Bem vindos,

Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

27 março 2013

DE ALFABETO A MIDO MACIA

XENOFOBIA E VIOLÊNCIA POLICIAL: DUAS FACES DA MESMA MOEDA


Por: Juliano Neto de Bastos[1]

Emídio Macia morreu nas mãos da polícia sul-africana. É quase do domínio público que os homens e as mulheres vestidos de azul (men and women in blue), como são tratados os polícias, em alusão à cor do seu fardamento, estão a fazer uso da violência de uma maneira nem sempre justificável. Isto faz reacender o debate acerca da forma como a polícia é preparada e que instruções recebe (ou não recebe) das chefias para enfrentar o crime que, diga-se em abono da verdade, grassa a África do Sul. Este país possui uma tradição de violência construída desde os primórdios da industrialização, através da mineração do ouro e de diamantes, com a adopção de políticas de segregação que desembocaram na constituição do Apartheid, um dos mais bárbaros regimes que a Humanidade viu emergir nos finais da primeira metade do século XX e que se prolongou até as eleições de 1994, que ditaram a transferência do poder político para a maioria, representada pelas novas elites políticas de várias orientações ideológicas, que constituem a aliança tripartida (ANC, COSATU, SACP) que tem estado a governar o país.
Apesar das medidas introduzidas visando, paulatinamente, fazer emergir uma elite não branca na esfera económica comprometida com o desenvolvimento endógeno, criação de emprego e uma nova visão no que diz respeito à distribuição da riqueza, questões candentes como desemprego, pobreza e desigualdades sociais tardam a ter uma solução consensual e abrangente, num contexto em que as expectativas foram/são muito elevadas, pois, de facto, o país é extremamente rico.
Questões como a reforma agrária, o papel do Estado no que diz respeito à exploração dos recursos minerais (nacionalizar ou não nacionalizar?) e, de um modo geral, como acelerar o processo de transformação social e económica que, para alguns, com ou sem argumentos, está a ser demasiado lento, não estando, assim, dispostos a esperar uma "eternidade" para desfrutar da riqueza que ainda está nas mãos de algumas famílias.
Neste contexto, ódios antigos e recentes se misturam de tal modo que algumas pessoas ficam aparentemente incapazes de discernir, confundindo causas com consequências, amigos com inimigos. O ambiente que se vive nas cidades satélite e nos assentamentos informais é extremamente tenso no seio dos estrangeiros, geralmente apontados como os causadores dos males que apoquentam a sociedade sul-africana em geral e, em particular, as comunidades onde residem. Sobram poucas dúvidas de que no seu dia-a-dia enfrentam uma espécie de double bind, que, traduzido, equivale à célebre expressão se ficar o bicho come, se fugir o bicho pega. Portanto, não raras vezes, os estrangeiros correm o risco de enfrentar, ou os demandos policiais, que incluem chantagem, agressão, extorsão ou acções xenófobas perpetradas por alguns cidadãos, repito alguns cidadãos, que não raras vezes, a sua última intenção é pilhar as lojas dos cidadãos estrangeiros, como Bengalis, Somalis, Etíopes, etc. 
Emídio (Mido) Macia morreu nas mãos da polícia. A morte de alguém é sempre lamentável, produz grande consternação quando as suas causas não são naturais, sentimentos de revolta e apelo à vingança quando ela resulta de uma acção de violência injustificada, gratuita, como no caso vertente, perpetrada por indivíduos que deviam ter como primeira missão garantir a segurança de todos aqueles que residem na RSA, independentemente de serem cidadãos nacionais ou estrangeiros.

Infelizmente, o caso que conduziu à morte do jovem moçambicano não é isolado. Dados do IPID (Independent Police Investigate Directorate) mostram que, só no período 2011-2012, houve 720 mortes como resultado das acções policiais. Devem estar incluídas aqui as mortes do líder comunitário Tatane, morto em Abril de 2011, bem como dos mineiros vítimas do massacre de Marikana. Portanto, a brutalidade da polícia cruza todas as latitudes.
Existe uma esperança, embora ténue, de que com a mediatização deste caso, o Governo possa repensar o papel da polícia num país que possui uma das constituições mais progressistas do mundo e sem paralelo no continente africano. Porém, mais do que ter uma constituição democrática, é necessário algum cometimento para o exercício do tão propalado espírito ubuntu.
Infelizmente, violência policial e xenofobia andam de mãos dadas nesta terra de Tchaka Zulu, Mandela, Brenda Fassie, Dollar Brand, Jacob Zuma, Julius Malema, etc., etc.,. Não irei deter-me em apresentar as prováveis causas das acções xenófobas que tiveram por vezes carácter de fagocitação, pois, isso foi devida e amplamente esmiuçado por sociólogos de grande calibre, um pouco por todo lado. Só gostaria de recordar esses tristes episódios de Maio de 2008 apresentando abaixo uma imagem do flaming man que percorreu todo mundo. É a foto do moçambicano Alfabeto Nhamuave. Quem se lembra dele? Alguns!


É preciso que episódios como estes (Alfabeto em chamas ou Mido amarrado atrás de uma carrinha da polícia e arrastado por algumas centenas de metros), ou ainda do caso que remonta ao ano 2000, em que moçambicanos foram usados como alvos para adestrar uma unidade da polícia canina (isto foi divulgado pela televisão no programa Special Assignment da SABC3), não voltem a acontecer e, por isso, não devem ser tão facilmente esquecidos e, muito menos, devem ficar pela simples lamentação. Que haja justiça!
Johannesburg, 8 de Março de 2013





[1] Doutorando residente em JHB, RSA.

26 março 2013

NDEKENI: A HISTÓRIA DE UM SONHO

NDEKENI: A HISTÓRIA DE UM SONHO

 “O nosso continente está cheio de estórias ansiosas por serem contadas. E elas estão a chegar – já se lê.”, Ondjaki.
VEJO em Alexandre Chaúque, o Bitonga Blues se quisermos, um cronista de que Moçambique não tem igual; um verdadeiro destemido em matéria de trançar o verbo; aquele que sabe multiplicar os sentidos, qualificar ou desqualificar os significados, comprimir a ideia de um certo contexto, dramatizá-lo e formular novas ideias a partir de um universo comum.
 Esta introdução quase a tender influenciar o leitor com a minha admiração a este músico, jornalista, cronista e contador de estórias, agora autenticado pelo seu livroNdekeni, (AEMO, 2012), merecidamente vencedor do prémio literário 10 de Novembro, da cidade de Maputo (edição 2011).

Trata-se, na minha eleição, de uma novela que nos submete ao cúmulo da posse dos sonhos e tradição (ou superstição?). Uma viagem ao horizonte comum no quotidiano moçambicano de sonho de cidade, por um lado e, por outro, o poder das raízes culturais através da azáfama dos deuses gladiadores dos vivos. Aliás, esta última ideia, dos “deuses protectores dos vivos” leva-me a recorrer à uma resposta do escritor Mia Couto ao Michel Laban quando indagado sobre a morte que aparece frequentemente nos seus contos como na literatura latino-americana.
Com um mar de razões, Mia Couto, escolheu a que coincide com a história deNdekeni, “a morte é simplesmente uma mudança de estado: os mortos não são arrumados num lugar inacessível, eles ficam presentes no nosso seio(…).” (LABAN, Michel. Moçambique: Encontro com escritores. Porto: Fundação Engenheiro António de Almeida, 1998. v. III. p. 1026)
É, então, nesse diapasão que navega Ndekeni, personagem principal da obra com mesmo título, que mais do que o próprio autor faz durante toda a obra “homem alto, barba por fazer, e plena juventude, pronta para ser entregue ao trabalho e, se for necessário, à degradação”, não se lhe pode atribuir outras características.
Em Ndekeni, os mortos aparecem, se não permanecem, em todo o percurso da narrativa, acompanhando o personagem principal. Pode-se até, entender o livro como o presságio do poder dos mortos e da respectiva superstição a que nos leva essa temática. Alexandre Chaúque, ao estilo característico (tendo em conta o seu livro Bitonga Blues, uma colecção de cónicas e devaneios publicados em vários jornais), não limita o leitor a vaguear apenas pelos caminhos que trilha o Ndekeni, faz com que, durante a leitura, haja um exame de introspecção de quem lê, uma escolha que pode ser consciente do contador ou a libertação da própria estória, como também defende a escritora brasileira Ana Paula Maia quando se refere à fala de personagens em livros.
De acordo com a romancista brasileira, os diálogos em textos narrativos são capazes de fazer fantásticas revelações que, inclusive, chegam a surpreender o próprio autor da estória. E Chaúque, avança nessa ideia, sem deixar de invadir-se das acções de Ndekeni, ao não dá-lo o referido espaço para que este fale livremente. Uma atitude que vai ao encontro do cronista que é, Bitonga Blues, o contraste do bom jornalista.
As incursões de Ndekeni, começam quando este põe os pés, pela primeira vez, na cidade de Maputo, onde através da Junta (terminal de transportes interprovinciais e internacionais), anuncia-se como um novo habitante dessa cidade que é estranha para si, mas que pode ser o lugar que sonhara, naquele sono profundo em Mocodoene, província de Inhambane, onde nasce. Ndekeni sonhara que “dormia todos os dias como uma criança, montando sobre o dorso de leões, abraçado à farta juba, rasgando florestas e savanas e estepes. E os felinos corriam com ele ao encontro da luz, que se via ao longe. Sonhava com as águas límpidas, tranquilas, com as ondas leves, que o rio da sua terra não tinha e, um dia desses, quando despertou do sonho, sentou-se na cama de estacas de madeira e agradeceu aos seus espíritos e disse, eu vou sim! Estou farto desta modorra toda, prefiro morrer queimado pelo veneno do néon, do que sucumbir esmagado por este tédio de merda”. (CHAÚQUE, Alexandre. Ndekeni. AEMO, 2012, p. 7)
A partir daí, os factos que se sucedem com o jovem ficam entregues à estranhos fenómenos, a começar pela chuva torrencial que fazia no dia da sua chegada, mas o propósito que o traz, como introduz o narrador, faz com que ignore o ditado dos sábios “quando chove é porque algo de importante vai acontecer”.
A partir dessa introdução que deixa a obrigação de prosseguir com a leitura, a obra mostra a sua tendência misteriosa, parabólica e intuitiva, como se quem a escreve, obedecesse o comando dos mesmos deuses que acompanham o personagem principal.
A chuva que cai nesse dia e noutros subsequentes é mais do que um acontecimento natural , é encarado pelo personagem como a possível fala protestante dos deuses que, por exemplo, apontavam que o el dourando para a busca dos sonhos, não era Maputo, aquela cidade onde Ndekeni ejaculou pela primeira vez depois de passar de estranhos rituais ao encontrar-se com seu avô, irmão mais velho do pai do pai de Ndekeni, Nassone, que morreu num dia de chuva ( uma vez mais, a autenticar-se a chuva como um metido de comunicação dos defuntos com a alma peregrina do personagem); a cidade em que ao contrário da sua cama de madeira em Mocodoene, dormiu ao relento num prédio isolado na Rua de Bagamoyo enquanto as prostitutas e os “putanheiros” faziam suas orgias sob a passeata da polícia que chula as trabalhadoras de sexo, servindo-se da farda que ostentam para fazer sexo sem pagar; a cidade que tem uma baixa que quando chove, os prédios ficam submersos, os carros, as gentes, o lixo, tudo fica na superfície das águas. Tudo isso é estranho para Ndekeni que veio trabalhar, ganhar dinheiro e voltar para sua terra como um verdadeiro herói se calhar, com dinheiro ainda para construir a casa dos deuses.
Determinado, como mostra-se em toda obra, Ndekeni, jovem que “aparenta” ter 30 anos de idade, não tendo conseguido trabalho em Maputo, servindo-se da sua intuição, pautou pela África do Sul, por sinal, local para onde os seus defuntos o direccionavam, através do sonho que teve. A condição profética dos sonhos, é, aliás, o dorso dessa narrativa que se assinala como o incomum do comum.
É comum que na literatura estórias encantadas sejam contadas, principalmente nos géneros infanto-juvenil, ou mesmo na literatura clássica europeia. Mas essa estória encantada de Alexandre Chaúque é africanamente constituída, senão, moçambicanamente, com um herói que tem de enfrentar, a fome, a sede, as ruas, assaltos, e a miséria, como acontece com Ndekeni durante a vida em Maputo; leões, crocodilos, hipopótamos nas matas selvagens atravessando quase o inferno para alcançar o paraíso, como se sucede para a sua chegada num povoado, “Hamba Kulhe” (boa viagem), na África do Sul onde fez a herança que sonhara.
 Mas para chegar a esse néctar, teve que passar pelo que os seus antepassados passaram quando devorados por leões, crocodilos e cães-polícias atravessando fronteira, clandestinamente, para a África do Sul. Esse regra é também típica dos heróis deste continente que fundamentalmente, são a consequência de um quotidiano forçado vivido num país onde a pobreza decanta o abismo para onde vão muitos sonhos da juventude.
Se é verdade que em O Regresso do Morto de Suleiman Cassamo é o povo pela sua própria boca, em Ndekeni, é a realidade moçambicana, o Moçambique em si, apesar da condição ficção que se pode atribuir à obra. Sobre isso, Ondjaki, escritor angolano, já afirmou que “o nosso continente está cheio de estórias ansiosas por serem contadas. E elas estão a chegar – já se lê.” (in prefácio: “A Enfermeira da Bata Negra”, Pedro Muiambo, 2003).
Alexandre Chaúque, na sua condição de criador (escritor) faz o seu papel de contrariar a desgraça que se canta, nos tempos em que os níveis de frustração rimam com o baixo índice de vida de uma população maioritariamente jovem. Uma mensagem que encandeia, sem dúvidas, o cronista da morte e da desgraça que é Bitonga Blues, sem suicidar o inusitado manuseador de termos de criar a azáfama numa sociedade exageradamente obscenista.
Ndekeni, que está entre o ultrapassado e fora da moda encantamento, vai, ao mesmo tempo, ao encontro de uma dimensão futurista e mostra outras opções de escrita na Literatura Moçambicana. Uma atitude típica de quem durante os tempos, preocupou-se em compreender as razões da própria função da escrita que do acto. Ndekeni é uma novela, uma ousadia, uma coragem dentre outras peripécias que precisam de outras comparações.
  • Eduardo Quive, escritor e jornalista moçambicano. Editor da revista Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona. O seu primeiro livro de poesia que assina com o pseudónimo de Xiguiana da Luz intitula-se “Lágrimas da Vida Sorriso da Morte” (FUNDAC, 2012)

Maputo, Quarta-Feira, 27 de Março de 2013:: Notícias



25 março 2013

MORRE, AOS 82 ANOS, CHINUA ACHEBE, PAI DA LITERATURA MODERNA AFRICANA



MORRE, AOS 82 ANOS, CHINUA ACHEBE, PAI DA LITERATURA MODERNA AFRICANA

Chinua Achebe, escritor nigeriano


LAGOS - O escritor e poeta nigeriano Chinua Achebe, conhecido como o pai da literatura moderna africana, morreu aos 82 anos, noticiou a editora britânica Penguin Books, nesta sexta-feira, sem dar maiores detalhes. Uma porta-voz da Penguin disse que a família de Achebe enviará um comunicado em breve. O romancista venceu, em 2007, o prêmio Man Booker International.
Achebe conquistou reconhecimento há mais de 50 anos com o romance “Things fall apart”, obra publicada em 2009 no Brasil pela Companhia das Letras como “O mundo se despedaça”. O livro retrata a batalha fatal de seu grupo étnico igbo contra o colonialismo britânico, em 1800. Foi a primeira vez que a história do imperialismo europeu foi contada sob perspectiva africana alcançando a audiência internacional.
O foco desse trabalho está nas convulsões sociais causadas por esse exercício de poder estrangeiro sobre o seu continente. “O mundo se despedaça” foi traduzido para 50 línguas e vendeu mais de 10 milhões de cópias em todo o mundo.
Mais tarde, Chinua Achebe voltou seus olhos para a devastação causada à Nigéria e à África por uma série de golpes militares que ocasionou regimes ditatoriais.
“Anthills of the Savannah” (“Formigueiros da Savannah”) — lançado em 1987, mas não chegou ao Brasil em língua portuguesa — se define dois anos após um golpe militar em um país imaginário da África onde o poder foi corrompido e a brutalidade do estado silenciou todos, excetos os mais corajosos.
Em 1983, Achebe publicou “The trouble with Nigeria” (“O problema com a Nigéria”), que expõe um quadro sombrio de seu país natal, como também expressa a esperança de a corrupção endêmica chegar ao fim se pudesse se tornar pouco rentável para as elites.
Como escritor, crítico e professor universitário, Chinua Achebe serviu como ponte entre a África e o Ocidente. Foi considerado como uma referência contra o que as gerações de escritores africanos representavam até então.
Nelson Mandela leu sua obra na prisão e, uma vez, se referiu a Achebe como um escritor "cuja companhia derrubava os muros da cadeia". Outra personalidade sul-africana, a romancista vencedora do Nobel Nadine Gordimer escreveu no “The New York Times”, em 1998, que Achebe podia ser visto como “um escritor que não tem ilusões, mas não é um desiludido”.
“Gostaríamos de oferecer nossas condolências à família do professor Chinua Achebe, um grande escritor e pensador africano”, afirmou Sello Hatang, assessor do Centro de Memória Nelson Mandela.
Um acidente de carro colocou Achebe em uma cadeira de rodas em 1990. Depois desse acontecimento, ele ficou sem escrever livros por mais de 20 anos. Passou a maior parte de seus últimos anos nos Estados Unidos, onde lecionava em universidades.
No Brasil, a Companhia das Letras publicou, além de “O mundo se despedaça” três obras traduzidas de Chinua Achebe. São elas: “A flecha de Deus” (2011), “A educação de uma criança sob o protetorado britânico” (2012) e “A paz dura pouco” (2013).

06 março 2013

PORQUÊ TANTA CONSIDERAÇÃO PELO SAMORA MACHEL E MARCELINO DOS SANTOS (Os Traidores)?


Até quando é que a Oposição à Frelimo vai esquecer os seus Heróis?

Uria Simango foi um membro fundador da FRELIMO, com estatuto de Vice-Presidente desde a sua formação até a data do assassinato do seu primeiro líder, Eduardo Mondlane, em Fevereiro de 1969. Simango sucedeu a Mondlane na liderança da FRELIMO mas, na luta pelo poder após a morte de Mondlane, a sua presidência foi contestada. Em Abril de 1969, a sua liderança foi substituída pelo triunvirato composto pelos marxistas de linha dura Samora Machel e Marcelino dos Santos assim como Simango. Nos finais da década de 1960, a FRELIMO foi afectada por lutas internas fratricidas com vários membros a morrerem por causas não naturais.

O triunvirato não durou;  Uria Simango foi expulso do Comité Central em 1969, e Samora Machel e Marcelino dos Santos acabaram por assumir o controlo total da FRELIMO. Em Abril de 1970, Simango fugiu para o Egipto onde, juntamente com outros dissidentes tais como Paulo Gumane (Vice-Secretário Geral fundador da FRELIMO), se tornou líder do Comité Revolucionário de Moçambique (COREMO), um outro pequeno movimento de libertação.

Depois da Revolução dos Cravos em Portugal em 1974, Simango retornou a Moçambique e criou um novo partido político o "Partido da Coligação Nacional" (PCN) na esperança de disputar eleições com a FRELIMO. Com ele juntaram-se ao PCN várias outras figuras proeminentes do movimento de libertação e dos dissidentes da FRELIMO: Paulo Gumane e Adelino Gwambe (também membro fundador da FRELIMO), o Padre Mateus Gwengere e Joana Simeão.


A FRELIMO recusou eleições multipartidárias. O governo português pós-1974 entregou o poder exclusivamente à FRELIMO, e Moçambique tornou-se independente em 25 de Junho de 1975. Samora Machel e Marcelino dos Santos assumiram os cargos de Presidente e Vice-Presidente respectivamente. Graça Machel foi nomeada Ministra da Educação e Joaquim Chissano Ministro dos Negócios Estrangeiros. Uria Simango foi preso e forçado a fazer uma confissão pública de 20 páginas em 12 de Maio de 1975 no Centro de Reabilitação e Reeducação de Nachingwea, onde se retractava e solicitava reeducação. A sua confissão forçada pode ser ouvida em linha. Simango e os restantes líderes do PCN nunca mais foram libertados. Simango, Gumane, Simeão, Gwambe, Gwengere e outros foram secretamente liquidados numa data indeterminada entre 1977-1980. Nem o lugar onde foram executados, nem a maneira como a execução ocorreu foram até hoje divulgados pelas autoridades. A esposa de Simango, Celina Simango, foi separadamente executada algum tempo depois de 1981, e não há registo público de detalhes ou da data da sua morte.

Nota: Uria Simango, Padre Mateus Gwengere, Drª. Joana Sineão, Paulo Gumane, Júlio Razão, Lázaro Kavandame e outros foram transportados do Campo de Extermínio Metelela, com a indicação de que iriam para Lichinga (Vila Cabral), para, daí seguirem para Maputo (Lourenço Marques), a fim de que os seus processos fossem examinados e proceder-se à sua libertação. Quando as viaturas que os transportavam chegaram à primeira ponte da picada que ligava Metelela (Nova Viseu), pararam ao lado de uma vala, com o fundo cheio de lenha seca, os prisioneiros foram obrigados a descer das viaturas e empurrados para a vala e regados com combustível ao qual foi deitado fogo. Morreram queimados vivos, por ordem da Frelimo de Samora Machel, Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano, Sérgio Vieira, Armando Guebuza e outros, ao som de cânticos “revolucionários” dos guerrilheiros da Frelimo.
O local destas execuções está devidamente identificado e deveria ser um lugar "sagrado" para todos os opositores da Frelimo.

Ovar, 5 de Março de 2013
Alvaro Teixeira (GE)


05 março 2013

MEMORIAL DA MATOLA: RETRATO DA MEMÓRIA COLECTIVA


MEMORIAL DA MATOLA: RETRATO DA MEMÓRIA COLECTIVA



AS obras para a construção do Memorial e Centro de Interpretação da Matola, que tem como objectivo imortalizar as vítimas do ataque perpetrado pelas forças do regime do apartheid contra militantes do ANC, estão praticamente concluídas, faltando apenas a sua inauguração pelos presidentes de Moçambique e da África do Sul, Armando Guebuza e Jacob Zuma, respectivamente.

Para o efeito, os ministros da Cultura do nosso país e da África do Sul efectuaram semana passada uma visita de trabalho àquele empreendimento, cujas obras iniciaram a 8 de Julho de 2011, com intuito único de avaliar o nível de realização do empreendimento.
Os dois governantes visitaram as instalações e receberam explicações técnicas do trabalho realizado e, foram, igualmente informados do que ainda falta por fazer, informações consideradas fundamentais para a marcação da data de inauguração que se prevê seja ainda ao longo do presente ano.
O facto é que os trabalhos de edificação das infra-estruturas já foram todos concluídos, estando em curso o processo de apetrechamento, sobretudo do Centro de Interpretação.
O Memorial da Matola é uma obra de arte e de lembrança colectiva conjunta dos governos de Moçambique e da África do Sul, que vai retratar a história de ambos os países e da região austral de África na luta contra o regime do apartheid.
Aliás, sobre o facto, o ministro da Cultura, Armando Artur disse depois do informe técnico que aquele empreendimento pela sua dimensão histórica e cultural, ultrapassava as “fronteiras” de Moçambique e África do Sul e que, portanto, é uma pertença da África Austral.
Na verdade a exposição permanente que vai fazer parte do Centro de Interpretação, descreve também o processo de libertação da região da África Austral, dando enfoque ao processo de construção e as acções da “Linha da Frente” (bloco político constituído por Moçambique, Tanzânia, Zâmbia, Angola, Botswana e Zimbabwe).
Entretanto, relativamente ao mote da edificação do memorial, os visitantes terão a oportunidade de conhecer com detalhe o ataque perpetrado pelas forças do regime do Apartheid à Matola no dia 30 de Janeiro de 1981.
Está disponível uma série de informação documental, parte da qual baseada em testemunhos dos sobreviventes, entre outros intervenientes.
Refira-se que o ataque a Matola, ocorrido a 30 de Janeiro de 1981, fez no total 16 vítimas mortais, sendo 15 entre moçambicanos e sul-africanos e um português.


Maputo, Quarta-Feira, 6 de Março de 2013:: Notícias

LÍNGUA E ACORDO ORTOGRÁFICO: PATRIMÓNIO EM RISCO



LÍNGUA E ACORDO ORTOGRÁFICO: PATRIMÓNIO EM RISCO


OS ministros da CPLP estiveram reunidos em Lisboa, na nova sede da organização, e em cima da mesa esteve de novo a questão do Acordo Ortográfico que Angola e Moçambique ainda não ratificaram. Peritos dos Estados membros vão continuar a discussão do tema na próxima reunião de Luanda.

A Língua Portuguesa é património de todos os povos que a falam e neste ponto estamos todos de acordo. É pertença de angolanos, portugueses, macaenses, goeses ou brasileiros. E nenhum país tem mais direitos ou prerrogativas só porque possui mais falantes ou uma indústria editorial mais pujante.
Uma velha tipografia manual em Goa pode ser tão preciosa para a Língua Portuguesa como a mais importante empresa editorial do Brasil, de Portugal ou de Angola. O importante é que todos respeitem as diferenças e que ninguém ouse impor regras só porque o difícil comércio das palavras assim o exige.
Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios, por mais respeitáveis que sejam, ou às "leis do mercado". Os afectos não são transaccionáveis. E a língua que veicula esses afectos, muito menos. Provavelmente foi por ter esta consciência que Fernando Pessoa confessou que a sua pátria era a Língua Portuguesa.
Pedro Paixão Franco, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira e outros intelectuais angolenses da última metade do Século XIX também juraram amor eterno à Língua Portuguesa e trataram-na em conformidade com esse sentimento nos seus textos. Os intelectuais que se seguiram, sobretudo os que lançaram o grito "Vamos Descobrir Angola", deram-lhe uma roupagem belíssima, um ritmo singular, uma dimensão única.
Eles promoveram a cultura angolana como ninguém. E o veículo utilizado foi o português. Queremos continuar esse percurso e desejamos que os outros falantes da Língua Portuguesa respeitem as nossas especificidades. Escrevemos à nossa maneira, falamos com o nosso sotaque, desintegramos as regras à medida das nossas vivências, introduzimos no discurso as palavras que bebemos no leite das nossas Línguas Nacionais. Sabemos que somos falantes de uma língua que tem o Latim como matriz. Mas mesmo na origem existiu a via erudita e a via popular. Do "português tabeliónico" aos nossos dias, milhões de seres humanos moldaram a língua em África, na Ásia, nas Américas.
Intelectuais de todas as épocas cuidaram dela com o mesmo desvelo que se tratam as preciosidades.
Queremos a Língua Portuguesa que brota da gramática e da sua matriz latina. Os jornalistas da Imprensa conhecem melhor do que ninguém esta realidade: quem fala, não pensa na gramática nem quer saber de regras ou de matrizes. Quem fala quer ser compreendido. Por isso, quando fazemos uma entrevista, por razões éticas mas também técnicas, somos obrigados a fazer a conversão, o câmbio, da linguagem coloquial para a linguagem jornalística escrita. É certo que muitos se esquecem deste aspecto, mas fazem mal. Numa entrevista até é preciso levar aos destinatários particularidades da linguagem gestual do entrevistado.
Ninguém mais do que os jornalistas gostava que a Língua Portuguesa não tivesse acentos ou consoantes mudas.
O nosso trabalho ficava muito facilitado se pudéssemos construir a mensagem informativa com base no português falado ou pronunciado. Mas se alguma vez isso acontecer, estamos a destruir essa preciosidade que herdámos inteira e sem mácula. Nestas coisas não pode haver facilidades e muito menos negócios. E também não podemos demagogicamente descer ao nível dos que não dominam correctamente o português.
Neste aspecto, como em tudo na vida, os que sabem mais têm o dever sagrado de passar a sua sabedoria para os que sabem menos. Nunca descer ao seu nível. Porque é batota! Na verdade nunca estarão a esse nível e vão sempre aproveitar-se social e economicamente por saberem mais. O Prémio Nobel da Literatura, Dário Fo, tem um texto fabuloso sobre este tema e que representou com a sua trupe em fábricas, escolas, ruas e praças. O que ele defende é muito simples: o patrão é patrão porque sabe mais palavras do que o operário!
Os falantes da Língua Portuguesa que sabem menos, têm de ser ajudados a saber mais. E quando souberem o suficiente vão escrever correctamente em português. Falar é outra coisa. O português falado em Angola tem características específicas e varia de província para província. Tem uma beleza única e uma riqueza inestimável para os angolanos mas também para todos os falantes. Tal como o português que é falado no Alentejo, em Salvador da Baía ou em Inhambane tem características únicas. Todos devemos preservar essas diferenças e dá-las a conhecer no espaço da CPLP. A escrita é "contaminada" pela linguagem coloquial, mas as regras gramaticais, não. Se o étimo latino impõe uma grafia, não é aceitável que, através de um qualquer acordo, ela seja simplesmente ignorada. Nada o justifica. Se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes do mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras."
  • Jornal de Angola

MORREU HUGO CHAVEZ


MORREU HUGO CHAVEZ

O PRESIDENTE da Venezuela, Hugo Chávez, morreu ontem, aos 58 anos, num hospital militar em Caracas, na sequência de complicações após a quarta operação ao cancro, anunciou o vice-presidente Nicolás Maduro.
 “Às 16:25 horas (23:25 em Maputo) morreu o Presidente comandante Hugo Chávez. A toda a sua família transmitimos a nossa dor e a nossa solidariedade”, disse Maduro, numa comunicação transmitida pela rádio e televisão oficiais, a partir do Hospital Militar de Caracas, onde Chavez estava internado desde 18 de Fevereiro último.
“É uma tragédia histórica esta que hoje toca a nossa pátria. Apelamos a todos os nossos compatriotas a serem os vigilantes da paz, do amor e da tranquilidade da pátria. Queridos compatriotas, muita coragem, temos que crescer por cima desta dor”, acrescentou o vice-presidente que estava rodeado pelos ministros do seu gabinete.
Nicolás Maduro, designado pelo próprio Chávez como seu sucessor, mobilizou as Forças Armadas e a polícia para "proteger a paz do povo venezuelano". Os chefes militares, por sua vez, já se afirmaram fiéis a Maduro.
Chávez era Presidente da Venezuela desde 1999. Em Outubro, foi reeleito para um quarto mandato consecutivo, mas não chegou a tomar posse. Há muito que se especulava sobre o estado de saúde do chefe de Estado venezuelano e a oposição já estava a preparar-se para novas eleições presidenciais, que agora terão mesmo de se realizar.


Maputo, Quarta-Feira, 6 de Março de 2013:: Notícias

15 MORTOS À CATANADA É O BALANÇO PRELIMINAR DAS ELEIÇÕES NO QUÉNIA


15 MORTOS À CATANADA É O BALANÇO PRELIMINAR DAS ELEIÇÕES NO QUÉNIA

Beira (Canalmoz) - Pode-se dizer muita coisa sobre os diferentes processos políticos em andamento em África. Não há dúvidas de que o recurso a forças das armas sejam catanas, armas automáticas, tanques ou caças-bombardeiros tem servido para a conquista e manutenção do poder em vários países desta vasta África.
Os autores da violência por vezes parecem ser pessoas instrumentalizadas pelos líderes políticos. A circulação de armas e a fraqueza estratégica das forças policiais e militares colocam os cidadãos indefesos numa situação crítica. Os apelos à paz e estabilidade, à convivência e respeito pelos direitos dos outros não encontram eco quando os políticos estão fortemente envolvidos numa ofensiva de conquista do poder por todos os meios.
A avidez pelo poder, frequentemente utilizado como forma de construção de uma base financeira e económica sólida em África tem levado a que grande parte da liderança africana se esqueça de questões básicas. A violência gera mais violência num ciclo interrupto.
Desde o Atlântico ao Índico os sinais de desestabilização continuam acontecendo a um ritmo que deixa um rasto de sangue de inocentes.
Muitos perguntam quanto tempo será necessário para que as oligarquias africanas assumam que podem ser uma elite promotora de outro tipo de situação? Quanto é efectivamente se perde com a violência e a intolerância política nos vários países mergulhados em conflitos?
Como se sentem os familiares das vítimas de assassinatos políticos?
O contexto em que a violência se espalha por África levanta perguntas muito importantes. Como é que os parceiros internacionais, campeões da democracia deixam passar a oportunidade se serem proactivos e contribuírem para a diminuição do risco de eclosão de conflitos sangrentos em África?
Desde a circulação de armas de pequeno porte a armas de guerra que não são fabricadas em Áfricas, pode verificar de olho nu que existem forças interessadas em obter lucros com a violência em África. Quem fabrica exporta armas para África mesmo contrariando convenções da ONU? Quem á crédito financeiros para a importação de armamento de guerra convencional mesmo em países que não estão em guerra?
Como é que os partidos políticos em presença nos países de regime multipartidário lidam com os fenómenos nacionais conhecidos como potenciais fontes de fricção e violência?
Aquela incapacidade de separar os órgãos de defesa e segurança da zona de influência dos partidos políticos no poder tem sua motivação concreta. Quem controla as forças militares e de segurança controla o poder no país é tao simples como isso. A última obediência é devida aos comandos partidários e não aquilo que é a agenda de segurança nacional legítima e consentânea com os mais altos interesses da nação. 
Quando os comandos militares estão misturados e obedientes a um poder político que muitas vezes não é consensual entra-se em derrapagem e tal país acaba por ver conflitos violentos abertos rebentarem.
Somam-se os países que tenham forças militarizadas em situação de semi-ilegalidade. Não são poucos os países que coabitam com milícias armadas fora do controlo do governo central. Há casos documentados de milícias que foram cruciais para a conquista do poder por alguns doa actuais líderes africanos.
A desconfiança é de tal ordem que muitos políticos não se sentem seguros sem uma força privada de segurança.
Qualquer exercício de desarmar tais milícias constitui a faísca que muitos esperam para o desencadeamento das hostilidades.
A concorrer para este cenário existe um passado fortemente tribal, exacerbado por propaganda oportunisticamente semeada no seio de comunidades etnicamente estruturadas.
Com ou sem cooperação internacional significante, a agenda de construção de regimes políticos estruturados em linhas de separação dos poderes democráticos tem sido estrategicamente negligenciada.
As chancelarias ocidentais, antigas potências colonizadoras, conhecem profundamente os dossiers africanos. Os políticos africanos em geral, são pouco dados a estudar a situação político-económica de seus países. Qualquer expediente que os coloque no poder é quanto basta na sua curta visão do panorama.
Quando se pede e se exige debate sério e aberto é comum ver os detentores do poder enveredarem pela via mais exclusa e estreita. Adiam, entretém a opinião pública mas na realidade não estão dispostos a discutir ou a ceder quando a questão é nivelar o campo de actuação política em seus países.
Numa leitura conveniente para salvaguarda de seus interesses económicos e estratégicos, é comum ver os parceiros ocidentais e orientais fechando os olhos e ouvidos. Armar e potenciar rebeliões só é opção onde seus analistas e serviços de inteligência consideram vital. A Síria nesse aspecto é bem mais importante que África.
Se a França no Mali é porque em seu redor existem minerais como uranio a proteger. A luta contra o tristemente famoso “terrorismo internacional” está sendo inteligentemente utilizado pelas partes. O regime de Bamako solicita apoio internacional para fazer face a sua incapacidade de defender seu país. Solicitamente Paris envia suas forças expedicionárias. No Quénia a situação não vai exigir a invasão pelo Reino Unido. Tudo se vai resolver aumentando a assistência a um exército que tem sido útil no combate contra o terrorismo na Somália.
No Zimbabwe teremos uma reaproximação cuidadosa entre a União Europeia e o regime de Mugabe, sempre através de uma leitura final de aprovação de Londres. Cada país europeu tem o seu “quintal” em África. Ou isso já não é visível?
Em Luanda os portugueses “engolem sapos e lagartos” mas não “largam o osso”.
Quanto a Moçambique, já se conhecem as reacções diplomáticas portuguesas que quase sempre optam pelo silêncio cúmplice com os detentores do poder em Maputo.
Enquanto as mortes não forem de nacionais franceses ou portugueses está claro que não veremos alteração daquilo que se convencionou chamar de política externa dos países.
Enquanto não houver raptos de portugueses em Maputo não veremos cooperação estratégica entre a Polícia Judiciária portuguesa e a PRM moçambicana.
Jogam-se cartadas importantes em África. Há muito em jogo e alguns dos protagonistas estão cometendo erros historicamente verificados.
“Não é possível cavalgar dois cavalos ao mesmo tempo”.
Construir uma África mais representativa no mundo, mais interventiva e respeitada passa por cada país ser mais forte e equilibrado.
Quénia está em teste e outros países seguirão tal via.
Para os cidadãos é possível exercerem outro tipo de pressão sobre seus governantes. Partido de comunidades de base é possível genuinamente democratizar África. Cololcar África e cada um de seus países longe dos conflitos com motivação étnica, de guerras pelos recursos, do petróleo de sangue e dos diamantes de sangue.
Para com a estratégia camuflada de saque dos recursos minerais africanos, da desestabilização política com motivação económica requer posicionamento completamente diferentes dos actuais por parte dos governos África… (Noé Nhantumbo, CanalMOz, 05 de Março de 2013)

28 fevereiro 2013

GUNGUNHANA "ERA FILHO DO REI DE PORTUGAL!"


GUNGUNHANA "ERA FILHO DO REI DE PORTUGAL!"


Assim foi apresentado o dono do vasto império vátua - que no século  XIX englobava grande parte do território de Moçambique - na cerimónia que assinalou os 110 anos da batalha de Chaimite, decorrida no passado dia 28 de Dezembro, no Museu Militar, em  Lisboa.
O que aconteceu então para que este "filho do rei de Portugal", admirado e respeitado tanto pelas tribos nativas como pelas potências estrangeiras da altura, tenha sido capturado e enviado para Lisboa
onde foi humilhado e vergonhosamente exposto à população após a sua chegada?

Texto de Sílvia Fernandes

Fotos de Gil Garcia e Arquivo Pessoal
A resposta surgiria no decorrer da própria cerimónia no Museu Militar, através do orador, coronel  Américo José Henriques. Entre a assistência, sentados lado a lado, os descendentes de Gungunhana e de Mouzinho de Albuquerque, o imperador africano detido e o oficial português  que o deteve. Um cenário que muitos defendem ser possível apenas entre os portugueses, cujos laços amigáveis criados com os povos em tempos colonizados prescindem de teorias, estudos e discursos políticos, podendo ser facilmente testemunhados em momentos como este.
Maria Júlia e Maria Manuela são filhas de Eugenia, neta de Gungunhana e de uma das mulheres que com ele terão desembarcado em Lisboa em Março de 1896. Do lado de Mouzinho de  Albuquerque, está Miguel Sanches de Baêna, descendente indirecto, uma vez que o oficial português não chegou a ter filhos. A cerimónia prossegue. "Gungunhana era como um filho do rei de Portugal, assim como já haviam sido o seu avô, Manukuse e o seu pai, Muzila", continua Américo Henriques.
Manukuse, membro de um dos ramos da tribo zulu, foi o fundador do Império dos vátuas, povo  altivo, guerreiro. Através de massacres das tribos rivais, ou de alianças estratégicas, entre as quais com o rei de Portugal, Manukuse consegue estender o seu império desde o Zambeze até à região de Lourenço Marques (actual Maputo), abrangendo parte do território de Moçambique, África do Sul e Rodésia (actual Zimbabué). Quando morre, em 1858, o seu filho Muzila envolve-se numa guerra sangrenta com o irmão pelo poder e é graças ao apoio dos portugueses, nomeadamente ao arsenal oferecido, que consegue subir ao trono. Após a sua morte, é a vez de o filho, Gungunhana, disputar o trono com os irmãos, tornando-se imperador depois de mandar assassinar Mafe-mane, herdeiro legítimo. Dono de um vasto império, Gungunhana desperta o interesse dos ingleses e dos colonos sul--africanos, particularmente de Cecil Rhodes e da South African Company, que vêem nos portos moçambicanos de Lourenço Marques e Beira dois pontos estratégicos para o escoamento das matérias-primas do Transval. E Gungunhana estava a meio caminho, podendo ser um aliado poderoso para se chegar ao litoral moçambicano, então sob administração portuguesa.
"É a intriga internacional que faz com que Gungunhana atraiçoe os acordos que mantinha com a  coroa portuguesa". Através de constantes "embaixadas", nomeadamente inglesas e alemãs,  enviadas para junto do imperador africano, a relação com os portugueses é "envenenada". "Foram  os interesses internacionais que viraram os africanos contra os portugueses", afirma Américo Henriques, acrescentando de seguida que infelizmente, a história repetiu-se" décadas mais tarde. E como diz um velho ditado africano numa cheia de duplicidade, conforme escreveu Georges  Liengme, missionário que conviveu de perto durante três anos com o imperador vátua.
A gota de água em relação à coroa portuguesa acontece em finais de 1894, quando, mais uma vez  instigados por forças estrangeiras, os guerreiros vátuas atacam a linha dos caminhos-de-ferro às  portas de Lourenço Marques. A notícia surge na imprensa europeia da época com grande impacto, tentando mostrar Portugal como uma potência fragilizada, incapaz de garantir, não só a segurança  das populações não negras da região, como também incapaz de garantir a segurança do transporte  de mercadorias, sector vital para a presença europeia em África. O rei decide contra-atacar e envia António Enes como comissário régio para tentar resolver a situação no local. "António Enes não  era um militar, mas era um profundo conhecedor da realidade africana, com uma grande visão  estratégica, que soube escolher uma elite militar para o acompanhar na sua missão", explica  Américo Henriques. António Enes tinha duas hipóteses: ou ia directamente a Manjacaze, "capital" do império vátua - opção arriscada dado o elevado número de régulos tribais aliados ao imperador  que iria encontrar pelo caminho - ou criava uma série de pontos fortificados, apertando aos poucos  o cerco a Gungunhana, levando-o assim a uma submissão pacífica. Optando por esta segunda solução, as forças portuguesas dividiram-se em três colunas que avançariam para o interior do continente ao longo das margens de três rios, criando uma cintura a Manjacaze: a sul, o Incomati;  no centro, o Limpopo; e um pouco mais a norte, o Inharrime. Mouzinho de Albuquerque integrava  esta última força, que partiu de Inhambane.


EXPEDIÇÃO PUNITIVA
Dia 2 de Fevereiro 1895. A algumas dezenas de quilómetros de Lourenço Marques, a coluna que  subia pelo Incomati trava a batalha de Marracuene. "Neste combate batemo-nos em quadrado e  suportámos um assalto violentíssimo - numa proporção de 30 para um - chefiado por dois dos  régulos mais importantes da região: Mazulo e Matibejana", conta Américo Henriques. Apesar da  vitória das forças portuguesas chefiadas por Caldas Xavier, cujo impacto se fez sentir na imprensa  europeia, os dois régulos conseguem fugir. No entanto, perante as potências estrangeiras, a imagem de Portugal sai reforçada e a campanha prossegue. A Gungunhana é dada a oportunidade de entregar os dois régulos, que, entretanto, se refugiam em Manjacaze. Seria como uma prova de  boa vontade do imperador africano para com a coroa portuguesa. Até porque os dois homens haviam também estado envolvidos no ataque ocorrido em 1894 contra à linha-férrea.
"No entanto, ele recusou entregá-los. Se o fizesse perdia a confiança dos outros régulos seus  subordinados. E assim ficou em posição frontal connosco", explica Américo Henriques, acrescentando que "foi então que nós decidimos preparar uma expedição punitiva a Manjacaze para o Outono de 95, para capturá-lo." Esta expedição, que deveria seguir pelo rio Inharrime, foi atrasada por diversas vezes por dificuldades logísticas. Entretanto, a coluna que subia pelo  Incomati chega a Magul, onde trava nova batalha. Mais uma vez, as forças portuguesas, agora comandadas por Aires de Orneias, saem vitoriosas e a notícia volta a espalhar-se. Encorajada com este resultado, a coluna de Inharrime decide avançar no terreno, apesar do fraco apoio logístico.
Ao seu encontro, Gungunhana, envia um grupo de guerreiros chefiados pelo seu filho Godide, e as duas forças acabam por se confrontar em Coolela, tendo os portugueses alcançado nova vitória.
Gungunhana, ao tomar conhecimento do resultado da batalha, decide fugir e quando o coronel Rodrigues Galhardo, que chefiava a coluna de Inharrime, entra com as suas tropas em Manjacaze,  este está deserto.
Por esta altura, António Enes regressa a Portugal para apresentar o seu relatório ao rei. Mas antes  cria um novo distrito, o de Gaza (até então só existiam o de Lourenço Marques e Inhambane),  nomeando como governador Mouzinho de Albuquerque, a quem deixou ordens expressas para capturar Gungunhana. Também data desta altura a transferência da sede do Governo de Moçambique, da ilha para Lourenço Marques. "O governador, antes da chegada do comissário régio, era o coronel Fernando de Magalhães, que, tal como os seus antecessores, vivia na ilha de  Moçambique. Aí é que era a sede do governo de Moçambique. O António Enes tirou o Governo  da ilha e levou-o para Lourenço Marques, para o sul, para o campo da batalha", explica Américo Henriques.

CAPTURA EM CHAIMITE
Entretanto, vendo o avançar das tropas portuguesas, o imperador vátua manda entregar um dos  régulos, Matibejana, oferece marfim e outro tipo de riquezas e até envia o seu filho Godide como  sinal de boa vontade, mas já de nada lhe vão servir estas atitudes. "O objectivo agora era, única e  exclusivamente, a sua captura", afirma Américo Henriques. Só que Gungunhana estava desaparecido desde a batalha de Magul, enquanto que, do lado português, a campanha para tentar apanhar o "Leão de Gaza" continuava. Até que um dia, num dos pontos fortificados ao longo da linha do Limpopo , surge um indígena de nome Hassane, com uma informação valiosa: Gungunhana está  escondido em Chaimite, panteão vátua, onde se encontram enterrados o seu avô, Manukuse e o seu pai, Muzila. Mouzinho de Albuquerque toma conhecimento da notícia, sabe que tem de agir rapi-damente, mas não tem tropas suficientes para empreender um ataque massivo ao último reduto vátua. Mesmo assim, decide pegar em 46 homens e avançar, entrando em Chaimite no dia 28 de Dezembro de 1895. Ninguém sabe muito bem por que é que os cerca de 300 guerreiros vátuas não  dispararam sobre os homens de Mouzinho de Albuquerque. "Terá sido do factor surpresa ou tão  pura e simplesmente da ousadia do oficial branco?" A verdade é que, "muito superiores em  número, poderia ter sido um verdadeiro banho de sangue, mas em Chaimite apenas morreram dois  homens, conselheiros de Gungunhana, fuzilados pelas tropas portuguesas", explica Américo  Henriques. Quando Gungunhana sai da sua palhota, Mouzinho ordena que lhe amarrem as mãos.
Depois exige que Gungunhana se sente no chão, algo impensável para um imperador. Perante a  recusa deste, afirmando que o chão estava sujo, Mouzinho obriga--o a sentar-se à força como sinal de submissão. Assim foi capturado o temido «Leão de Gaza».
"A captura de Gungunhana foi trágica, mas teve de ser. Sobretudo porque a situação do ponto de vista internacional era tão precária para Portugal que nós tínhamos que mostrar aos estrangeiros,  com determinação e até com uma certa crueldade, a nossa posição ou eles não nos aceitavam",  sublinha Américo Henriques, acrescentando que "a nossa filosofia de colonização foi sempre  branda e a ideia deles era violenta. E nós tivemos também que ser violentos para eles nos  respeitarem. Os estrangeiros, não os nativos, que esses sempre nos conheceram da mesma maneira.
Esta é a verdade de 1895", conclui. Terminada a apresentação, ao sabor de um Porto, Maria Júlia e  Maria Manuela, bisnetas de Gungunhana, Miguel Sanches Baêna, descendente de Mouzinho de  Albuquerque, e ainda os descendentes do régulo Matibejana, vindos propositadamente dos Açores para esta   cerimónia, brindam aos seus antepassados e trocam, entre sorrisos e abraços, as suas próprias  versões dos acontecimentos. Passaram-se 110 anos. Estamos no Museu Militar, em Lisboa.

REVELAÇÕES
Maria Manuela e Maria Júlia nasceram e cresceram em Portugal. Sempre souberam  da sua ascendência através das histórias que a mãe, Eugenia, lhes contava na infância, histórias essas marcadas pela imposição do silêncio. "Não deveríamos falar do assunto", conta Maria Júlia. Porquê? "Talvez por vergonha, não sabemos muito bem, a verdade é que desde pequenas a nossa mãe dizia que não devíamos falar do assunto." Talvez por isso, também, só muito recentemente tenha surgido algum  interesse pela figura do bisavô. Aconteceu por uma ironia do destino, no Verão de 2005. O filho de Maria Manuela estudava na base do Alfeite e o seu superior era o comandante Luís Sanches de Baêna. "Por um acaso, descobriram que estavam frente a frente como descendentes de dois grandes rivais: Gungunhana e Mouzinho de Albuquerque. "Depois disso surgiu o convite para participarmos nas comemorações dos 110 anos da batalha de Chaimite, no Museu Militar", explica Maria Júlia. E a pergunta impõe-se: Qual a sensação ao sentar ao lado do descendente do homem que capturou o vosso bisavô? Depois de alguns segundos,  a resposta surge acompanhada de uma lágrima. "Uma grande emoção. Ficámos sentadas à frente, no lugar dos generais, e não estávamos a contar com aquela honra. Foi uma mistura muito grande de sensações. Não há revolta, não há  ressentimentos, o que existe é uma grande curiosidade para nos conhecermos  melhor."

UMA IMPERATRIZ PARA MOÇAMBIQUE?
Maria Manuela e Maria Júlia terão sangue régio a correr-lhe nas veias. Maria  Manuela ainda conheceu a terra do seu bisavô, quando, entre 1972 e 1976, acompanhou o marido destacado em serviço para Moçambique. Os seus dois filhos nasceram em Nampula e "o amor por aquela terra era tão grande que se não fosse a independência teria ficado por lá", conforme nos confessa. Maria Júlia, pelo  contrário não conhece Moçambique. Mas recorda-se bem da cerimónia solene da trasladação dos restos mortais do seu bisavô, dos Açores para Maputo, em 1985.
"Nessa altura, ainda se pensou falar com as autoridades moçambicanas, para nos darmos a conhecer, mas acabámos por não fazer nada", conta. O silêncio  manteve-se. Algum tempo mais tarde, uma equipa de cientistas açorianos revelava que as ossadas enviadas para Moçambique não pertenciam a Gungunhana.
Mesmo assim, Maria Júlia não esquece a forma como o Governo moçambicano, após a independência, enalteceu a figura do bisavô, como símbolo da luta anti colonialista. Então e por que não solicitar o reconhecimento como uma das herdeiras do império vátua? "Não pensei nisso, mas de qualquer maneira gostava muito de poder ir até lá e conhecer aquela terra", desabafa Maria Júlia. Aqui fica o recado.
Entretanto, se as ossadas que foram trasladadas para Moçambique eram falsas... podemos concluir que os restos mortais do último grande imperador vátua  continuam a descansar nos Açores, em solo português!...

TROFÉU DE GUERRA
Apesar de apelar ao silêncio, Eugenia, neta de Gungunhana e  mãe de Maria Manuela e Maria Júlia deixou algumas histórias do  seu régio antepassado. "O que nos foi contado foi que de facto ele  foi maltratado à sua chegada a Portugal. Terá sido exposto numa  carruagem transformada em jaula, que percorreu algumas ruas da  Baixa de Lisboa, onde foi vaiado e humilhado", diz Maria Manuela.
Os relatos da época também confirmam esta versão. O vapor  "África", depois duma viagem de dois meses desde Lourenço  Marques, entra no Tejo em Março de 1896. A população lisboeta  enche as ruas para ver o "trofeu de guerra", a "fera cruel", como é chamado por alguns jornais da época. Com ele terão  desembarcado outros prisioneiros, entre os quais o filho Godide, o régulo Matibejana e sete mulheres que a imprensa descreve com "ar altivo, feições  finas e bonitas".
Depois do cortejo, seguem para o forte de Monsanto, onde ficam detidos durante três meses antes de serem desterrados para a ilha Terceira, nos Açores. As mulheres terão permanecido em Monsanto, depois enviadas para S. Tomé e Angola. Nos  Açores, Gungunhana viverá ainda dez anos, onde aprende a ler e a escrever, e é  baptizado com o nome de Reynaldo Frederico. Nos seus últimos anos de vida, tornase numa atracção turística, gozando duma liberdade limitada. O objectivo terá sido mostrar à Europa que o grande "Leão de Gaza" tinha sido dominado, estava circunscrito, sem ser maltratado. "Nos Açores, não há registo de que tenha sido maltratado", conta Maria Júlia. "Sabe-se que se passeava pela ilha Terceira. As potências estrangeiras não podiam dizer que estava a ser maltratado, mas ao mesmo tempo não podiam contar mais com este aliado para as suas campanhas em África", concluem as bisnetas do grande "Leão de Gaza". No dia 23 de Dezembro de 1906, Gungunhana, ou Reynaldo Frederico, falece no hospital militar de Angra do Heroísmo, vítima duma hemorragia cerebral.