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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

19 agosto 2013


“EM MOÇAMBIQUE SÓ HÁ PARTIDOS DE DIREITA”
Michel Cahen

Entrevista com Michel Cahen realizada por Victor Miguel Castillo de Macedo e Joaquim Maloa

Michel Cahen é pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) no Centre “Les Afriques dans le Monde” (“As Áfricas no mundo”), do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Bordeaux, na França. Esteve à frente da organização da revista Lusotopie, de 1992 a 2009, uma das principais publicações acadêmicas a abordar temas relativos aos desdobramentos da experiência colonial lusitana na África e no Brasil.
Além de ser um dos grandes nomes contemporâneos da história social e política da África Colonial Portuguesa, é autor de alguns clássicos da produção historiográfica sobre colonização e vida pós-colonial nos países da África Portuguesa, tais como: Mozambique, la révolution implosée. Études sur 12 ans d’indépendance (1975-1987), lançado em 1987 (Paris, L’Harmattan), e Os outros: um historiador em Moçambique, 1994, publicado em francês em 2002 (Paris, Fondation Calouste Gulbenkian) e em português em 2003 (Basileia, P. Schlettwein Publishing).
Também publicou um livro sobre a única minoria linguística de Portugal, a comunidade mirandesa: Le Portugal bilingue. Histoire et droits politiques d’une minorité linguistique: la communauté mirandaise, em 2009 (Rennes, Presses Universitaires de Rennes). Recentemente, em 2012, o pesquisador lançou o livro organizado juntamente com Éric Morier-Genoud, Imperial migrations: colonial communities and Diaspora in the Portuguese world. (Basingstoke, Palgrave MacMillan).
No primeiro semestre deste ano, o professor Cahen ministrou o curso “História social e política da África Portuguesa (1885-1975)”, para o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (PPGS/USP), em que abordou questões e embates teórico-historiográficos que suas perspectivas trazem.
Os estudantes/entrevistadores conformam parte do conjunto de interessados na obra desse pensador, que ultrapassa as preocupações e os métodos da disciplina histórica e alcança também sociólogos, antropólogos e demais interessados nas dinâmicas passadas e contemporâneas do continente africano.


Timbila, patrimonio mundial da humanidade

MOÇAMBIQUE ratificou em 2006 as convenções 2003 e 2005 da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) respeitantes à “Salvaguarda do Património Cultural” e à “Promoção da Diversidade das Expressões Culturais” respectivamente. No entanto, o país continua a marcar passo, uma vez que, volvido cerca de sete anos, ainda não dispõe de políticas, legislação e estratégia para a respectiva implementação.
A situação torna-se preocupante quando se sabe que o país tem inscrito na lista do património universal duas expressões culturais, nomeadamente a Timbila e o Nyau, que a devem ou deviam estar protegidas dentro dos princípios da Convenção 2003 sobre a salvaguarda do património cultural e imaterial.
Aliás, por falta de instrumentos de implementação daquelas convenções o país tem perdido muitos fundos, segundo revelou Ofélia da Silva, oficial do Programa da Cultura na UNESCO-Moçambique.
Segundo ela, a UNESCO tem fundos que vão até 100 mil dólares americanos para apoiar actividades relativas a salvaguarda do património imaterial, por exemplo, 25 mil dólares americanos para proclamar uma determinada expressão como património imaterial. Entretanto, segundo disse, muitos países ou Estados parte das Convenções não têm solicitado os fundos ou não tem feito uma aplicação satisfatória, pelas razões acima descritas ou por falta de capacidade técnica e de recursos humanos.
Em face dessa situação aquele organismo do sistema das Nações Unidas, fez um levantamento em várias partes e concluiu que ao invés de continuar a dar fundos para actividades cujos resultados não eram visíveis, devia potenciar os Estados membros e parte das convenções para ter capacidade de implementa-las.
Neste contexto, foi definido uma estratégia global de capacitação dos países membros sobre como implementar as convenções. De referir que a UNESCO tem sete convenções, das quais Moçambique apenas ratificou três. A Convenção 1972, sobre “Protecção e Promoção do Património Natural e Cultural”, a 2003 (Salvaguarda do Património Cultural) e 2005 (Promoção da Diversidade das Expressões Culturais).
Com efeito, sob os auspícios do Instituto Nacional de Investigação Sócio - Cultural (ARPAC), em coordenação com a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), iniciou na última semana em Maputo, um processo de formação de pessoal técnico em torno da implementação da Convenção de 2003 sobre salvaguarda do património cultural.
Depois da formação teórica, o mesmo grupo iniciou esta segunda-feira, no distrito de Manica, província do mesmo nome, um treinamento prático que inclui princípios e métodos de inventário do património imaterial baseados na comunidade.
A intenção é que alguns dos participantes venham tornar-se facilitadores em formações similares a serem realizadas futuramente no país e em outros países africanos de língua portuguesa.
NA LIDERANÇA DOS PALOP
No quadro da estratégia global de capacitação institucional que esta a ser desenvolvida pela UNESCO, o nosso país foi escolhido para liderar o processo a nível dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
A escolha do nosso país, segundo Ofélia da Silva é porque se apresenta relativamente mais avançado que os restantes PALOP.
Trata-se do projecto de fortalecimento das capacidades dos oficiais da Cultura nos PALOP, o qual visa melhorar as capacidades de funcionários da Cultura na implementação e gestão eficaz da Convenção de 2003.
Para garantir a materialização do projecto, dos técnicos que estão a ser formados desde semana, três serão seleccionados para replicar os conhecimentos adquiridos nos restantes países dos PALOP.


12 agosto 2013


TERRITORIALIZAÇÃO DE MOÇAMBIQUE COLONIAL: “AVANT TOUT” UMA LUTA PELA TRANSPOSIÇÃO DE CONTRARIEDADES ENDOGENÉTICAS PRESENTES NO SISTEMA PORTUGUÊS EM MONTAGEM

MARTINHO PEDRO
Departamento de Antropologia e Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade Pedagógica, Maputo,
Moçambique
marpmatos@gmail.com
Resumo
Os primeiros momentos da sistematização de possessões ultramarinas parece terem se constituído, para Portugal, uma empresa fácil, se aferirmos o processo a partir da relativa audácia demonstrada, fundamentalmente nos primeiros cem anos da sua epopeia expansionista. Esta ideia é corroborada pela imposição, juntamente com a sua jumelle ibérica, de uma comunicabilidade com zonas bem distanciadas da península, da aplicação da teoria do mare clausum, bem como, da posse jurídica da metade oriental do Planeta Terra, por Portugal, marcando, em termos geopolíticos, o início de uma abordagem global da teoria do poder. Entretanto, tal realidade desvaneceu-se desde cedo, pela integração de novas potências no cenário expansionista, acompanhada pela reclamação da liberdade de navegação nos mares/oceanos (mare liberum).
Base de disputas abertas, o encontro entre as potências ibéricas e as novas, no cenário colonial, obrigou a definição de espaços concretos, transformando, consequentemente, a posse de territórios num dos projectos mais titânicos para Portugal. A necessidade de defesa dos seus territórios da África Oriental dos holandeses, suíços e mais tarde dos ingleses e alemães constituem-se exemplos concretos. Daí advém a explicação da sistematização dos territórios e formação das colónias definitivas em função da correlação de poderes eurocêntricos que actuaram nas distintas zonas geográficas do continente africano, agregada ao confronto, nos espaços coloniais em construção, entre cada um dos diferentes poderes hegemónicos e os diferentes poderes representativos das estruturas sociais locais. Ademais, os estudos até aqui desenvolvidos têm apontado que a natureza do avanço dos poderes em incrustação no terreno foi proporcional ao vigor humano, diplomático, material, financeiro, estratégico de cada uma das potências, incluindo Portugal. Entretanto, na análise dos fundamentos definidores da incrustação do poder eurocêntrico em Moçambique, o caso português parece orientar-nos para uma nova directriz, situada longe da disputa territorial entre as potências, por um lado, ou da luta entre aquelas e as estruturas africanas pré-existentes, por outro lado. De facto, para o congresso procuraremos discutir a ideia segundo a qual a definição do espaço colonial português em Moçambique, isto é, a territorialização definitiva, não foi retardada por esses dois opositores tradicionais: os grupos sociais endógenos cuja frontalidade vinha da necessidade destes de manterem a sua reprodução existencial, e os concorrentes europeus que procuravam estabelecer possessões coloniais no período e nos mesmos espaços cobiçados por Portugal. Para nós, o processo da definição do espaço colonial português em Moçambique resultou de contrariedades endogenéticas de carácter intersubjectivo, que demarcaram territórios, fronteiras, colonialismos paralelos e concorrentes no interior do espaço concorrido pelo capital internacional, que, em última instância, dificultaram a circunscrição de um espaço colonial definitivo em Moçambique, pelo menos até aos anos 40 do século XX.

Palavras-chave: Portugal, colonização, territorialidade, Moçambique colonial.


PARA  AMPLIAR  AS  EPISTEMOLOGIAS  DO  SUL: E  SE A HISTÓRIA FOSSE TAMBÉM UMA NARRATIVA DE LUTAS  TRASLADADAS  POR  PALADARES?

MARIA PAULA MENESES
CES - Universidade de Coimbra
menesesp@ces.uc.pt
Resumo
Nesta apresentação procurar-se-á discutir o papel das memórias, arquivos e da(s) história(s), ampliando o tema para integrar a complexidade associada à colonização e aos processos migratórios no espaço do Índico. Nos processos identitários uma parte importante e menos trabalhada assenta nos sabores e como os alimentos estão ligados à memória; de facto, as pessoas partilham bens e ideias, participando em processos sociais tão diversos como os dos mercados ou outros mais privados como são as cozinhas. As receitas e os saberes que lhe estão na base uma parte importante dos processos de memórias e de construção de referências amplas; neste sentido, o vasto espaço do Índico permite ampliar esta discussão, através de um estudo mais preciso das trocas de alimentos, e de como estes produtos se foram indigeneizando.

Palavras-chave: Circuitos do Índico, processos identitários, memórias de/e sabores


11 agosto 2013

O PROJECTO PESSOAL E POLÍTICO DE EDUARDO MONDLANE



PEDRO BORGES GRAÇA

Centro de Estudos Africanos e Brasileiros. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Universidade Técnica de Lisboa
bgraca@iscsp.utl.pt
Resumo
Eduardo Mondlane foi pastor, "muleque", estudante, catequista, emigrante, operário, professor, funcionário das Nações Unidas e finalmente guerrilheiro e diplomata, "pai fundador" do projecto nacional moçambicano. A sua biografia não é contudo suficientemente conhecida. Quem não o confunde com um antropólogo? Ou com um sociólogo? Na verdade, toda a sua formação académica e investigação se centrou na área da Psicologia Social, em questões de percepções sociais, conscientemente preocupado com o problema do impacto da modernidade e da mudança cultural no comportamento dos indivíduos agregados em comunidades. Quem não o toma por um revolucionário marxista-leninista? Na verdade nunca se posicionou claramente como tal e defendia que os africanos tinham de desenvolver os seus próprios e específicos modelos de sociedade. Eduardo Mondlane foi sem dúvida um grande líder nacionalista africano, culto, homem de pensamento e de acção, singular, como nos revelam as palavras que deixou escritas e o virtual projecto político para Moçambique que podemos vislumbrar com actualidade. Essa foi a razão pela qual em Moçambique, durante o longo período revolucionário após a Independência, a sua figura foi sobretudo exaltada sob a forma estética e simbólica. Por exemplo, o seu primeiro livro, “Chitlango, Filho de Chefe”, escrito com cerca de 25 anos, só seria publicado em Moçambique quinze anos após a Independência, pela inoportunidade do seu trajecto heterodoxo e nada revolucionário, simples e essencialmente humanista, bebendo directamente das suas profundas raízes africanas e rurais. Ainda hoje se encontra pois aberto o debate sobre o futuro que Moçambique teria tido com Mondlane.
Inconclusivo para uns, muito claro para outros. Porventura a História não deixará de ver ressurgir recorrentemente o seu pensamento e acção, o seu exemplo, estudado pelos jovens moçambicanos no afã generoso de darem o seu contributo para o desenvolvimento do seu país. Ele, Eduardo Mondlane, que queria ser, mais que tudo, “um professor universitário”, seguramente rejubilaria por ver o seu nome na Universidade, talvez a maior invenção da Humanidade e com certeza factor estratégico de desenvolvimento económico e social.
Palavras-chave: Eduardo Mondlane, Projeto Nacional Moçambicano


10 agosto 2013

A CRISE DE 1968 NO “INSTITUTO MOÇAMBICANO” NA TANZANIA


A História de Moçambique tem outras versões diferentes das que conta a Frelimo
O Dr. Eduardo Mondlane reconheceu que a maior parte dos dirigentes era do Sul. Defendeu-se, contudo, dizendo o seguinte: “Quando nós nomeamos indivíduos para cargos de chefia não reparamos para tribo ou região mas para a competência de cada um”. Com essas palavras o Dr. Mondlane enfureceu ainda mais os estudantes por dar a entender que as pessoas do Centro e do Norte não eram competentes. A reunião teve que ser interrompida.

Leia tudo aqui

"SALAZAR RECUSOU OFERTA MILIONÁRIA PELA COMPRA DOS TERRITÓRIOS DE PORTUGAL"





Na década de 60, os Estados Unidos fizeram uma proposta de centenas de milhares de dólares a Portugal, a troco da independência das províncias ultramarinas. 
A resposta do Presidente do Conselho Prof. Dr. António de Oliveira Salazar foi: 
"Portugal não está à venda". 
Esta como muitas outras ‘revelações’ foram feitas por Witney Schneider, ex-responsável norte-americano pelos Assuntos Africanos, no seu livro ‘Engaging Africa: Washington and The Fall of Portugal’s Colonial Empire’. 
O caso remonta a 1963, quando o ex-Presidente do Conselho rejeitou a referida oferta, num encontro com um enviado americano – relata Witney Schneider, antigo vice-secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos na administração Clinton. 
O livro foi elaborado com base em documentos oficiais e dezenas de entrevistas com personalidades americanas e portuguesas. 
Segundo Schneider, Paul Sakwa, assistente do vice-director de planeamento da CIA elaborou em 1962 o 'Plano Commonwealth’, que defendia nomeadamente uma autodeterminação para Angola e de Moçambique, após um período de transição de oito anos, durante o qual Portugal seria compensado com cerca de 500 milhões de dólares. 
Em Agosto de 1963, o diplomata americano Chester Bowles encontrou-se com Salazar e duplicou a proposta: durante cinco anos, os EUA depositariam nos cofres portugueses cerca de mil milhões de dólares. Porém, a oferta esbarrou na intransigência de Salazar na defesa de Portugal. 
Schneider adiantou ainda que tanto Eduardo Mondlane, Moçambique, como Holden Roberto, Angola (FNLA), foram durante anos apoiados financeiramente pela CIA. 
No período em questão, o governo americano apoiou financeiramente e lidou estes movimentos destas duas províncias ultramarinas portuguesas, ao mesmo tempo que mantinha relações diplomáticas com Portugal. 

09 agosto 2013

CONFIRMADO: CIA APOIOU MONDLANE


Eduardo Mondlane, primeiro presidente do movimento da FRELIMO (o principal movimento libertador de Moçambique)

Documento revela discussão com o Presidente John Kennedy para se iniciar apoio da CIA ao primeiro presidente da FRELIMO.
Ouça aqui 

Em 1963 o Presidente John Kennedy concordou com um programa de apoio secreto através dos serviços de espionagem CIA ao primeiro presidente da Frelimo, Eduardo Mondlane.
A confirmação é dada na transcrição de uma conversa telefónica do presidente com o seu irmão Robert Kennedy que na altura era  conselheiro presidencial para além de ocupar o cargo de procurado geral e que  confirma também as tensões internas da administração americana sobre a posição a adoptar face aos movimentos de libertação africanos.
O presidente John Kennedy tinha instalado no seu gabinete um sistema de gravações de reuniões de questões sensíveis e de conversas telefónicas.
Um documento da biblioteca presidencial John Kennedy, obtido pela Voz da América,  relata que a 8 de Maio de 1963 Robert Kennedy, lhe telefonou para o  informar de uma conversa que tinha tido com Eduardo Mondlane.

Robert Kennedy informa o presidente que Mondlane está a receber apoio de países comunistas e que precisa de ajuda dos Estados Unidos  para poder indicar aos seus apoiantes “ que há pessoas no ocidente que simpatizam para com os seus esforços” e também por uma questão meramente económica, para “lhe permitir continuar”.
A quantia que Mondlane precisa, diz Robert Kennedy são 100.000 dólares o que ele descreve de “muito razoável”, sendo cinquenta mil para “as suas próprias operações” e outros 50.000 para “ajudar refugiados”.
A quantia de 100.000 dólares em 1963 é o equivalente a cerca de 750.000 dólares actualmente.
Na conversa Robert Kennedy diz que cinquenta mil dólares poderão ser concedidos pela Fundação Ford uma organização privada que tem entre os seus objectivos o “fortalecimento da democracia e a redução da pobreza e injustiça”.
Mas diz Robert Kennedy os outros 50.000 terão que vir do governo  e que o então vice conselheiro de segurança nacional Carl Kaysen “ está a trabalhar nisso”.
Mas há um problema. Robert Kennedy informa o presidente que o então secretário de estado Dean Rusk “ quer ter a capacidade de se sentar com os portugueses e dizer –lhes que nenhuma dessas pessoas esta a receber dinheiro” dos americanos.
Robert Kennedy sugere então que a questão pode ser entregue a Averral Harriman, sub secretário de estado para questões politicas e  John McCone, director da CIA para usarem “ o seu próprio julgamento” na questão.
Sabe-se que Averral Harriman se tinha já reunido com Mondlane, num encontro que durou duas horas e que segundo  informações anteriormente divulgados tinha resultado em que Mondlane e Harriman saíssem do mesmo com “enorme respeito mútuo”.
Dean Rusk no entanto ter-se-ia recusado a reunir-se com Mondlane.
Sabe-se também que Robert Kennedy se reuniu com Mondlane durante cerca de uma hora tendo na altura estabelecido uma forte relação baseada numa visão comum sobre o futuro em Moçambique. Nesse encontro, dizem essas informações,  Kennedy entrou um cheque pessoal de 500 dólares (cerca de 3.700 dólares em valor actual) a Eduardo Mondlane.
No telefonema ao presidente, Robert Kennedy avisa o seu irmão que Eduardo Mondlane se vai reunir com dirigentes africanos em breve ao que o presidente John Kennedy comenta que os Estados Unidos não querem que Mondlane informe esses dirigentes que está a receber ajuda dos Estados Unidos.
Robert Kennedy  volta então a reiterar que os fundos poderão ser entregues por uma fundação privada e que o director da CIA John  McCone poderá lidar com essa questão de modo a aparecer que os fundos não são da CIA.
Robert Kennedy sugere ao presidente que discuta a questão com Averrel Harriman  que ele diz apoiar fortemente o apoio financeiro e acrescenta que o secretário de estado Dean Rusk terá que ser informado que ele não tem que saber nada sobre o assunto directamente.
Fonte: VOA – 09.08.2013


EDUARDO MONDLANE E HOLDEN ROBERTO FORAM FINANCIADOS PELA CIA

Holder Roberto do FNLA de Angola
Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente do movimento nacionalista moçambicano FRELIMO, foi durante anos apoiado financeiramente pelos serviços de espionagem norte-americanos, CIA, revela um livro acabado de publicar nos Estados Unidos.

O livro "Engaging Africa: Washington and the Fall of Portugal+s Colonial Empire" (Envolvimento em Africa: Washington e a Queda do Imperio Colonial de Portugal) é de autoria de Witney Schneidman, antigo vice-secretário de Estado adjunto para os Assuntos Africanos na administração Clinton.

A obra confirma também anteriores alegações de que o dirigente nacionalista angolano Holden Roberto(na foto), presidente da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) também foi financiado directamente pela CIA, durante vários anos.

O livro, de 280 páginas detalha minuciosamente e com base em documentos oficiais e dezenas de entrevistas com personalidades norte-americanas e portuguesas, as relações dos Estados Unidos com Portugal e com os movimentos independentistas das ex-colónias portuguesas, particularmente Angola e Moçambique, desde o início dos anos 60 até à independência de Angola (Novembro de 1975).

Schneidman refere que o primeiro encontro de Eduardo Mondlane com um membro da administração norte-americana foi estabelecido durante o governo do presidente John Kennedy, quando o dirigente nacionalista se reuniu, no início de 1963, com o irmão do presidente (Robert Kennedy), então Procurador-Geral dos Estados Unidos da América.

De acordo com a descrição do encontro, obtida através de memorandos e entrevistas com alguns dos participantes, o encontro começou mal, com Robert Kennedy a interromper Mondlane quando este começou a criticar a política norte-americana no Vietname, dizendo ao líder nacionalista que estava "mais interessado em ouvir os problemas de Moçambique".

Mondlane teria depois explicado a situação em Moçambique, afirmando que seria "trágico" se "a indiferença e ignorância" e a necessidade de "agradar" a Portugal impedissem os Estados Unidos de estar "na frente do combate pela liberdade".

"No final do encontro de uma hora, Mondlane e Kennedy tinham estabelecido uma relação forte, baseada numa visão comum sobre o futuro em África e Moçambique," lê-se no livro.

"Embora o Procurador-Geral não se tenha comprometido sobre o apoio oficial americano, disse a Mondlane que queria pessoalmente ajudá-lo e à sua família," acrescenta Schneidman, destacando que, no final do encontro, Kennedy entregou um cheque pessoal de 500 dólares a Mondlane.

Poucos dias depois deste encontro, Mondlane reuniu-se em Washington durante duas horas com Averrel Harriman, sub-secretário de Estado para questões políticas.

"Os dois saíram da sua conversa de duas horas com um respeito mútuo profundo", afirma o livro, que cita como fonte para os pormenores do encontro um dos seus intervenientes.

Porém, tanto o secretário de Estado Dean Rusk como o sub-secretário de Estado George Ball recusaram-se a reunir-se com Mondlane, reflectindo o início do que seria uma longa luta entre várias facções governamentais americanas sobre como lidar com os movimentos nacionalistas e, ao mesmo tempo, manter boas relações com Portugal.

Enquanto Ball afirmou que o encontro "não serviria para nada" e Dan Rusk manifestou reservas sobre a actuação de Mondlane, outros continuaram a pressionar para que fosse concedida ajuda ao nacionalista moçambicano descrito num documento por um outro funcionário como "muito determinado, directo e inteligente".

O livro relata que, em Abril de 1963, foi feita a primeira proposta de ajuda clandestina a Eduardo Mondlane. Um documento garante ao sub-secretário de Estado George Ball que "a Agência (a CIA) está absolutamente confiante que o podem fazer pela calada".

Uma carta entregue ao influente Procurador-Geral Robert Kennedy afirma, no entanto, que "o dinheiro não deve ser dado partindo do princípio que se pode controlar Mondlane".

"De facto seria uma idiotice tentar controlá-lo, porque essa tentativa iria prejudicar a sua utilidade para nós. A verdade é que nós não podemos controlá-lo; podemos apenas confiar neleÓ Apoiar Mondlane será um bom investimento para nós, porque o seu programa representa a melhor e única esperança para uma solução relativamente pacífica para o problema moçambicano," diz o documento.

Nessa Primavera, a CIA entregou um "subsídio" de 60.000 dólares a Mondlane, que foram canalizados através do Instituto Afro-Norte-Americano, em Nova Iorque.

Ao discutir, mais adiante, a política do governo do presidente Lyndon Johnson o livro refere que, quatro anos mais tarde, em 1967, "o apoio financeiro" a Mondlane continuava, "mas sem aumento dos desembolsos".

Por essa altura, as relações entre os Estados Unidos e Mondlane estavam já a deteriorar-se e o último contacto oficial entre o líder nacionalista moçambicano e entidades norte-americanas decorreu em Nairobi (Quénia), em Setembro de 1968, quando num encontro privado com "influentes" personalidades americanas, Mondlane teria mostrado a sua irritação pela "incapacidade" e "falta de vontade" do governo dos Estados Unidos em ser mais agressivo e eficaz nas suas pressões sobre Portugal".

O encontro deu-se numa altura em que a FRELIMO estava também a atravessar uma grave crise interna e, segundo intervenientes, Mondlane estava "tenso e preocupado" devido a isso.

O encontro de Nairobi "marcou o fim do contacto oficial dos Estados Unidos com os nacionalistas que estavam a lutar pela independência de Moçambique e também o fim de uma relação estreita".

Mondlane foi assassinado alguns meses depois, em Fevereiro de 1969, num acto que o livro culpa, sem dar pormenores, a polícia secreta portuguesa PIDE em associação "com dissidentes dentro da FRELIMO".

O livro confirma, por outro lado, que o dirigente nacionalista angolano Holden Roberto recebeu durante muitos anos financiamento por parte da CIA. Esse financiamento começou em 1961 quando Holden Roberto começou a receber 6.000 dólares anuais, o que "foi, posteriormente, aumentado para 10 mil dólares/ano". Em Julho de 1974, quando a guerra civil em Angola se avizinhava, o financiamento foi aumentado para 25.000 dólares.

No início de 1975 foi aprovada uma doação de 300 mil dólares a Holden Roberto, mas o encontro de alto nível que aprovou essa doação recusou uma outra proposta para doar 100 mil dólares "para se abrir uma janela a Jonas Savimbi" que, ironicamente, viria mais tarde a ser o principal aliado dos Estados Unidos em Angola.

Fonte: Lusa, 28/10/2004


06 agosto 2013

LANÇAMENTO DO LIVRO “ENTRE AS MEMÓRIAS SILENCIADAS”: UMA AMÁLGAMA DE CELEBRAÇÕES AO RITMO DA NARRATIVA UNGULANIANA

Fotografia de Ungulani Ba Khosa (sentado) no acto do lançamento no novo livro

O LANAÇAMENTO do livro “Entre as memórias silenciadas” foi um pretexto para o escritor Ungulani Ba Khosa juntar no mesmo espaço vários amigos e confrades, políticos e académicos. Amantes das artes e das letras. Boémios. Alguns dos quais já reformados.

Um acto com vários significados, pois no mesmo dia, 1 de Agosto, o autor completava 56 anos de idade, e escolheu um local – o Museu da História Natural – que este ano também assinala cem anos de sua criação. O lançamento da obra sublinha também a passagem dos 25 anos de carreira literária de Ungulani.
E tudo foi feito ao som da guitarra e voz do músico Roberto Chitsondzo, que emprestou alguns dos seus temas compostos à base dos contos da obra “Orgia dos Loucos”, um dos mais emblemáticos do escritor.
Neste romance o escritor nos oferece uma viagem ao mundo da primeira república, tendo a revolução como pano de fundo.
Mas também um livro de cujo “parto” Ungulani se queixa de ter sido bastante difícil. Até porque já estava quase abandonado.
E o escritor se explica: “Este livro é fruto de um incontornável impulso de consciência. Tive, em 2002, uma primeira tentativa, inteiramente fracassada, de abordagem ao tema. De lá para cá, os personagens foram perseguindo-me, exigindo, uma nova abordagem, uma outra entrega. E recusava-me a tal empreitada. Estava então em São Tomé, buscando dados sobre as mulheres de Ngungunhane, quando o tema se impôs e passou para o plano secundário as vozes de Namatuco, Fussi, Patchina, Muzamussi, Maxaxa, Uessipe e Dabondi, mulheres do imperador; e Pambone, Óxaca e Debeza, mulheres de Zilhalha. As mulheres do imperador, livro anunciado aos amigos, foi postergado ao segundo plano”.
Sublinha que, “para alguns, estas Memórias serão o avivar de páginas recentes e tristes da nossa história. Para outros, uma simples efabulação.
Mais do que retratar as pequenas e grandes misérias da primeira república, Ungulani afirma que o livro revela os desencontros de uma geração que já não se exalta com os feitos de uma revolução que não consegue renovar o seu discurso.
“Na verdade, a secura de António, em não aceitar outros paradigmas, outros discursos, tem a ver com a sua profunda solidão. Ao negar os pais, que retornaram às lusas terras, por questões meramente ideológicas, António perdeu o seu chão. No fundo, António, ante o eminente descalabro da revolução, teme em tornar-se, de novo, órfão, desse adoptivo pai que era a revolução em farrapos”, explica, avançando, por outro lado, que, os gémeos do romance, colocados em zonas totalmente distintas, não se reviam na sociedade em construção. Ao se oporem a certas práticas, não recusavam a Nação, queriam outras portas e janelas para o grande edifício da pátria.
Na sua visão, a cultura, que é o berço de toda a criação social, não teve a valorização necessária para a construção do Homem novo. Por isso não indigna que sem o tecido cultural este Homem facilmente se tenha tornado num sonâmbulo.
E é ele que outra vez nos diz: “A todos, grandes e pequenos senhores da nação, faltou-lhes o grande chão da cultura, o cimento que faz respeitar as instituições e admirar os mitos de uma nação. Foi-lhes cortado, à nascença do país, o encontro com o seu passado, o convívio com as práticas antigas. Eles andavam à deriva. Esse é o drama das personagens. Jovens que eram, não conseguiam descortinar que o grande laço da moçambicanidade está para além da política, do discurso único, de pertencer a esta ou oura cor política”.
Ele outra vez volta a clamar e fala do conceito da lacto do ser moçambicano, da moçambicanidade e que, na sua visão, está para lá dos detalhes marginais e fúteis, pois, segundo ele, a moçambicanidade está em aceitarmos a nossa condição de branco, preto, indiano, mulato, china, changana, nyungué, macua, chuabo, maconde, nyanja, e tudo o que nos diferencia e une neste vasto território.
Na sua viagem, Ungulani recorda a cultura oriental que, tendo marcado profundamente os laços moçambicanos, hoje tende a apagar-se entre nós. Os sabores e saberes orientais estão cada vez mais distantes, os seus incensos continuam a queimar, mas já ninguém os sente.
“Olhando de viés para a narrativa, ocorre-me a não integração duma componente importante desta nossa diversidade: os sabores do oriente. Sinto que essa componente se arredou da história. E de facto, ao tempo, esse grupo que trouxe cores e aromas e sabores, fechou-se na sua concha bivalve. Os sabores que emprestavam nos bairros de Chamanculo, com os seus achares, nas palafitas da Catembe, com os frutos do mar, foram-se tornando uma raridade. A sociologia deste tempo explicará as razões do afastamento desta secular comunidade ao nosso convívio”.
E os personagens do “Entre as memórias silenciadas”, como reagem? Eis que do escritor vem a resposta vem: “Os meus personagens estão presos a um tempo histórico que pouco lhes permite descortinar outros espaços que não a política. Eles não sabem que o que lhes liberta é a cultura. É por isso que Pedro que terá que fazer a grande viagem aos tempos da sua ancestralidade. É isso que Ngodo lhe pede: “O Mutsitso Final. António ficar-se-á pela amargura, pelo desencanto.
Olhando agora para o livro, diria que os personagens pedem uma outra viagem. Uma viagem a estes tempos de também recusa ao grande denominador da nossa existência: a cultura. Mas não é tarefa da minha lavra, porque as mulheres do Ngungunhane pedem o seu regresso a Moçambique”.
Nataniel Ngomane: uma provocação

O académico moçambicano Nataniel Ngomane ateve-se a três aspectos do livro de Ungulani para, segundo ele mesmo disse, tentar estimular curiosidades, instigar à leitura e fazer algumas provocações. E estas são o título da obra, imagem da capa e a nota do autor. Eis, então:
Entre as memórias silenciadas. A palavra “entre”, segundo alguns dicionários, significa “no meio de”, “no intervalo de”, “no número de”, “dentro de”. Olhando atentamente para esses significados, lembrando que olhar, além de “fitar os olhos em”, também significa “observar”, “notar” – entre outros - , percebe-se que as expressões “no meio de”, “no intervalo de” e “dentro de” são bastante próximas entre elas, ao sugerirem a localização de alguma coisa, um fenómeno, inserida(o) num determinado domínio ou universo de coisas ou coisa. Parece a explicação mais óbvia dessa palavrinha que nos empurra para, entre outras questões possíveis, as seguintes: “o que será que Ungulani Ba Ka Khosa inseriu n’ “as memórias silenciadas”? E que memórias são essas? Ainda por cima, silenciadas!? (Silenciadas é uma palavra forte!) Muita coisa, por certo, quando consideradas as 226 páginas que totalizam o livro.
A imagem da capa: Rostos anónimos com olhares desconfiados, alguns; olhares sombrios, tristes, outros; olhares cheios de ódio e certa raiva contida, outros ainda. Mas também olhares submissos, cabisbaixos. Pela mancha verde que se destaca entre esses multifacetados rostos, junto com árvores gigantescas, parece que esses rostos se erguem de uma densa floresta. Erguem-se? Ou habitam? Haverá bichos, nessa floresta? Mas também se nota que nos separa desses rostos uma vedação de arame farpado. Arame farpado…lembram-se? E um garboso soldado de camuflado, nome que se dá a um tipo de vestimenta militar, em posição de sentinela. E outra pergunta se levanta: “o que será que Ungulani inseriu neste seu livro, com essas imagens tão…tão...? e o título aponta para “memórias silenciadas”? Esta expressão é forte: memórias silenciadas!
Nota do autor: Cito: “O que encanta nas noites africanas são os pirilampos, animais de brilho intermitente, descontínuo, fugaz. Por entre as árvores deslustradas, eles adquirem a plenitude do brilho por segundos. A luz ténue dá outra cor à savana. São momentos fascinantes as noites, segundos que ficam nas retinas da memória. Depois, ao de súbito, vem a escuridão, as trevas. Momentos de incerteza, de receio. E de repente a luz, a vida. Inconstância. O viver intermitente entre a graça e a aflição.
Quantos de nós não assistimos, apavorados, ao acender e apagar de luzes das nossas independências?”
Está feita a provocação. Agora, reajam!
  • Francisco Manjate

In: Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 7 de Agosto de 2013:: 

02 agosto 2013

O MOMENTO FUNDACIONAL DA FRELIMO EM ACCRA



A linha oficial da Frelimo desde sempre foi a seguinte: “A Frelimo foi fundada em Dar-es-Salaam, Tanzânia, em 25 de Junho de 1962.”
A partir da sua casa aqui na internet, Fernando Gil ontem deu mais um passo no sentido de esclarecer um pequeno detalhe relativo à história da organização que mais tarde combateu e recebeu o poder em Moçambique das autoridades coloniais.
Das figuras presentes na fotografia, apenas Marcelino dos Santos participou na fundação da FRELIMO em ACCRA

Segundo o testemunho do Sr. Dr. Jaime Maurício Khamba, que mais tarde consubstancia apresentando o documento fundacional que se reproduz em baixo, e de cujo original não sei bem quem tem posse, a Frente de Libertação de Moçambique terá sido, na génese, criada por moçambicanos de quem quase ninguém ouviu falar, na cidade de Accra, no Ghana, no dia 2 de Fevereiro de 1962.
Documento fundacional da FRELIMO em Accra com a respectiva data de 2/02/1962 


Quatro meses e meio antes e do outro lado de África em relação à Tânzania.
Alguém sabe quem foram os Srs. Mateus Michinji Mole, Lourenço Milinga, Hlomulo Chitofo Gwambe e Calvino Zeque Mahayeye?
Pois é. Muito poucos.
Para que conste.
A confirmar-se, louros para Fernando Gil e o Dr. Khamba, que ajudou assim a desvendar a história mais mal contada da história recente de Moçambique.

Do Reino ao Sul, João Cabrita pondera diferentemente e, com sua autorização, que agradeço reconhecidamente, reproduzo o seu comentário, que também foi encaminhado para o Sr. Fernando Gil:
Mateus Mmole e Lourenço Milinga eram dirigentes da MANU.
Hlomulo Chitofo Gwambe (mais conhecido por Adelino Gwambe) era o presidente da Udenamo. Calvino Mahayeye era membro deste movimento.
Uma leitura atenta do documento reproduzido hoje [...] deixa transparecer que a 2 de Fevereiro de 1962 houve o desejo dos moçambicanos filiados na UDENAMO e na MANU de formar a Frente de Libertação de Moçambique. Entre o desejo de se formar uma frente e a decisão de se criar essa mesma frente vai uma certa distância, de meses neste caso.
Efectivamente, o anúncio formal da criação da Frelimo foi feito em Acra (para grande irritação do governo do Tanganyika), mas em Junho de 1962, durante a African Freedom Fighters Conference, segundo o depoimento que obtive de Fanuel Mahluza, vice-presidente da Udenamo, e que ele próprio reitera no manuscrito que me entregou para publicação antes de morrer.
O título de capa do “Evening News”, diário publicado em Acra, de 6 de Junho de 1962, pp 1 e 2, é suficientemente elucidativo: “Mozambique parties answer Osagyefo’s close ranks call”.
Antes da partida das delegações da Udenamo e da MANU para Acra, estes dois movimentos estiveram reunidos em Dar es Salam sob os auspícios do governo tanzaniano (Tanganyika) tendo “finalmente decidido unir todas as forças patrióticas de Moçambique por meio da formação de uma frente comum”, segundo reza uma declaração emitida em Dar es Salam a 25 de Maio de 1962.
Segundo me relatou Mahluza, foi Marcelino dos Santos quem deu o nome à Frente de Libertação de Moçambique. Mahluza escolheu o acrónimo, Frelimo.
[...]
De facto, a ideia de se unir os dois movimentos surgiu em Dar es Salam face à política do governo tanzaniano em favorecer mais a MANU (essencialmente maconde e com fortes raízes no Tanganyika e que até advogava uma grande região maconde independente, integrada neste país) do que a Udenamo, por este movimento estar mais identificado com o Gana de Nkrumah, rival de Nyerere em questões nacionalistas. (A África Austral era como que zona exclusiva do Nyerere e que chocava com o pan-africanismo de Nkrumah). 
O Marcelino dos Santos apoiava a ideia da unificação, pois sem ela não era possível funcionar a partir do território tanzaniano. Portanto, da fotografia que reproduziu no seu blog [ver em cima] o Marcelino era o único da Frelimo à altura da independência que participou nesse processo. O Chissano estava em Paris, o Machel ainda não havia chegado (saiu de LM em Março de 1963).

In: http://delagoabayword.wordpress.com/category/historia-mocambique/fundacao-da-frelimo/


Nota do blog: Leia o relatório sobre a fundação da FRELIMO bastando clicar em http://macua.blogs.com/files/frelimo_fundacao_relatorio.pdf



Para mais informações sobre os documentos da FRELIMO consulte o site da biblioteca digital da University of Southern California. E só clicar: 

CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DE MOÇAMBIQUE


Por Marcelino Síthole

Quem são os heróis?

É uma pergunta, que vem ao espírito de quem acaba de ler o relatório de Fanuel Guidion MAHLUZA, que o «Canal de Moçambique» publicou há dias.
Mahluza apressou-se a escrever (em inglês) e enviar para «Amnesty International» (Amnistia Internacional) este relatório, pouco depois de chegar a Nairobi, em proveniência do campo de "reeducação" de «Ruarua», planalto de Mueda de onde se tinha evadido, a 27 de Agosto de 1977, com Artur Janeiro da Fonseca, Atanásio Filipe Muhate e Lumbela.

Cansado pela viagem e traumatizado pelas privações e a perda de dois dos companheiros de evasão, a principal preocupação de Mahluza era a sorte dos numerosos combatentes da liberdade, estudantes e intelectuais, que a FRELIMO tinha internado nos seus campos de concentração, oficialmente designados por campos de "reeducação". Como se sabe, também o governo de Hitler, na Alemanha, tinha designado os seus campos de concentração e exterminação por campos de "trabalho": Die Arbeií machlfrei! (O trabalho liberta!), era a divisa destes campos.

Entre os presos políticos e de consciência dos campos de "reeducação" encontravam-se milhares de Testemunhas de Jeová, por adorarem Deus e cumprirem os seus mandamentos, quase todos os dirigentes do COREMO e de outros partidos nacionalistas moçambicanos não financiados pelo neocolonialismo soviético, por acreditarem no pluralismo, tolerância e valores morais tradicionais do povo moçambicano, Joana Simeão admirada e recordada até hoje, por força da sua coragem de mulher africana, assim como dezenas de estudantes regressados de vários países da Europa, da América e de África, por terem aprendido a pensar com as suas próprias cabeças. Entre estes estudantes havia Samuel Mapilele, brilhante intelectual, militante da UGEAN, diplomado em economia pela Universidade de Belgrado, Sebastião Mucavaca, regente agrícola formado na Tunísia, que tinha alcançado com Bartolomeu Mbalica, depois de atravessarem a África do Oceano Índico ao Mediterrâneo pêlos seus próprios meios e tantos outros, que lá perderam a vida e de cujos talentos e conhecimentos Moçambique nunca viria a beneficiar. Saídos com vida destes campos de "reeducação", só tenho notícia de F. G. Mahluza e Artur Janeiro da Fonseca, que um dia nos contará, como conseguiram atravessar o Rovuma, escalar o Kilimanjaro e chegar a Nairobi a pé, pelo mato, entre as feras.


Dos que lá desapareceram, Mahluza cita muitos nomes. Será uma metade, um terço,...? O número de nacionalistas, estudantes e intelectuais moçambicanos desaparecidos, logo após a independência, parece atingir proporções de genocídio, sobretudo para a nossa jovem nação desprovida de recursos humanos qualificados. Os Nazis, que dirigiam os campos de "trabalho" da Alemanha, mantiveram registos, que permitiram apurar os números do genocídio de milhões de alemães. No Camboja, ainda se podem contar as caveiras. Haverá jornalistas e historiadores moçambicanos interessados em esclarecer o que se passou, no nosso país? Se a publicação deste relatório contribuísse de alguma maneira para suscitar o interesse dos profissionais competentes e isentos, que já cá temos, sobre este aspecto da nossa história recente, F. G. Mahuza, apesar de não ter podido evitar o pior, quando redigiu o seu relatório, não o teria feito em vão.

Mahluza, que nos deixou o ano passado e está sepultado na sua terra de Moçambique, foi um combatente da liberdade corajoso e um patriota e nacionalista exemplar.

Foi fundador e dirigente da UDENAMO, antes de Marcelino dos Santos ter aderido a essa organização. Foi fundador e eleito para o Comité Central da FRELIMO. Quando, depois do Congresso Constitutivo, o Presidente Professor Eduardo Mondhlane se ausentou temporariamente para a sua Universidade de Syracuse, a direcção da FRELIMO em Dar Es Salaam entrou em crise, registando-se expulsões e demissões. A UDENAMO foi reconstituída e abriu escritório no Cairo, com Paulo Gumane e F. G. Mahluza, para, mais tarde, se integrar no COREMO, em Lusaka.

Foi Mahluza, quem abriu a frente de luta armada em Tete: atacou o posto administrativo e içou a bandeira do COREMO em Fingoè. Antes de atacar, mandara avisar o chefe do posto, que tinha andado com ele na Escola Técnica de Lourenço Marques, permitindo-lhe fugir com a família. Os guerrilheiros do COREMO da província de Tete dirigidos por Mazunzu Bobo foram, mais tarde, convidados pela FRELIMO a discutir sobre a "unidade de acção contra o colonialismo" e trucidados, numa cilada. Depois da independência e da evasão de Ruarua, Mahluza tornou-se dirigente da RENAMO e trabalhou, em Pretória, com o Secretário-Geral Orlando Cristina, que ele, como muitos outros, considerava um Homem. A RENAMO, todos sabem, trouxe, mal ou bem, a democracia para Moçambique.


Nas suas conversas Mahluza, referia-se às vezes ao seu primo, rindo-se com tristeza daquele ilustre e consagrado herói, que, por ambição, más influências, insensatez e complexos pessoais, tinha feito cair Moçambique dentro dum poço muito fundo cheio de águas turvas.


Mahluza foi um nacionalista moçambicano da primeira hora e de todos os momentos guiado por princípios nobres, pêlos ideais da fraternidade, justiça, liberdade e democracia, que sempre se manteve alheio a interesses mesquinhos e ao racismo e tribalismo e que sempre se levantou contra as injustiças.
In: CANAL DE MOÇAMBIQUE – 16.03.2006
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Por Fanuel Guidione Malhuza


Ao Sr. Malcolm Smart
Amnistia Internacional
Soutthampton Street, 19
Nairob, Quénia – 3 de Abril de 1978

Caro Sr. Smart


Obrigado pela sua carta datada de 22 de Março de 1978. Também lhe endereço os meus sinceros agradecimentos pelo seu interesse pelo estado dos meus colegas que continuam presos em Moçambique.

Além do documento que preparei para um jornalista a quem pedi que o publicasse, envio-lhe dados sobre a situação nas cadeias e “campos de concentração” que vivi durante a minha detenção em Moçambique.

Em Junho de 1974, as autoridades zambianas sob pressão da Frelimo e do governo da Tanzania invadiram as instalações dos escritórios do «Coremo» e prenderam todos os seus líderes e membros proeminentes. Mais tarde foram todos entregues à Frelimo que deveria formar o governo de transição em Moçambique como medida para destruir qualquer tipo de oposição dentro do país. Poucos dias depois da nossa detenção, graças a Deus, fui agraciado por uma pequena sorte. Com sucesso consegui escapar do campo onde estávamos detidos na Zâmbia e passei a viver escondido em Lusaka sob protecção do embaixador zairense na Tanzania.

Como ele não me pudesse garantir uma prolongada protecção juntamente com a minha família, passados poucos dias mais tarde após ter enviado minha família para Moçambique fui de novo detido quando me preparava para abandonar a Zâmbia. Fiquei preso numa cadeia de máxima segurança até 03 de Outubro de 1975, dia em que as autoridades zambianas, via aérea, me embarcaram de regresso a Moçambique. Chegado ao Aeroporto de Maputo estava o Comandante Provincial da Polícia, Sr. Manuel Verniz que me conduziu para o Comando Geral da Polícia onde fui objecto de prolongados interrogatórios durante 08 meses. Aqui encontro o Dr. António Chade, secretário administrativo do «Coremo» o qual, passados alguns dias, foi enviado para província de Cabo-Delgado. Após isso fui conduzido à Cadeia Civil de Maputo onde permaneci outros 10 meses. Aqui encontrei vários ex-estudantes moçambicanos os quais, após o seu regresso do estrangeiro, foram levados presos directamente do aeroporto para a cadeia. Entre vários ainda conservo alguns nomes que consegui fixar de memória:

- Prof. Manuel S. Prova, vindo da Serra Leoa.

- Prof. José Brito Simango vindo dos Estados Unidos da América.

- Domingos Aníbal, vindo do Quénia.

- Teodoro Mpunga, vindo do Quénia.

- Feliciano Dimbejo, vindo do Quénia.

- Artur J. da Fonseca vindo da RDA (República Democrática da Alemanha), e mais Atanásio Muhate e Raimundo Lumbela que desertaram da Frelimo durante a luta armada. Daqui, fui transferido para Cadeia da Machava, ainda em Maputo. Machava era a antiga cadeia da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) agora usada pela Frelimo para encarcerar presos políticos e os chamados sabotadores económicos. Aqui fui mantido durante um mês. Aqui encontrei outros prisioneiros:

- Absalom Bahule, secretário geral do «Coremo».

- Kampira Momboya, influente membro do «Coremo».

- Matias Mbowa, ex-comissário político da Frelimo.

- Dr. António ex-estudante da Frelimo.

- Irene Buque, antiga esposa de Machel.

- Dr. Mapilale, ex-estudante da Frelimo que foi mandado estudar para o exterior pela própria Frelimo, e todos aqueles que participaram no motim de 17 de Dezembro de 1975.

Da Machava com outros 23 presos fomos mandados de avião para Pemba, (ex.Porto Amélia), capital da província de Cabo-Delgado. Aqui fomos mantidos em celas subterrâneas durante 70 dias. Finalmente fomos enviados para o «campo de concentração de RUARUA». Oficialmente estes campos são chamados de «Campos de Re-Educação». Aqui fiquei até 27 de Agosto de 1977, dia em que consegui escapar com mais três companheiros, Dr. Artur J. da Fonseca, Atanásio Muhate e Raimundo Lumbela. Muhate e Lumbela foram descobertos pelas autoridades tanzanianas como fugitivos e foram detidos e recambiados para Moçambique.

Enquanto estive no campo de concentração de RUARUA encontrei vários outros presos membros de outras organizações políticas que também haviam sido transferidos de outras cadeias e «campos de concentração»:
- Matsinhe, membro do «Gumo» (Grupos Unidos de Moçambique).
- Dr. Waya, ex-estudantes nos Estados Unidos da América.
- José Vilankulos, vindo do Quénia.

Existem ao todo 14 campos de concentração em Moçambique. Três na província do Niassa; 03 em Cabo-Delgado: «RUARUA», «Bilibiza» e «Chaimite». Três na província da Zambézia. Dois em Sofala: «Gorongosa» e «Inyangawi» (Inhangau). Dois em Inhambane (Inyambane): «Inhassune» (Inyassune) e «Inhassoro» (Inyassoro). Um (1) em Maputo, na ilha de Xefina.
Todos os 11 mil testemunhas de jeová estão detidos na província da Zambézia.

Minha experiência nas prisões e campos de concentração

No «Comando da Polícia» as celas estavam superlotadas. Uma cela com capacidade para 70 detidos, continha cerca de 280 presos. Uma refeição por dia. Durante as investigações os oficiais usam violência brutal. Eles colocam uma colher entre os dedos e pressionam-na, enroscado-a entre os dedos até partir os dedos. Também amarravam e penduravam o preso ao tecto pelos pés com a cabeça virada para baixo por um longo período. Alguns presos que não aguentavam esta tortura eram desamarrados inconscientes.

Na «Cadeia Civil» para além dos dois métodos que mencionei, eles queimavam o corpo do preso durante várias horas desde os membros inferiores até ao pescoço. Também podiam obrigar o preso a ficar ajoelhado durante várias horas. Aqui éramos cerca de 2 mil presos. As celas estavam abarrotadas que os oficiais tinham que recorrer à capela existente para enclausurar os presos a mais. Na «Cadeia da Machava» eles usavam todos os métodos sofisticados de tortura.


Machava é a sede da cadeia do «Snasp» (Serviço Nacional de Segurança Popular). Eram também usados choques eléctricos, na tortura.


Em Pemba, na cadeia subterrânea as condições são humilhantes, degradantes e quebram física e moralmente os presos. Éramos mantidos em celas subterrâneas completamente nus, no chão, sem luz dia e noite e fisicamente violentados diariamente. Podiam bater-nos as chambocadas até ficarmos inconscientes. Aqui encontrámos 10 rodesianos, nove homens e uma mulher que eram opositores de Mugabe e da «Frente Patriótica» apoiada pelo governo de Samora Machel. Era-nos dado a cada um meia refeição por dia.

Em RUARUA havia 900 presos. A vida é dura e penosa.


Éramos obrigados a cultivar durante a noite, carregar comida para o abastecimento dos campos em distância de 60 Km com uma carga de uns 30 Kg. Não se importavam como o preso podia estar fraco ou doente. Não havia assistência médica.

Há uma cela subterrânea alcunhada de «Universidade de Lekeni». Era destinada aos presos suspeitos de tentativas de fuga ou quando quebravam as normas da reclusão. Uma vez o preso levado para lá as chances de voltar vivo eram escassas. Este é um método usado para amedrontar outros presos e evitar tentativas de fugas. Uma refeição pobre é servida uma vez por dia, após longas horas, longas horas de sede e de duro trabalho.

Ainda há muitos prisioneiros, que tal como eu, eles têm tentado escapar. Aquele que for apanhado após escapar pelas autoridades ou populações que vivem à volta, são devolvidos e sumariamente executados. Durante as fugas, alguns são devorados por animais selvagens, outros morrem de fome nos respectivos esconderijos. No campo não há nenhuma assistência médica. Presos doentes acabam por morrer sem nenhum socorro. Em toda minha experiência não vi ninguém ser julgado ou acusado num julgamento conforme mandam as regras.


Em Moçambique não existe sistema judicial. Todos os presos são sumariamente detidos e mantidos indefinidamente por longo tempo. Alguns foram detidos no longínquo ano de 1972 durante a luta armada e ainda não foram acusados nem julgados. Muitos nem sabem sequer porquê estão presos:

Chaimite

Líderes e membros do «Coremo»
- Paulo José Gumane, presidente.
- Arcanjo Kambeu, secretário para Informação.
- Uria Simango, secretário para Relações Exteriores.
- Joaquim Nawawa, secretário para Segurança.
- Valentino Sithole, secretário para as Finanças.
- Sebastião Sigauke, secretário para Organização.
- José Maria, secretário para Assuntos Sociais.

Membros do «Gumo»
- Dra. Joana Simeão.
- Dr. Unyayi
- Dr. Razão

Outros
- Pedro Mapangelane
- Lázaro Kavandame
- Adelino Gwambe
- Basílio Banda
- Narciso Mbule.

Todos estão detidos no «Campo de Chaimite» a mais de 100 Km de Pemba e situa-se entre Pemba e Macomia. A informação referente a «Chaimite» me foi facultada no «Campo de RUARUA» por outros presos vindos transferidos de lá. Todos estavam ou ainda estão vivos. O Dr. Absalão Bahule, secretário geral do «Coremo», está preso na Cadeia da Machava. O Dr. António Chade, secretário para Administração do «Coremo» está no campo de RUARUA.

Meus planos futuros

Sobre o meu futuro, desejo, somente, apanhar um local onde possa viver sem temer pela minha vida. Também espero uma eventual reunificação com a minha família de 5 elementos que os deixei à sua sorte em Moçambique. Gostaria de ter uma formação que me permitisse garantir uma vida decente à minha família. Em relação ao país, estou pronto para seguir para qualquer lugar onde a minha segurança e da minha família estejam garantidas.


Atenciosamente,

Fanuel Guidione Malhuza

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A confissão de Uria Simango

Veja e ouça aqui a voz de Uria Simango desvrevendo, em Nashingueia, como Eduardo Mondlane foi assassinado. Recordo que Uria Simango já se encontrava na altura prisioneiro.
(Aguarde um pouco para abrir)
Excerto retirado do CD-ROM comemorativo dos 25 anos de Independência
25 de Junho -Moçambique
Vitória de um povo
Narrador - Leite de Vasconcelos
Edição Creatix-Promédia

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SIMANGO: DE REACCIONÁRIO A HERÓI


DEMOS(Maputo)
19 de Maio de 2004
Para as gerações mais jovens, educadas num ambiente em que com devoção se
cantava: "Simango,reaccionário..." a obra de Barnabé Lucas Ncomo é verdadeiramente o resgate de uma figura histórica deste país. Com efeito, "Uria Simango: Um homem, uma causa" é, uma obra: que estava a faltar ao imaginário político moçambicano. Aliás, quando colocado face desta imagem tão sinuosa quanto emblemática, uma das questões que se erguem é de saber se estamos perante um herói ou perante um mercenário.
Relegado para a condição de reaccionário, Simango, hoje resgatado por Barnabé Lucas Ncomo, começou a despertar interesse enquanto tal através de um questionamento suscitado pela interrupção do som de 
uma emissão televisiva alusiva aos vinte anos da morte de Eduardo Mondlane. Ia Janeth Mondlane a dizer que, antes da sua morte, todo o povo moçambicano saberia quem matou Mondlane descartando a teoria 
que liga o pastor Simango ao assassinato do primeiro presidente da Frelimo, quando houve corte do som por um período suficientemente longo e não seguido de alguma explicação como sempre acontecia.
Muito mais recentemente Mahluza, o homem que se apresentou como quem sugeriu o nome FRELIMO para o movimento de libertação, afirmaria de boca cheia uma espécie de heroísmo para a mesma figura.
A obra de Ncomo apresenta-se como algo de particularmente impressionante na medida em que em quase quinhentas páginas, o autor nos conduz no meio de um ambiente obscuro e proibido à busca do um 
Simango reinterpretado e, através de um percurso histórico resgata a figura histórica.
Sem se preocupar pelo rigor científico, vai a busca da verdade e não teme deixar questões em aberto, como foi o caso da data e circunstâncias da sua morte.
Por outro lado, mesmo sem sucumbir ante a dificuldade de discernir um pensamento simanguiano vai mostrar o caminho tortuoso e difícil da formação e desenvolvimento da Frente. Mais do falar em consensos, 
ele mete em evidência as várias tendências que era necessário fazer convergir.
Nas linhas que se seguem Demos transcreve alguns excertos da obra.

MORTO EM DATA E LOCAL INCERTO
Difícil estabelecer com exactidão as datas. O certo é que em dia impreciso do período que vai de Maio de 1977 a Junho de 1980, durante o mandato do então governador da província do Niassa, Aurélio Benete Manave, M'telela acolhe no seu solo o que resta de um homem que muito fez para a libertação de Moçambique. O Rev. Uria Timóteo Simango era barbaramente assassinado na companhia de outros 
moçambicanos tidos como reaccionários pelo regime totalitário da Frelimo.
O acto, executado dentro do secretismo que caracterizava as hostes do poder político em Moçambique, só viria a tornar-se público cinco anos mais tarde com a fuga para a Africa do Sul de um destacado 
membro do SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular) e pela voz da Resistência Nacional Moçambique.

DISCIPLINA PARTIDÁRIA
A primeira tentativa de se conciliar ideias a volta do assunto nas hostes do. poder a politico em Maputo ocorre em1980 quando o Comité Politico Permanente da Frelimo ensaia a intenção de informar o país 
e o mundo sobre o destino de Simango. De certa forma ao que tudo indica, essa tentativa criou algumas desinteligências no seio do próprio partido no poder, pois um considerável número de membros da 
cúpula daquele partido não terá aceite pactuar com a farsa de que se pretendia forjar.
Desde então, a Frelimo tem-se esforçado por apresentar o caso como encerrado, visto que o plano denominado Código Namuli, conforme mais adiante se verá, não seria levado avante.
O que se sabe sobre a morte de Uria Simango e seus companheiros gira em torna informações colhidas junto de pessoas que de M'telela escaparam com vida mantendo-se o silêncio dos mandantes e dos 
executores directos do acto. Tudo leva a crer que houve um pacto entre a classe dirigente, consubstanciado a disciplina partidária.

Segundo assevera o então governador Manave:
"Uma das características da Frelimo é a disciplina e o sigilo partidários. Ninguém está autorizado a tocar na questão Simango senão os que têm autoridade. Eu, como indivíduo singular, não tenho essa autoridade. Houve um juramento de sigilo à volta da questão e apenas a quebra oficial desse juramento poderá libertar os pactuantes para falarem do assunto. Duvido que algum dia isso aconteça. A maioria dos pactuantes está viva e acho que mesmo com a garantia de se manter seus nomes no anonimato, dificilmente podem 
dizer algo sobre a figura de Uria Simango.
Conheci Simango e com ele convivi durante muitos anos. O que posso dizer e apenas que aquando da captura dos reaccionários em 1974 eu era o Comandante do Campo de preparação político-militar de 
Nachingweia, para onde foram conduzidos esses reaccionários. Todos eram humanamente tratados e nunca torturámos alguém. Fui igualmente o governador de Niassa até 1983, altura em que de lá saí para 
cumprir outras tarefas que me confiaram. Nada mais posso acrescentar, senão isso. (Aurélio Benete Manave).


NÃO HÁ RAZÃO PARA TAL
Sintomático do receio e terror psicológico que a questão provoca nos então detentores do poder político em Moçambique, passados que são décadas do silêncio absoluto, e a indisponibilidade mostrada por alguns em abordar com profundidade a "questão Simango". Tal é o caso de Óscar Monteiro, um nome sonante da vida nacional moçambicana após independência. Monteiro afirma que apesar de ter conhecido Simango, conviveu pouco tempo com ele, pois cedo passou a representante da Frelimo em Argélia, o que, de certo modo, o impediu de o conhecer com profundidade. Pouco adiantou sobre o homem. Contudo reconhece 
ter tido alguns contactos com o Reverendo no contexto da luta armada de libertação nacional. Nada mais acrescentou, porque "ando muito ocupado e não sei quando é que terei disponibilidade para falarmos 
disso." (Óscar Monteiro) Apesar da insistência do autor, visando marcar uma entrevista para outra ocasião, Monteiro pouco interesse mostrou em abordar o assunto. Todavia, Monteiro aparecera mais tarde 
a lamentar-se do fim que tiveram Os presos de M'telela dizendo que não se devia ter feito uma tal coisa, pois "não havia razão para isso" (Óscar Monteiro)

O EMBARAÇO DE CHISSANO
Joaquim Chissano, que subira ao trono depois da: morte de Samora Machel em Outubro de 1986, num comício em Maputo a 9 de Janeiro de 1990, igualmente denotando perturbação, em resposta a uma questão sobre os presos políticos levantada na ocasião por um cidadão Zebedias Jaime Machava, viria sub-repticiamente a confundir a questão que lhe era colocada. Estava-se no auge da paz, e uma amnistia em favor dos chamados "bandidos armados", e os considerados "traidores da Pátria", havia sido decretada. 
Corajosamente, e em resposta ao apelo formulado por Chissano para que as pessoas naquele comício apresentassem livremente as suas preocupações, implicitamente, Machava levantou a questão de Simango 
e outros presos de consciência, tendo-se estabelecido então com o presidente um estranho diálogo nos seguintes termos:
(Machava) Chamo-me Zebedias Jaime Machava. Eu vim aqui para poder apresentar algumas questões que sinto. Eu tenho acompanhado passo a passo a evolução política do nosso país, do nosso partido, e tenho
também acompanhado as iniciativas do nosso governo no sentido de estabelecer a paz neste país. E também queria aproveitar esta oportunidade para poder exprimir o meu sentimento perante os membros 
do governo, os membros do Bureau Político e membros do partido para poder fazer chegar essa preocupação que eu tenho.
O governo da República Popular de Moçambique procedeu a uma amnistia aos bandidos armados. Essa amnistia abrange todos aqueles que estão a matar. Os que foram os primeiros que ainda permaneciam no 
banditismo armado beneficiam dessa lei quando vieram se entregar voluntariamente, e quando abandonaram a via violenta. Estão beneficiados por essa lei.
Então, eu queria pedir a todos os membros que estão aqui para podermos também rectificar, ver também aqueles que praticaram crimes durante a luta de libertação nacional, os desertores, aqueles que desertam ou que .. .aqueles que nós consideramos como dissidentes, aqueles que não quiseram corresponder com a linha da Frelimo. Estes até este momento estão numa situação de privação, não é? Estão privados não ouvimos falar deles, não se ouve quase nada, não é? não se ouve. Não sei se existem ou já morreram eu não sei. Portanto, eu queria que o povo moçambicano, dentro do sentimento que nós temos de amnistiar aqueles que fizeram ma1, ou que fazem mal, então.
(Chissano) - Sim podemos responder a sua preocupação,já compreendemos.
(Machava) -Sim
(Chissano) - A amnistia era para todos, incluindo esses aí.
(Machava) - Sim
(Chissano) - Não estão incluídos. Estão amnistiados.
(Machava) - Estão amnistiados?
(Chissano) - Uns estão em Portugal, estão na América. Não são muitos. Podem vir a qualquer altura aqui e esses aí para eles a amnistia não acaba. Podem
(Machava) - E também...
(Chissano) - Obrigado
(Machava) - Desculpe Sua Excelência.
(Chissano) - E por causa dos outros. Temos que limitar o tempo.
(Machava)_ Há aqueles que estão nas nossas mãos. Aqueles...
(Voz de mulher) A luta continua! (Rádio Moçambique)

EXECUTADO À REVELIA
Entre as escassas informações (a maioria das quais desencontradas) existem também acusações e ilibações caricatas que ilustram o peso de consciência que reina nos que detinham o poder nas mãos. Fernando Ganhão, outra figura de destaque nas hostes do regime, afirma que tomou conhecimento da liquidação física de Simango posteriormente ao acontecido. Segundo ele, "aquilo foi decidido lá no norte sem o conhecimento de ninguém cá em Maputo.
Foi "AM" quem fez aquilo. Mandou para lá um indivíduo que andava com a filha dele. Parece que mandou liquidar esse indivíduo e, por extensão, todos os presos políticos que estavam a guarda dele no Niassa. Todos foram mortos. Samora chateou-se muito com isso. Ninguém sabia de nada cá. Mesmo Marcelino dos Santos não sabia de nada. Foi uma decisão unilateral de alguém consultar o próprio Chefe do Estado e a direcção máxima do partido. (Fernando Ganhão)

EXEMPLO DE JUSTIÇA POPULAR
Marcelino dos Santos altura segunda pessoa importante na hierarquia partidária foi categórico ao afirmar que a decisão de executar sumariamente Simango e outros presos políticos fora um exemplo de "justiça altamente popular", tendo frisado:
"Mas que se diga bem claramente que nós não estamos arrependidos da acção realizada porque agimos utilizando violência revolucionária contra traidores e contra traidores do povo moçambicano. (Marcelino 
dos Santos)
As informações existentes - fruto de mais de 15 anos de cuidadosa investigação - indicam os anos entre 1977 como o período mais provável em que o Rev. Uria Timóteo Simango terá sido morto cruelmente. A sua esposa, professora Celina Simango, viria a ser executada, segundo uma das fontes, em Julho de 1982 na companhia de duas outras senhoras dentre as quais Lúcia Tangane, esposa de um destacado prisioneiro de M'telela -(Raul Casal Ribeiro), ex-comissário politico da Frelimo e secretário-adjunto do Departamento 
de Defesa após a morte de Filipe Samuel Magaia.

SAMORA NÃO QUERIA AQUELE HOMEM MORTO
Por sua vez, Mariano de Araújo Matsinhe, outro proeminente membro da hierarquia da Frelimo, afirma que "a confissão Política não foi informada sobre a liquidação física dos presos. Samora não queria 
aqueles homens mortos. Queria mantê-los vivos para depois mostrar-lhes o Moçambique independente que ele sonhava.
Ele foi pressionado para fazer aquilo. Nem eu, nem o presidente Chissano sabíamos da morte de Simango e de outros. Alguns passaram a saber que os presos foram liquidados através de uma informação que o 
presidente Chispando acabou dando em resposta a perguntas feitas por alguns moçambicanos exilados nos Estados Unidos foi numa reunião com moçambicanos em Nova Iorque. (Mariano Matsinhe)
Mas Matsinhe não ousa divulgar quem terá pressionado Samora Machel a fazer a que ele chama "aquilo", remetendo para a inconcebível ideia de uma Frelimo com separação de poderes, onde par um lado estava 
Machel dirigindo uma Comissão Política (Bureau Político) imaculada nos actos e, por outro, o mesmo Machel, na companhia alguns veteranos da luta ar como Salésio Nalyambipano, Lagos Lidimo, Abel 
Asikala e alguns mais, agindo independentemente. Uma espécie de anarquia que não bate certo com a realidade, mas, em todo o caso hipótese que não se pode descurar se se tiver em conta que o Serviço 
Nacional de Segurança Social (SNASP), então instituído em Outubro de 1975, conferia ao Chefe do Estado plenos poderes de agir (em alguns momentos) num círculo restrito com os oficiais daqueles serviços, 
sem prévia consulta aos diversos órgãos do partido no poder.

A IMPRENSA ESTRANGEIRA
No início do último trimestre de 1976, um grupo de jornalistas nacionais e o cineasta mauritano Abid Med Honda, contra todas as previsões, visitaram M'telela no âmbito de uma digressão que faziam pelo norte do País. Com a excepção de Muradali Mamadhusen, então Director Nacional de Informação no Ministério da Informação, os restantes componentes do grupo não sabiam em que local de Niassa se encontravam. De Lichinga, foram todos introduzidos em viaturas tendo seguido para um destino incerto. Chegados a -M'telela, reconheceram de imediato Uria Simango e Joana Simeão.
"Na altura" - segundo relataria um dos jornalistas "a nossa preocupação imediata foi ver o estado de espírito em que se encontravam esses homens e se estavam sendo bem tratados, embora o comandante do campo - um tipo alto e forte, todo ele simpático para connosco - nos tivesse garantido que os presos estavam sendo bem tratados, custou-nos a acreditar pelo semblante que ostentavam aqueles detidos. Ao responderem as nossas perguntas, os presos transmitiam no seu olhar uma mensagem de tristeza e profunda angústia. Víamos medo nas suas respostas porque estavam a volta guardas a controlar todos os movimentos. Para despistar aqueles guardas, e pôr os presos à-vontade. alguns de nós tiveram que mentir 
dizendo que eram jornalistas estrangeiros. Fomos fazendo perguntas em inglês e francês ao que Simango e Joana iam respondendo sem problemas porque os guardas não entendiam essas línguas. De regresso a Lichinga ficou combinado que nenhum jornalista deveria fazer uso do material recolhido. E como o seguro morreu de velho. Muradali recolheu tudo, desde apontamentos, filmes, gravações, etc. Esse material está algures aí em Maputo, certamente com os detentores do poder. Os presos estavam sendo maltratados. Julgo que previam um fim fatal. 
(Eliodoro Baptista)

UMA DATA PROVÁVEL
Mas a data de 25 de Junho de 1977, segundo aniversário da Independência nacional, tida como o dia da saída dos presos do Centro de acordo com Maria Flora Ribeiro - e data prováveis da execução dos mesmos, entra em colisão com uma das principais testemunhas de M'telele - Manuel Pereira - como mais adiante se verá, Contudo, é curioso notar que aquela data poderá, de facto, ter sido a data da execução de diversas sentenças decretadas nos corredores do poder em Maputo. Com efeito, a 25 de Junho de 1977, no 
outro extremo de Moçambique, na zona de Nambude em Cabo Delgado, o então director local da Contra Inteligência Militar, António Miguel, é referido como tendo presidido à execução pública de dois antigos 
combatentes, nomeadamente do comandante Joaquim Mandeio Muthamangue, cognominado Francisco Ndeio e do seu adjunto Pedro Canisio.
No decurso da tarefa que the fora incumbida, Pereira constatou que Uria Simango e outros políticos detidos no Centro de M'telela, haviam sido executados em Outubro de 1978. O ano de 1978 como altura 
provável da execução dos prisioneiros políticos voltaria a ser ventilado pelo próprio Sérgio Vieira no decurso de um debate televisivo em 2001. Ao se abordar o sistema de reeducação no Moçambique pós-Independência, Vieira admitiu terem havido falhas durante a vigência do monopartidarismo em Moçambique. Sem precisar datas, afirmou que no período entre 1978 e 1979 se haviam cometido excessos, tendo os mesmos culminado com a execução sumária de presos políticos. Em particular, Vieira afirmou ter assinado e ordenado diversas execuções extrajudiciais. Todavia, em jeito de conclusão, 
afirmou que não se sentia arrependido.

E SIMANGO NÃO PEDIU PERDÃO
Para RR, os presos políticos foram executados em Junho de 1980 pouco depois da passagem de Samora Machel por Niassa a caminho de Madagáscar. RR que estava ligado as Forcas de Defesa e Segurança na 
cidade de Lichinga, diz que lembra-se muito bem do mês porque Samora fez uma escala rápida em Lichinga e no dia seguinte estava de volta a Maputo para anunciar a nova moeda, a metical.
CF por sua vez, citando afirma que a sua fonte informou que o Rev. Simango foi severamente maltratado durante a sua audição. Permaneceu de pé quase seis horas consecutivas perante as pardas figuras que o exigiam que pedisse perdão. Alguns dos presos aflitos, acabaram acedendo ao pedido na esperança de verem as suas penas comutadas. 
Contudo, a despeito do cansaço físico que denotava e a constante zombaria à sua volta, Simango negou continuamente pedir perdão. "Não vejo razão nenhuma que me leve a ter que pedir perdão. Não fiz mal 
nenhum. A quem devo pedir perdão, aos senhores?" - insurgia-se constantemente Simango, de acordo com a mesma fonte.

NACIONALIDADE E RELIGIÃO
Em 1957 foi-lhe concedida uma bolsa de estudos por uma instituição religiosa nos Estados Unidos da América. Todavia, as autoridades coloniais impediram-no de se ausentar de Moçambique para prosseguir 
os estudos. Segundo pessoas da época, a recusa fundava-se no facto de, até então, estarem frescos na memória das autoridades portuguesas os transtornos causados por Kamba Simango aquando do seu 
regresso dos Estados Unidos à cidade da Beira. Certamente, as autoridades consideravam ser perigoso se Uria trilhasse os mesmos caminhos que kamba. Para além do mais, vivia-se nessa altura outra turbulência causada por um outro Simango-Sixpence - promotor do Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala. A coberto do Núcleo, Sixpence Simango e seus correligionários, os Negrófilos, como habitualmente se identificavam os membros do Núcleo, transformaram-se em ouvido e fiéis mensageiros das populações negras perante as autoridades. 
Contra as sevícias infringidas pelas autoridades coloniais contra a população negra, o Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala destacava-se nos pronunciamentos em nome dos oprimidos.
O destino havia apanhado o jovem pastor Uria Simango nesse ambiente de discriminação racial e de perseguições. 
A semente do nacionalismo havia sido plantada anos antes pelo Rev. Kamba. Todavia, o conceito de nação em Manica e Sofala, e em particular entre as populações da etnia shona, agudizar-se-ia com o deflagrar do motim da Machanga. O motim seria urna das principais fontes de inspiração para uma luta aberta contra a presença colonial portuguesa em Moçambique. Vários jovens abandonaram nessa época a colónia indo refugiar-se na então Rodésia do Sul. Do Búzi, onde trabalhava numa empresa açucareira, saiu o principal percursor da Udenamo, Lhomulo Chitofo Cwambe, mais conhecido por Adelino Gwambe. 
Muitos outros abandonariam Mocambique exilando-se nos países vizinhos.
Mas da leitura de um estudo recente sobre e motim de Machanga, 
depreende-se que o levantamento não tinha um cunho político, pois foi motivado pelo comportamento irresponsável de alguns funcionários administrativos corruptos que haviam desviado donativos de 
emergência para as vitimas dum ciclone que havia assolado a zona.
Simango havia tomado conhecimento da Constituição na África do Sul, por um grupo de moçambicanos oriundos maioritariamente de Mambone e Machanga de uma associação denominada Associação Fúnebre de Moçambique (AFM). Ferraz de Freitas queria saber de Urias Simango e Ngwenha qual o papel que a Igreja Protestante havia tido nos levantamentos de Machanga e Mambone.
Para além de mais, sendo Resende um agente do Vaticano, não poderia na altura fazer mais ondas do que então fazia. Pelo que Simango nunca se expunha muito perante o bispo no respeitante à independência das colónias portuguesas. Contudo, de Resende e Bertulli, soube Simango extrair grandes ensinamentos. Tanto um como outro nutriam denodada admiração pelo jovem pastor negro que, contrariamente à maioria naquela época, falava bem o português e o inglês, e tinha ideais claros sobre a salvação humanidade.
 --------------------------------------------------------------------------------MOÇAMBIQUE: OS FANTASMAS DE  NACHINGWEA
Centenas de pessoas foram julgadas no campo de Nachingwea nos meses que antecederam a independência de Moçambique. O que lhes aconteceu? Um investigador responde.
Estávamos em 1975 a pouco meses da independência de Moçambique. O fervor revolucionário de mudança sentia-se em todo o país. A Frente de Libertação de Moçambique, Frelimo preparava-se para assumir o poder na certeza absoluta das suas convicções e linha política. Não havia lugar para dissidência ou pontos de vista diferentes.
Nesses meses que antecedem a independência na Tanzânia centenas de pessoas são julgadas pela Frelimo acusadas de vários crimes contra a luta de libertação e contra a revolução.
Agora familiares desses acusados querem saber o que aconteceu aos réus do julgamento de  Nachingwa. Vão formar uma associação. Nachingwea é conhecida pelos moçambicanos como uma das principais bases da Frelimo na Tanzânia. Mas não só. Neste regresso ao passado falamos com o investigador João Cabrita que nos disse que cerca de 300 pessoas foram, julgadas em Nachingwea. Foram acusados de traição ou deserção. Algumas delas são figuras conhecidas como Urias Simango e Joana Simião que seriam fuzilados anos mais tarde num campo de reeducação. Mas Cabrita disse nos que ninguém sabe o que aconteceu á esmagadora maioria daqueles que foram julgados. “Só as autoridades moçambicanas podem revelar isso,” disse o investigador.
Escute  a entrevista de João Cabrita.   

Nota do blog:   Entre a Memórias Silenciadas, título do novo livro do escritor moçambicano  Ungulani Baka  Khosa lançado no dia 1 de Agosto de 2013 em Maputo desvenda o ambiente que se viveu no período em que as pessoas foram concentradas nos centros de reeducação  que João Cabrita prefere chamar de campos de concentração  Vale apenas ler.