moda — em séculos anteriores o Francês, e ultimamente o Inglês. Porque esta antologia apanha a língua viva, ou seja, velha-nova, pura-mescla, pura mescla das vozes de milhões de falantes nativos ou não do Português.
Presente régio, que segue cultivada pelos reis modernos — presidentes tão díspares como o saudoso revolucionário Agostinho Neto, de Angola, e o contra-revolucionário José Sarney, do Brasil —, aqui virá plasmada por Ministros de Estado e deputados, democraticamente igualados aos neófitos estudantes. Jovem de menos de mil anos, aqui virá esculpida por velhos e por jovens, por bibliografias-humanas com dezenas de livros publicados, e por bibliófilos inéditos. Sensual e prolífica, aqui virá tocada, roçada, fecundada por homens e por mulheres, sem fazer distinção de orientação sexual. Moldada pelo contato com outras línguas e culturas, aqui virá transmutada pela presença de tradutores de sua poesia para outras línguas, cujas produções poéticas nesses vernáculos comparecerá traduzida para o Português.
Trata-se de uma antologia desigual porque desiguais são as experiências vividas pelos autores nela reunidos, assim como desiguais foram as circunstâncias históricas em que foram escritos os poemas e forjadas as literaturas nacionais.
Por exemplo, se o autoritarismo político se constitui em um antepassado comum, as ditaduras salazarista, em Portugal, e militar, no Brasil, em que pese terem sido contemporâneas por uma década, nasceram em momentos diversos e tiveram causas diferentes; da mesma forma, o salazarismo não tinha o mesmo impacto na Metrópole e nas Colônias; e estas, uma vez conquistada a independência, nem todas passaram por golpes e por regimes de exceção, por guerras civis e por conflitos armados contra países limítrofes. A desigualdade na linguagem, inclusive, não vem só da geografia (que, por si só, já se manifesta pujantemente): as formas do autoritarismo e a duração e o alcance da democracia nas diversas nações de língua portuguesa determinaram que em Portugal e no Brasil, nos quais a cultura letrada se disseminou antes e mais universalmente, houvesse um predomínio paulatino da sintaxe escrita sobre a sintaxe oral, ocorrendo o contrário nas nações africanas, longamente submetidas a um estatuto colonial que vedava a alfabetização das populações autóctones. Empenhados na busca de ouvintes tanto quanto de leitores, muitos poetas africanos e timorenses exploram os limites da oralidade, enquanto que outros, seja por se terem transferido para países de capitalismo mais desenvolvido, seja por terem tido a sorte — ou o infortúnio — de pertencerem às elites locais com acesso à educação formal, se veem enfronhados no diálogo do cânone luso-brasileiro com o cânone ocidental, com as vanguardas estéticas europeias, americanas e orientais, diálogo este — aparentemente — tão natural aos poetas brasileiros e portugueses presentes na antologia.
O vanguardismo e o experimentalismo estético, até mesmo a poesia visual, portanto, dividem espaço nesta antologia com expressões tradicionais e com um coloquialismo que, a um observador desavisado, poderia parecer influência do programático coloquialismo da literatura cubana oficialista (sem que se faça aqui qualquer juízo de valor, qualquer crítica política a uns ou a outros). A escritora Jane Tutikian, professora de Literatura Africana e atual diretora do Instituto de Letras da UFRGS explica, contudo, em suas aulas, tratar-se mesmo da influência da oralidade, da busca da expressão da fala do povo.
Bem, o leitor tem diante de si uma oportunidade de conhecer algumas das inúmeras vozes desses povos falantes do Português. A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua oferece uma visão de conjunto da poesia em língua portuguesa produzida na Contemporaneidade. Encontrará aqui muitas certezas — autores e autoras de repercussão internacional, cujas obras já fazem parte das bibliografias das universidades e escolas —; também encontrará surpresas, causadas tanto pelo primeiro contato com autores de terras distantes (da casa do leitor), quanto pela novidade formal ou temática, pela súbita eclosão de uma profunda dor particular que ecoa nos corações de todo ser humano, ou de uma entusiástica alegria pelo gozo do corpo, do sexo, da liberdade, da vida, enfim.
Os grandes temas da literatura em Português desde que Camões levou à maioridade a língua literária iniciada pelos reis trovadores — ou seja, o mar, a saudade, a pátria e o erotismo — são ainda os mais constantes temas de nossos poetas de todos os continentes, a julgar pela amostragem aqui contida. Os mais constantes, mas longe de serem os únicos. Como nas páginas de Literatas, a revista que dá origem a esta antologia, coube aqui quase tudo que a consciência humana precisa dizer poeticamente, assim como couberam dezenas de poetas, como vimos, das mais diversificadas experiências, tendências e afetos.

Ampla e rica, A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua será decerto uma ferramenta útil para o ensino em todos os níveis  — e em todos os ambientes. Das universidades às classes de alfabetização e de ensino de Português como segunda língua (uma realidade de vários de nossos países, nos quais a língua de Camões divide espaço com crioulos e com idiomas autóctones), os professores terão à sua disposição um corpus formidável para discutir a Literatura, a Língua, a História, a Sociologia... Quem sabe na audaciosa iniciativa da Literatas não começa a nascer um novo cânone, gerado a partir de uma inédita e ainda necessária (diria sempre urgente) discussão da poesia, da literatura em língua portuguesa não como um tronco lusitano do qual nascem brotos ultramarinos, mas, sim, como um tronco universal com raízes em cinco continentes, nascido, isto sim, de uma semente uma vez germinada em terra europeia?
In: Notícias , Maputo, Quarta-Feira, 10 de Julho de 2013:: 

"HANNAH ARENDT" EM DOCUMENTÁRIO: AS POLÉMICAS DA PENSADORA ALEMÃ


ALIANDO-SE, mais uma vez, a Barbara Sukowa, intérprete habitual de seus filmes, como os premiados "Rosa Luxemburgo" (1986) e "Os Anos de Chumbo" (1981), a realizadora Margarethe Von Trotta entrega-se ao desafio de retratar uma das pensadoras políticas mais importantes e influentes do século XX, autora de clássicos como "As Origens do Totalitarismo" ou “Da Violência”.

Escapando ao risco de comprometer a narrativa com um excesso de teorias, escolhe como foco um episódio crucial na vida de Hannah Arendt. Em 1961, a filósofa alemã, já radicada nos EUA, viaja a Israel para acompanhar um dos julgamentos mais bombásticos de todos os tempos, do carrasco nazista Adolf Eichmann, capturado pelos serviços secretos israelitas na Argentina.
Partindo de uma peça da norte-americana Pam Katz, co-guionista do filme ao lado de Von Trotta, a história humaniza por todos a sua protagonista, sem banalizar o seu pensamento nem a sua actividade. Hannah é vista a discutir com os seus alunos na universidade, e também com os seus amigos intelectuais, em concorridas festas no seu apartamento, em que, ao lado de temas polémicos, nunca faltavam piadas, nem bebida ou cigarros.
O nazismo está no centro das discussões.
Primeiro, na actuação de Hannah, ao cobrir o julgamento de Eichmann para a revista "The New Yorker", que lhe permitiu criar uma das teses mais polémicas de toda a sua obra, sobre a "banalidade do mal".
O segundo, menos abordado no filme, lembra o seu relacionamento com o mestre e ex-amante Martin Heidegger (Klaus Pohl), filósofo que se filiou ao Partido Nazi em 1933 e nunca se retratou da atitude após o fim da II Guerra Mundial – para o desgosto de Hannah, que era judia alemã e fugiu do país natal após a ascensão de Hitler ao poder.
Vendo em Eichmann apenas um burocrata medíocre, cumpridor cego de ordens, recusando-se a ver um monstro de índole diabólica, e não se omitindo em apontar o que considerava como cumplicidade dos chamados Conselhos Judaicos na destruição da sua própria comunidade, Hannah atraiu a fúria dos próprios amigos e dos círculos judaicos. Muitos nunca a perdoaram pela ousadia. Para eles, ela estaria "a defender" o carrasco, o que sempre negou.
Nada disso abalou a filósofa, que publicou os seus artigos na "The New Yorker" - onde também sofreu pressões - e, dois anos depois, um livro que teve grande repercussão, "Eichmann em Jerusalém".
Vendeu na época mais de 100 mil exemplares e, ao longo dos anos, serviu como ferramenta para que jovens alemães contestassem os seus pais, por terem conhecimento dos desmandos nazis e se omitirem, e também em revoltas contra a guerra do Vietname e o uso da energia atómica.
O filme ressalta a coragem de Hannah que, apoiada por amigos como a escritora Mary McCarthy (Janet McTeer), resistiu, mantendo a sua independência de pensamento, ainda que a um alto custo pessoal. Os ataques sofridos, para ela, equivaleram a um "novo exílio", como salientou a realizadora Margarethe Von Trotta em entrevista ao jornal "The New York Times".
Procurando não tomar partido da tese defendida por Hannah nos artigos e livro sobre Eichmann, o filme sem dúvida abraça a integridade pessoal e intelectual da sua fascinante protagonista.
E permite aos espectadores participarem numa envolvente discussão de ideias, apesar de um filme não ser o veículo ideal para esgotar temas tão profundos. Mas, certamente, pode despertar uma saudável curiosidade sobre as obras da autora alemã.
A judia e o nazi

O romance de Arendt com Heidegger gerou manchetes e até hoje fornece material para estudos biográficos. Os dois contam como um dos mais famosos casais de intelectuais, ao lado de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Porém, o mestre era casado, facto que fez a jovem decidir mudar-se para Heidelberg, onde completou o seu doutorado em 1928, sob a assistência da Karl Jaspers. Entretanto, a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha alterou radicalmente a vida da filósofa de origem judaica.
"Na época, repetia-se sem cessar uma frase que evoco agora: 'Se você é atacado como judeu, é preciso defender-se como judeu'. Não como alemão, ou cidadão do mundo ou em nome dos direitos humanos, algo assim. Mas sim, bem concretamente: o que eu posso fazer?", declarou durante uma entrevista em Outubro de 1964.
Quando Martin Heidegger tornou-se no primeiro reitor nacional-socialista da Universidade de Freiburg, Hannah Arendt afastou-se da filosofia para engajar-se na resistência anti-nazi. Em meados de 1933, foi presa pela Gestapo, porém conseguiu escapar.

Profissão: teoria política


Pouco mais tarde, Arendt fugiu para Paris. Lá conheceu o seu futuro marido, o também filósofo Heinrich Blücher, com quem emigraria para os Estados Unidos em 1941. Em Nova Iorque, ela inicia a sua grande carreira: escreveu para revistas, trabalhou como revisora, professora universitária e em diversas organizações judaicas.
Em 1951, Arendt publicou o seu revolucionário estudo “As Origens do Totalitarismo”. Seguem-se outros escritos, entre os quais “Vita activa”, uma teoria da actividade política. Em “Sobre a Revolução”, ela examina as reviravoltas políticas radicais.
Certa vez, Arendt classificou a sua profissão como "teoria política, se é que se pode falar em profissão". Os seus livros colocaram-na na capa de revistas importantes, aclamada como uma das grandes filósofas do século.
Em 1963 publicou “Eichmann em Jerusalém”, sobre o processo contra o criminoso nazi e em que cunhou a famosa expressão "a banalidade do mal". Entre outros argumentos, a filósofa foi acusada de, com a sua teoria da banalidade, minimizar os crimes nazis e o sofrimento dos judeus. Em resposta, Arendt disse, de certa maneira, compreender a reacção indignada ao facto de ela ainda poder rir.

In:  Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 10 de Julho de 2013::


09 julho 2013

PRESIDÊNCIA SUL-AFRICANA DISTANCIA-SE DAS DISPUTAS NA FAMÍLIA MANDELA

   




A Presidência da África do Sul distanciou-se na sexta-feira das disputas que envolvem a família do antigo presidente  Nelson Mandela, que considerou “lamentáveis”.
 “É lamentável que haja uma disputa entre os membros da família e gostaríamos que fos-se resolvida de forma amigável e tão rápido quanto possível”, disse o porta-voz da Presidência, Mac Maharaj, em entrevista à France Presse-TV.
 “Mas não estamos envolvidos e não podemos ser responsabilizados”, acrescentou.
 Quinze membros da família do antigo presidente, que continua hospitalizado em estado crítico, recorreram à justiça  contra o neto mais velho de Mandela, Mandla, por causa da transladação dos restos mortais de três elementos da família.
 Mandla decidiu unilateralmente, em 2011, transferir os restos mortais do seu pai, de um tio e de uma tia do talhão familiar de Qunu, vila natal de Nelson Mandela e onde este deseja ser enterrado, para o cemitério de Mvezo.
 Chefe tradicional desta localidade, Mandla pretende aí desenvolver um grande projecto turístico.
 Dando razão aos queixosos, um tribunal ordenou na quarta-feira o retorno a Qunu dos corpos dos três filhos de Nelson Mandela, que foram aí sepultados na quinta-feira.
 Em documentos apresentados à justiça para justificar a urgência de uma decisão, pode ler-se que Nelson Mandela “está em estado vegetativo
permanente” e que, a conselho dos médicos, a família equaciona desligar as máqui-nas que o mantêm vivo.
 “Não tenho que divulgar documentos judiciais”, disse Mac Maharaj. “Não divulgámos nenhuns documentos e não temos que dizer se são falsos ou verdadeiros”, acrescentou.
 “Verificámos com a equipa médica e estes médicos negaram que ele esteja em estado vegetativo” actualmente, disse, sem se alongar sobre o estado de saúde de Nelson Mandela na semana passada.
 Os documentos têm a data de 26 de junho, o mesmo dia em que o presidente sul-africano, Jacob Zuma, decidiu cancelar uma viagem ao esTrangeiro após uma visita a Nelson Mandela.
 Herói da liberdade e da reconciliação na África do Sul, Nelson Mandela, que completa 95 anos a 18 de julho, está hospitalizado desde 8 de Junho devido a uma infecção pulmonar recorrente.

MÁQUINAS SÓ SÃO DESLIGADAS EM CASOS DE MORTE CEREBRAL  - ESPECIALISTA PORTUGUÊS
 O neurologista português Francisco Sales lembrou na quinta-feira que os aparelhos que mantêm vivo Nelson Mandela só podem ser desligados quando houver “critérios de morte cerebral”.
 “Só é possível desligar os aparelhos quando houver critérios de morte cerebral, enquanto isso não acontecer os aparelhos não podem ser desligados”, afirmou à agência Lusa o especialista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
 Instado a comentar a situação clínica do histórico líder sul-africano, Francisco Sales lembrou que “há várias degradações nos estados de coma” e que um estado vegetativo é “uma forma avançada e grave de coma, que muitas vezes antecede o estado de morte cerebral”.
 Contudo, o neurologista português sustentou que uma pessoa em estado vegetativo “ainda não pode ser considerada morta”, já que “em alguns doentes é possível manter esse estado durante alguns meses ou mesmos anos”.
 “É o que chamamos estado vegetativo persistente”, precisou Francisco Sales, acrescentando, contudo, que essa situação “não é muito frequente - é uma excepção”.

GRAÇA MACHEL AGRADECE MENSAGENS E DIZ QUE MADIBA ESTÁ BEM EMBORA COM DORES
 A mulher do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela disse a semana passada que Madiba está bem, embora «às vezes sinta dores», e agradeceu o apoio e as mensagens recebidas de todo mundo a propósito do estado crítico do marido.
 «Madiba às vezes sente-se desconfortável, sente-se com dor, mas está bem», disse Graça Machel no Centro de Memória de Nelson Mandela, durante a apresentação dos jogos de futebol e de râguebi que farão parte de um tributo a Nelson Mandela, no dia 17 de julho, um dia antes de completar 95 anos.
«Obrigado, obrigado, obrigado», agradeceu Graça Machel na apresentação da mais recente série de eventos em memória de Mandela, numa altura em que o seu marido está internado em estado crítico no hospital de Pretória.
A também viúva do antigo Presidente moçambicano Samora Machel destacou «o amor eterno de Madiba pelas crianças» e sugeriu aos sul-africanos que, além de honrar Mandela com presentes deixados à frente do hospital ou na sua casa, devem fazer doações a projectos de caridade patrocinados pelo Pré-mio Nobel sul-africano.
 «As demonstrações de amor, de caridade, de apoio e de esperança são tomadas nos nossos corações todos os dias», acrescentou.
     
DEDICAÇÃO E DIGNIDADE DE GRAÇA MACHEL DESTACADAS PELA IMPRENSA SUL-AFRICANA
Sob o título “A vigília de amor de Graça”, o semanário “City Press” de Joanesburgo destacou ontem, domingo, em primeira página na sua peça principal o amor e dedicação de Graça Machel ao ex-presidente Nelson Mandela, que se mantém em estado crítico num hospital de Pretória.
 À semelhança de outros artigos, publicados na última semana na Imprensa sul-africana, a peça do “City Press” realça não só o amor incondicional que Graça Machel tem dedicado a Madiba, como também a dignidade pela qual a activista moçambicana tem pautado as suas acções desde que o marido foi admitido, a 8 de junho, no hospital, com uma infecção pulmonar.
 Em contraste, a comunicação social, amigos e um número crescente de sul-africanos anónimos têm condenado em uníssono as acções recentes de membros da família de Nelson Mandela, que na semana passada esgrimiram mesmo em tribunal argumentos sobre quem tem direito a ditar o local onde Madiba será sepultado um dia.
 Poucas semanas antes, algumas das filhas do Prémio Nobel da Paz e primeiro presidente negro da História sul-africana tinham já recorrido aos tribunais pedindo acesso a uma parte da sua fortuna pessoal.
 Madiba havia-lhes negado tal direito em 2008 quando despediu um advogado que alegadamente facilitava o acesso às suas contas às filhas, substituindo na condução da fundação com o seu nome e das suas finanças por dois homens de confiança, o advogado George Bizos e um actual membro do governo, Tokyo Sexwale.
 “A África do Sul tem com Graça Machel uma tremenda dívida de gratidão pela alegria que ela deu à vida de Nelson Mandela desde o seu casamento. Ela não emprestou apenas alegria a Madiba como tentou com todas as suas forças unir a família Mandela”, refere num testemunho recolhido pelo “City Press” o arcebispo emérito Desmond Tutu.
 Faz precisamente 15 anos que Nelson Mandela e Graça Machel casaram.
 Segundo fontes contactadas pelo jornal, Graça Machel dorme numa cadeira, ao lado da cama de Mandela no Mediclinic - Heart Hospital desde que o ícone da luta anti-”apartheid” foi admitido no hospital há um mês, e nunca se ausentou por períodos superiores a três horas desde então.
 Para a ex-assistente pessoal de Nelson Mandela, Zelda la Grange, a presença de Graça é vital para o ex-presidente, que celebra 95 anos no dia 18 deste mês.
 “Madiba quer sempre saber se Graça está por perto. Ela dá estabilidade emocional não só a ele, mas também a muitos de nós”, disse La Grande ao jornal.
 Pumla Mogodo-Madikizela, uma académica e investigadora da Universidade do Free State (UFS), assinou no início da semana um artigo de opinião no “Mercury” de Durban, no qual enalteceu as virtudes de Graça Machel e a dignidade com que ela sempre conduziu a sua relação com o herói da luta de libertação dos sul-africanos.
 “Quando Madiba necessitou de apoio físico porque não podia andar sem ajuda, Graça sempre esteve ao seu lado, nunca negando desempenhar o papel de apoio físico. Sempre de forma gentil e elegante - um toque aqui, um olhar apaixonado ali, uma mão para ele se apoiar ou um abraço amoroso. Nenhuma memória do amor inconfundível de Machel pelo nosso Madiba ressalta de forma tão vívida como a sua última aparição pública no início do Mundial de futebol de 2010. Ambos impecavelmente vestidos para o frio intenso das noites de Junho. Graça Machel e Madi-ba a juntarem-se com a multidão, o seu amor tão visível nos gestos mais subtis, nos toques entre ambos, tornados ainda mais visíveis à distância pelos gestos de ternura de Machel com as suas mãos imaculadamente tratadas”, escreveu aquela académica.
 Pumla Mogodo-Madikizela destaca que “Graça Machel partilha com Madiba um dom especial de amor e que continua a dar-lhe a dignidade e os cuidados de qualidade que ele não teria na sua ausência”.

In:  O Século de Joanesburgo, 8 de Julho de 2013

03 julho 2013

ENCONTRO COM PR: DHLAKAMA DISPONÍVEL MAS EXIGE GARANTIAS

 
Dhlakama falando a jornalistas em Satungira (Gorongosa) no dia 2 de Julho de 2013

O LÍDER da Renamo, Afonso Dhlakama, reafirmou ontem estar disponível para um encontro aberto  e produtivo com o Chefe do Estado, Armando Guebuza, mas colocou duas condições.

A primeira, que o encontro poderá ter lugar em Maputo se houver garantias de segurança que passam pela retirada da Força de Intervenção Rápida (FIR)  no perímetro de Satungira onde se encontra aquartelado. A segunda, que o encontro se realizaria em Gorongosa, se as garantias da primeira condição não fossem concretizadas.
Dhlakama fez estes pronunciamentos, em Satungira, na serra de Gorongosa, Sofala, onde se encontra a viver desde 15 de Outubro do ano passado, depois de receber, no final da manhã de ontem, uma delegação do Observatório Eleitoral, uma plataforma de organizações da sociedade civil de carácter religioso, da área dos direitos humanos e de promoção de cidadania.
No encontro, de cerca de duas horas que manteve com a delegação do Observatório Eleitoral, chefiada pelo respectivo presidente, o bispo Dinis Matsolo, foi tornado público que ainda neste sábado  uma delegação da sociedade civil constituída por Dom Dinis Sengulane e o Reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU), Lourenço do Rosário, que ele designou de facilitadores, vai se encontrar com o líder da Renamo para também buscarem formas de aproximação de posições entre Dhlakama e o Presidente Guebuza.
Falando a jornalistas,  Dinis Matsolo, disse que o importante é que há abertura para um diálogo construtivo entre ambas as partes. "Tivemos uma conversa totalmente aberta que nos mostra que há vontade de diálogo e temos que avançar para encontrar os melhores caminhos para a paz. Como moçambicanos, temos que nos articular mais num diálogo aberto. Encontramos uma abertura total em qualquer que seja a possibilidade de achar formas de ultrapassar o impasse e estamos bastantes satisfeitos com isso", sublinhou.
Aquele prelado referiu que o Observatório Eleitoral ainda vai, igualmente, articular com o Chefe do Estado, porque não há tempo para parar  e que o impasse não leve mais tempo. "O importante é que as pessoas falem honestamente sobre os assuntos e com respeito mútuo num processo de diálogo, que não é propriamente uma confrontação, mas uma oportunidade de ouvir-se a outra parte".
Fundamentalmente, Dhlakama considera que o problema essencial desta instabilidade deve-se à Lei Eleitoral que, no caso de sua revogação, a Renamo irá participar imediatamente no pleito autárquico  de 20 de Novembro, sendo que os outros assuntos na mesa do diálogo com o Governo podem ir sendo gradualmente resolvidos como forma de garantir a manutenção da paz duradoira.
Entretanto, o líder da Renamo voltou a dizer que não mais haverá guerra em Moçambique, sublinhando que “quero tranquilizar a todos, mas quero convidar o Governo, em particular ao Presidente Guebuza, que eu não tenho problema”.
“Já dei esta garantia depois da guerra dos 16 anos e o Presidente Chissano pode testemunhar isso. Não é hoje que vai ser difícil”, disse.
Na conferência de Imprensa, Dhlakama assumiu a autoria dos recentes ataques registados ao longo da Estrada Nacional Número Um e que resultaram no assassinato de civis e destruição de seus bens. Ele disse que mandou os seus homens atacarem como forma de eliminar a logística da aproximação do Exército e que o alvo  eram os soldados governamentais. Porém, indicou que as imagens chocantes e confrangedoras  das vítimas civis e indefesas, sobretudo a de uma mulher desesperada e o seu bebé a chorar depois de cair na emboscada da Renamo, levou-o a mandar parar com as incursões armadas.
Todavia, declinou responsabilidade da Renamo quanto ao assassinato dos elementos das FADM e do ataque ao paiol de Dondo, ao mesmo tempo que minimizava o impacto sobre este assunto pelo facto de no local do assalto não viverem crianças, mas sim forças militares.
Recordou que os louros sobre o ambiente de paz que o país desfruta depois dos 16 anos da guerra de desestabilização promovida pela Renamo também lhe pertencem, pois que tal se deveu muito à sua postura política.
“Aquelas medalhas que os outros ganham também me pertencem. Nunca as pedi, porque reconheço o meu papel. Não tenho que fazer “lobbies” para isso. Gostaria, por isso, que a Imprensa transmitisse correctamente que não à guerra no país e que no dia em que Guebuza mandar retiras as forças que cercam Satungira e Gorongosa eu vou imediatamente a Maputo. Pode ser já amanhã”, concluiu. 
  • Rogério Sitoe e Horácio João
In: Notícias,  Maputo, Quinta-Feira, 4 de Julho de 2013:: 


02 julho 2013

“SINTO QUE HÁ UMA ESPÉCIE DE DESAMPARO DAS PESSOAS”


Em entrevista ao “O País”, Mia Couto fala da sua relação com as palavras, da literatura e da política. Uma visão acutilante de quem fez da escrita a sua arma de combate.

Escritor moçambicano, Mia Couto


No seu livro “O gato e o escuro”, o Mia agracia-nos com uma história sobre nossos medos e sobre o universo infantil que, na verdade, nada mais é do que o nosso próprio universo. Temos muitos medos, fantasmas não resolvidos e que são um factor de permanente perturbação?
O medo! bem, agora vou recorrer ao meu lado de biólogo. o medo é uma espécie de grande conselheiro que nos avisa dos perigos. Há uma força tão poderosa dentro de nós e eu acho que toda a nossa vida é orientada em função do medo e de superação dos mesmos. A história que eu conto é a maneira de como um gato poderia ser uma criatura qualquer, enfrentando esse receio, tratando aquilo que é o objecto do medo, que seria o escuro, como um familiar, um parente, ou alguém que é parecido com ele.

A guerra será um desses medos? Uma espécie de caixa de demónios que temos medo de abrir?
É sem dúvida. Eu acho que o maior medo dos moçambicanos é que se reinstale o clima de guerra. Havia uma apreciação de que tudo isso era frágil, porque, se nos lembrarmos bem, as pessoas não queriam muito lembrar-se do tempo da guerra. Não fizeram como os sul-africanos, que criaram comissões que apurassem a verdade, para se saber quem foi o culpado, que responsabilidades existiram, etc. uma das coisas que trazem alguma aflição é estarmos perante uma possibilidade de se reinstalar um clima de violência e de guerra. O que eu sinto é que há uma espécie de um sentimento de desamparo e as pessoas precisariam - não é só a Estrada Nacional Número Um que precisa de ser protegida, mas há também uma estrada que passa por dentro de nós - da estrada da esperança, que também precisa ser protegida. Precisamos de vozes que assegurem que alguém está a tomar conta da situação.

Como é que Mia Couto vê a actual situação do país? O expectro de retorno à guerra. Por que ao fim de 21 anos de paz, estamos perigosamente a regressar à guerra?
Mais do que o silêncio, eu acho que nós não avaliamos exactamente por que é que aquela guerra nasceu. Eu acho que nós não entendemos a guerra. Não era só nesse sentido que me estava a perguntar, de entender quem foi o responsável e de se prestar contas. Nós percebemos e temos uma certa análise que não devia ser feita apenas por via do discurso político e ideológico. Quer dizer, para a Frelimo, a razão da guerra é razão clara, simples e quase simplista, e para a Renamo também. É como se estivéssemos perante uma disputa ideológica, na presença duma proposta comunista, como diria a Renamo, e terrorista, como diria a Frelimo. Eu acho que perdemos uma possibilidade de ir ao fundo da questão, porque é preciso falar da política num sentido profundo, para entendermos que erros é que cometemos, para melhor administrarmos o país. Penso que o problema da actual situação que se vive no país não está só na Renamo (...), é todo um país que está em pânico, que está receoso e precisa que garantam essa viabilidade, aquilo que eu chamei “estrada da esperança que passa por nós”. Continuo a pensar que a África no seu conjunto, apesar de dar um passo em frente e outro atrás, regista uma evolução. Hoje, há países que são democráticos, mesmo que seja nessa democracia representativa, digamos, mas se compararmos com aquilo que havia há 10/15 anos, a situação alterou-se. Entretanto, é preciso ser verdadeiro. O que me parece é que se criaram, olhe para o nosso próprio caso, discursos triunfalistas e cor-de-rosa e que, de repente, não é aquela surpresa que tem problemas básicos, mas também problemas de saber para onde é que aqueles recursos vão. Sozinho, esse discurso cria riqueza perante um cenário de pobreza.
Numa entrevista, numa escola em São Paulo, com meninos do ensino secundário, Mia é citado a dizer o seguinte sobre a sua participação política, como militante da Frelimo, num certo contexto da história: “É a grande lição que tiro, que também me ajuda hoje a estar longe desse movimento de libertação, que se conformou e se transformou naquilo que era o seu próprio contrário”.

Mantém a ideia de que a Frelimo se desvirtuou?
Mantenho, embora eu ache que dentro da Frelimo exista, obviamente, linhas. Sinto que a Frelimo já aceitou, quer dizer, esta é mais uma prova da democracia. Acho que ainda existe ali, não pretendo diabolizar, não faço esse tipo de discurso de aproximação, mas de facto o que há ali é uma grande procura. Por exemplo, quem são os grandes militantes que vejo entrar? São os empresários de pequenas, médias e grandes empresas, que procuram na política uma bengala ou um apoio para fazer negócios. Há ali uma espécie de cumplicidade entre a política e o poder.
Disse, noutra entrevista, que a Frelimo de hoje se esqueceu de que não é a mesma de ontem e que continua a estar apegada a este poder do termo da palavra Frelimo...
A Frelimo tinha tantos lemas e um deles é que não se tratava agora de substituir, fazer uma mudança de turnos daquilo que se chamava, na altura, “os exploradores do povo”. portanto, acho que essa mensagem permanece válida. A mim não importa se é homem ou mulher, negro ou branco, o dono dos meios de produção e quem estará a estruturar a força de trabalho do outro. Tentamos fazer uma ruptura, e penso que essa ruptura foi feita. Lembre-se que havia um lema que era “escangalhar o aparelho do Estado colonial”. Acho que não é o quanto fomos capazes de criar e que fosse inclusiva, sobretudo porque vivemos isto em África, que é a independência e,  a seguir, os mesmos que foram afastados e excluídos durante o período colonial criam uma elite que, por estar mais próxima da cultura, da formação académica e de intelectuais, produz muito esse modelo. Já não está na sua vontade, querer ir ou não, mas a verdade é que aquele modelo, o modelo que nós aceitamos seguir, é um modelo que produz pobreza.
Em “O último voo do flamingo”, o personagem diz: “Na minha vila, havia agora tanta injustiça quanto no tempo colonial. Parecia de outro modo que esse tempo não terminara. Estava  era sendo gerido por pessoas de outra raça”. As nossas elites estarão a fazer reprodução de um modelo do passado, não é? Porque isso mudou a mão, mudou a raça de quem fazia, mas na essência o que era feito está sendo feito por igual.
Eu acho que é uma elite que se constrói por imitação daquilo que são os sinais de poder que chegam a partir de fora. Há um apelo para a auto-estima, é um discurso que eu acho positivo, pois nos orgulhamos de ser quem somos e que encontramos, nessas diferenças que temos com os outros, alguma coisa que não usamos para confrontar, para saber se somos maiores ou menores que os outros, mas construir aquilo que é o nosso próprio orgulho nacional. Acho também que essa elite é aquela que corresponde e que, quando eu me juntei à revolução nacional, era como se fazia no tempo colonial a exibição.

Elites: as económicas fazem ostentação; e as intelectuais, que papel? Aniquilamento?
Omitiram-se! Eu penso que este regime fez uma coisa: tornar o intelectual não funcional. Hoje eu questiono-me: Onde é que eles estão? São poucos, e talvez fazem propaganda de discursos feitos de uma outra corrente filosófica. Agora, a económica, não me parece que o país esteja a produzir e a incentivar esse pensamento independente. Porque, para se estar independente, tem que se ter também uma reflexão soberana sobre si próprio, e nós continuamos a reproduzir um discurso que é fundamental apontar, que se cinge em atirar culpas a alguém ou ao passado.
Penso que é uma falsidade pensarmos que é simplesmente construindo escolas e criando todas as condições materiais que se pode resolver um problema de fundo, que hipoteca todo o nosso futuro. Isso porque nós sabemos e estamos a acompanhar todo esse filme, como é que a qualidade do ensino está degradada e a escola passou a ser um local onde se ensina aquilo que será a grande “punhoca” deste país. A necessidade de aniquilar pessoas é uma espécie de assassinato simbólico de algumas pessoas que se destacaram na sociedade, ou tenham algo forte na cultura e outros sectores e que, imediatamente, são tidas como uma ameaça. Penso que cada país tem que inventar os seus heróis. Há um discurso que existe que não é verdadeiramente baseado na história, mas é baseado naquilo que é a intenção política. Todos os países fizeram isto. Se pegarmos no caso de Ngungunhane, havemos de encontrar ali uma figura mística, e penso que esta mistificação é importante, mas precisa ser feita com alguma verdade. É preciso percebermos que em relação à parte desses heróis - não estou a falar dos heróis de libertação nacional, pois esses são mais consensuais -, há aqui uma dificuldade da nossa parte de dizer às novas gerações que os heróis são pessoas humanas. Portanto, têm falhas, têm deficiências e que não devemos procurar endeuzá-los.
Num artigo seu intitulado “Os sete sapatos sujos”, escreveu que “mais do que uma geração tecnicamente capaz, necessitamos de uma geração capaz de questionar a técnica, de repensar o país.

Como vê o papel da nossa Educação?
Essa resposta é óbvia. A partir do momento em que se banalizou o facto de que os alunos passam porque compram professores e compram provas, essa banalização de um clima passou a ser tamanha, quer dizer, o professor ensinou-nos a fazer isso no sentido de reproduzir valores.
Em os “Sete sapatos sujos”, escreve que temos dificuldades de nos pensarmos como sujeitos históricos, como lugar de partida e como destino de um sonho. Que o maior problema de Moçambique está na sua incapacidade de gerar um pensamento produtivo, ousado e inovador.

 Acha que nos limitamos a aplicar fórmulas pensadas por outros?
Eu receio bem que, sim, e penso que, neste momento, estamos na maior pobreza. Não só pobreza material, mas de procura de um bom caminho. Penso que a forma como se repetem fórmulas, a maneira como se dá espaço àquilo que eu chamo “papagaios políticos” e que repetem até ao infinito, até aquelas que são as palavras-chave, deixam-nos com saudades de um momento em que apareciam outras vozes. Recorde-se, há uma escritora nigeriana que diz “no período da história única, há apenas uma voz”, e nós corremos o perigo de termos uma única voz e que vai dialogando connosco. Não posso ter nenhuma simpatia por esse tipo de atitude. E parece -me que há uma coisa que está associada ao emblema e, a partir do momento em que o fulano tem um poder político, tem que mostrar através desses sinais. Tem uma pequena cultura por parte de quase toda a gente. Eu quando vou comprar um carro, por exemplo, perguntam-me: “mas essa marca? Essa marca não é compatível com o seu estatuto”. É quase uma relação comparada a nível da sexualidade essa figuração do carro que eu acho que vale a pena questionar.

A dinâmica produtiva do Mia nada tem a ver com o panorama geral da literatura moçambicana. Em termos práticos, são poucos os escritores em Moçambique que publicam com regularidade. O que está a acontecer com a literatura moçambicana?
Sabe o que é que faz produzir ideias? São ideias. Se você viu os grandes momentos em que este país teve criatividade, o Rui Nogar, Craveirinha e outros, é porque havia nessa altura núcleos de pessoas que se encontravam em cafés e restaurantes, ali na baixa, nos clubes, nas associações, etc. - e eu acho que a Associação dos Escritores cumpriu com o seu papel - que produziam ideias e debatiam. Penso que houve, nos últimos tempos, algum relaxamento, acabamo-nos vergando para aquilo que são os valores do mercado, que eram vivos e que produziam vida. É preciso perceber que um jovem que queira trilhar este caminho depara com um monte de dificuldades, sem o apoio nem da família, nem do governo.  E uma outra coisa é a “morte” da escola, é preciso perceber que este jovem se comunica na sua língua materna. Às vezes, tem sim alma de escritor, mas a dificuldade está em transmitir as suas ideias para o papel.
Espero que apareça uma nova corrente. É preciso que o Estado não se demita de certas coisas.


In: O PAÍS – 27.06.2013