FOTOS DA INDEPENDÊNCIA DE MOÇAMBIQUE , O METICAL E O ESCUDO
Bem vindos,
29 agosto 2012
MANIFESTAÇÃO CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS E O MASSACRE DE WIRIYAMU, DURANTE A VISITA DE MARCELO CAETANO A LONDRES (16 JUL. 1973)
MANIFESTAÇÃO CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS E
O MASSACRE DE WIRIYAMU, DURANTE A VISITA DE MARCELO CAETANO A LONDRES (16 JUL. 1973)
Para aprofundar mais sobre o Massacre de Wiriyamu veja o documentário no arquivo do blog.
DOCUMENTÁRIO "A HOSPITALIDADE AO FANTASMA: MEMÓRIAS DOS DEFICIENTES DAS FORÇAS ARMADAS".
DOCUMENTÁRIO "A HOSPITALIDADE AO
FANTASMA: MEMÓRIAS DOS DEFICIENTES DAS FORÇAS ARMADAS".
O documentário foi
produzido no âmbito do Projecto de Investigação "Vidas Marcadas pela
História: A Guerra Colonial Portuguesa
e os Deficientes das Forças Armadas.
Guerra da Beira-Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique
Guerra da Beira
Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique
Fonte: CD- 25 de Abril
Triângulo branco: África do Sul, Rodésia, Moçambique
Na sequência da descolonização da Federação das Rodésias e Niassalândia, da qual resultaram a Zâmbia e o Malawi, a minoria branca da Rodésia do Sul declarou, em Novembro de 1965, a independência unilateral, liderada por lan Smith. Este acontecimento influenciou, de forma decisiva, o evoluir da situação em Moçambique, mesmo para além da sua independência, dez anos mais tarde.
A Inglaterra, como potência colonial, reagiu à secessão da colónia com o bloqueio de combustíveis e a ONU decretou pesadas sanções económicas. A armada inglesa posicionou um conjunto de vasos de guerra ao largo da Beira, controlando a entrada do rio Pungué, no que constituiu a acção mais espectacular do bloqueio, a qual deu origem a incidentes com navios que pretendiam descarregar crude, como o Joanna V e o Manuela. Nos primeiros tempos, surgiram notícias de eventuais desembarques de tropas inglesas, o que levou à transferência das companhias de pára-quedistas de Lourenço Marques para a Beira (onde se instalaram no aeroporto), a vinda de um esquadrão de reconhecimento e o alerta das unidades de infantaria e artilharia da guarnição local. Passados os momentos iniciais, o bloqueio entrou na rotina, com os navios de guerra ingleses a trocarem mensagens com os portugueses, que os observavam, e a realizarem operações de controlo e verificação de carga no alto mar, mais para justificar a sua presença do que para impedir o acesso de matérias-primas essenciais à Rodésia. Estas seguiam, aliás, por outra rota, conhecida de todos: de Lourenço Marques para a África do Sul, que não estava sujeita a embargo, e daí para o seu destino final.
Do ponto de vista das operações militares directas, o bloqueio do porto da Beira não teve outro relevo senão o empenhamento de alguns navios oceânicos da Marinha portuguesa e o estacionamento na cidade de algumas unidades militares que poderiam estar noutros locais de guerra activa, muitos quilómetros a norte, no Niassa e em Cabo Delgado. Contudo, a complexa malha de interesses que se criou à volta da independência da Rodésia e a necessidade de os líderes da colónia rebelde assegurarem a sua viabilidade económica através da importação de matérias-primas, especialmente petróleo, e de exportarem as suas produções teve importância decisiva no evoluir da situação de Moçambique, porque transformou este território no terceiro vértice de um triângulo regional que contava com a África do Sul e a Rodésia branca e independente. A sorte de Moçambique ficou amarrada a estes dois parceiros, dos quais um representava o único regime de apartheid racial oficializado e o outro resultava da independência branca à revelia da potência colonial.
A opção de apoiar a independência da Rodésia foi tomada por Salazar, a quem lan Smith pediu apoio em Lisboa. Só depois de obter garantias de que Portugal manteria abertos os seus portos e vias de comunicação é que Smith avançou para a independência, num acto que constituiu bom pretexto para Salazar afrontar, por via indirecta, os ingleses, na sequência da questão dos Açores durante a II Guerra Mundial, da ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana e das posições do Governo inglês em relação ao problema colonial português.
A montagem do esquema para furar o bloqueio ao porto da Beira e as sanções da ONU é reveladora da forma como Salazar agia na cena internacional. Enquanto a África do Sul tratava o assunto por via do seu ministro da defesa, P. W. Botha, e a Rodésia através do seu primeiro-ministro, lan Smith, Salazar evitava afrontar directamente a Inglaterra, utilizando homens de confiança, como Manuel Bulhosa, dono das empresas petrolíferas Sonap, Sonarep e Oil Com, esta última estabelecida no Malawi, e o engenheiro Jorge Jardim para as manobras e encontros na sombra.
Mas independentemente do carácter mais ou menos secreto das iniciativas do engenheiro Jardim e dos negócios de Manuel Bullosa, o apoio de facto à Rodésia transformou Moçambique em base de acções inamistosas de Portugal contra a Inglaterra e contra a ONU, enquanto a aliança com o regime do apartheid, abertamente hostil aos Estados Unidos, dificultou ainda mais as relações com a super-potência ocidental.
Esse apoio aumentou o isolamento internacional de Portugal e teve como consequência fazer com que Moçambique caísse na quase completa dependência estratégica da África do Sul e da Rodésia, tornando-se uma extensão do teatro de operações daqueles seus aliados regionais. Esta dependência surge com particular evidência quando a guerra desceu do longínquo Norte para a zona de Tete, ameaçando os interesses vitais da Rodésia e da África do Sul. Então, já desaparecido Salazar, com quem os líderes sul-africanos e rodesianos haviam estabelecido os acordos iniciais para a sustentação da independência da Rodésia, a condução estratégica da guerra passou para as mãos dos agentes que neles estiveram envolvidos, em boa parte à margem dos circuitos oficiais.
Foi o tempo da Aliança Alcora, projecto de contornos nebulosos onde surgiam aliados Angola, Moçambique, África do Sul e Rodésia. Esta aliança, nunca oficializada, serviu para encobrir a divisão de áreas estratégicas entre a África do Sul e a Rodésia na intervenção nas duas colónias portuguesas, ficando a primeira encarregue de Angola e a segunda de Moçambique. Proporcionou também, à margem dos detentores dos cargos de Governo e de chefia militar, a criação de uma rede de contactos entre serviços de informações e policiais. Foi a época em que os directores dos serviços secretos e das polícias políticas da África do Sul (BOSS), da Rodésia (CIO) e de Portugal (DGS) se reuniam em Salisbúria para coordenar acções e em que o engenheiro Jorge Jardim deu os primeiros passos em direcção à Zâmbia de Keneth Kaunda, com o conhecimento e apoio de rodesianos e sul-africanos.
A independência da Rodésia e o bloqueio do porto da Beira que lhe esteve associado foram, assim, determinantes no evoluir da situação em Moçambique, porque promoveram a criação de uma tríplice aliança, primeiro entre Portugal, Rodésia e África do Sul e, após a morte de Salazar, entre Moçambique e os seus dois parceiros, o que constituiu incentivo à emergência de um novo poder nesta colónia, protagonizado pelos homens de origem europeia que poderiam seguir o exemplo da Rodésia, nomeadamente Jorge Jardim, e desvalorizou os detentores dos poderes delegados pela Metrópole, o governador e o comandante-chefe.
Assim, a partir do momento em que a guerra chega a Tete e a Rodésia começa a duvidar da capacidade dos militares portugueses e do seu comandante, o general Kaúlza de Arriaga, para evitarem a progressão da Frelimo para sul do corredor da Beira, os rodesianos e, em menor grau, os sul-africanos agem em duas direcções: tentam promover uma alternativa política local, incentivando Jorge Jardim, e pressionam o Governo de Lisboa a substituir o general Kaúlza de Arriaga, de cujas concepções tácticas discordam. Desde a data em que as forças rodesianas começaram a actuar de forma regular na zona de Tete, com helicópteros, aviões, pisteiros e unidades de combate, e os aviões C-130 da África do Sul supriram as dificuldades de transporte e estacionamento em Porto Amélia, para daí partirem com reabastecimentos até Mueda, a guerra em Moçambique passou a ser conduzida de vários postos de comando, do qual o menos importante era o Quartel-General de Nampula.
Fonte: CD- 25 de Abril
28 agosto 2012
FESTIVAL DE TIMBILA - M'SAHO
FESTIVAL DE TIMBILA - M'SAHO
FOMOS à Zavala (Quissico) para vermos a
realização do M’saho, o festival de timbila que vai na sua décima oitava
edição, que se realizava sob o lema “Plantemos o mwenge para preservar a
timbila”.
Queríamos testemunhar a execução de
uma grandeza rítmica que só a timbila é capaz de proporcionar.
Vários grupos se fizeram ao palco do
Miradouro, ponto a partir do qual, é também possível observar um outro
espectáculo criado pela natureza: o longo lençol verde formado, na sua maioria,
por palmeiras e que é atravessado pelas límpidas e cristalinas águas das oito
lagoas de Quissico que se comunicam com o Oceano Índico. Beleza paradisíaca.
Não há dúvidas de que esta é e será
sempre uma das maiores manifestações culturais originais e genuínas que
Moçambique e o seu povo se orgulham de possuir: a Timbila.
E desta vez o palco do Miradouro não
era somente para a timbila. O Mapiko e o Tufo – duas expressões culturais das
províncias de Cabo-Delgado e Nampula – foram se juntar àquele local. Uma
excelente ideia.
Até porque a intenção é mostrar o
rico e grandioso património cultural de Moçambique. Inesgotável.
Esta simbiose cultural acontece numa
altura em que o Mapiko e o Tufo são expressões que querem ser candidatadas ao
património oral e imaterial da humanidade. O mesmo acontecendo com o Xigubo de
Gaza. Um gesto digno de realce e que cimenta a unidade nacional.
Até porque é interessante ver gente
proveniente de todas as latitudes do país a ir “acocorar-se” em Quissico e
deixar-se embalar com o mavioso som que só a timbila é capaz de oferecer.
Hino do M’kwaio
O bater dos escudos no chão,
em simulações guerreiras, vai nos fazer viajar pelos tempos dos guerreiros de
Ngungunhane e Maguiguana. Mas tudo isso não vai acontecer antes da actuação do
mkwaio, que é a selecção dos melhores marimbeiros de Zavala. E o mkwaio será
para executar o Hino Nacional, com recurso a timbilas. Um espectáculo de encher
os olhos.
Depois seguiu-se o célebre tema de
homenagem ao mestre Chambine, um dos maiores marimbeiros e grande compositor de
que há memória em todo o distrito de Zavala.
Natural da localidade de Mavila, na
zona entre Matimbine e o litoral, foi o mestre Chambine que compôs um dos temas
que a Rádio Moçambique sempre usava na abertura das suas emissões.
Timbila de
Chizaho
O grupo Timbila de Chizaho,
criado pelo Professor Cremildo Pedro Nhantole, é um dos melhores de
actualidade, tendo até ter sido escolhido para representar Moçambique num
festival internacional de cultura, que teve lugar entre os meses de Abril e
Maio, na França.
Este grupo infanto-juvenil tem uma
alta capacidade de criatividade e coreografias giras. São oito marimbeiros que
compõem a orquestra, sendo dois que tocam “xibembe” que equivale ao baixo, dois
contra-solos e quatro solistas.
O grupo exibiu-se muito bem. Pena
não ter sido dado tempo suficiente para que eles actuassem. É que cada grupo
tinha direito a 25 minutos, mas isso não aconteceu com o Timbila de Chizaho.
Este grupo foi criado em Abril de 2002, na povoação de
Chizaho. No total são 38 membros, mas devido às condições criadas no local
levaram simplesmente um número suficiente capaz de ser devidamente atendido em
Quissico.
Mapiko e Tufo em doze
dupla
Depois veio o Tufo, com uma
excelente actuação das belas coristas muthianas, todas com os rostos pintados
de m’siro.
Criado no longínquo ano de 1931, o
grupo de Tufo Estrela Vermelha de Carrumpeia vai se renovando com o tempo. E em
Quissico eles exibiram uma coreografia estonteante que demonstra vários
momentos do dia. A coreografia inicia com o despontar do sol e as actividades
que encerram este dia. Depois vem o dia até ao seu fenecer.
E para representar estes diferentes
momentos do dia, o grupo foi mostrando diferentes vestes cujas cores o
simbolizavam o seu percurso.
A coreografia expressa ainda aquilo
que é também a mulher macua, e, no geral, a moçambicana: esbelta e esguia,
culta e trabalhadora.
Tanto o Mapiko como o Tufo
exibiram-se em dose-dupla, porque o público pediu mais, o que demonstra não
somente satisfação, como também espanto curiosidade. Parabéns os organizadores
do evento pela ideia, pois isso permitiu que muita gente que nunca tinha visto
estas expressões culturais entrasse em contacto com elas. E os grupos que lá
estiveram não deixaram os seus créditos em mãos alheias.
E nós exaltamos aqui a importância
da troca de experiências entre os vários grupos culturais dos diferentes pontos
do país e também entre os artistas.
Por exemplo, era a primeira que
estes dois grupos actuavam numa das províncias da região Sul do país, daí os
integrantes do grupo terem também ficado maravilhados com a exibição dos grupos
de timbila. Até já se pensa em futuras colaborações, isto em prol da cultura
moçambicana.
Timbila ta
Mwane
Ngalanga de Inharrime
Tal como todos os grupos de timbila que se
exibiram, Ngalanga de Inharrime foi palco de Quissico com novos elementos, na
sua maioria, jovens que se iniciam neste exercício de dança. É bonito ver que
estes estão sempre acompanhados por gente mais velha que está nestas lides há
mais tempo. Os passos são fortes, firmes, revelando maturidade.
Enorme varanda para
espreitar o Indico
Mas Zavala não é somente o
berço da timbila. É também terra da castanha e da mandioca e de m’tona, o
azeite africano feito com recurso a sementes de mafurra. Zavala oferece também
xibehe, produzido com recurso a mafurra.
Falemos então dos momentos mais
marcantes do evento.
Do miradouro pode visualizar-se o
verdadeiro paraíso que a natureza destinou aos zavalenses: surgem as lagoas de
Quissico, as dunas e montanhas e depois o Índico, dando-nos um conjunto
ecológico e paradisíaco empolgante, próprios de uma vila que se pode
transformar numa bela cidade futura, próspera, fanhosamente animada de
actividade turística, cultural, industrial, comercial, pesqueira e de prestação
de serviços, conforme deseja que aconteça Rodrigues Mário, secretário-geral da
Associação dos Naturais e Amigos de Zavala (AMIZAVA).
É ele quem nos diz que o interesse
em realizar o M’saho já transcende o desejo e a vontade dos promotores deste
evento, colocando-se como uma exigência e necessidade do público. E é uma
responsabilidade de que a própria Associação não pode e nem deve eximir-se
dela.
- Francisco
Manjate
HISTÓRIA ORAL: OS RISCOS CONSCIENTES - OU VALE A PENA ARRISCAR
HISTÓRIA ORAL: OS RISCOS CONSCIENTES - OU VALE A PENA ARRISCAR
Maria Manuel Cruzeiro
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Toute l´histoire du
monde ne me paraît souvent rien d´autre qu´um livre d´images reflétant le
plus violent et le plus aveugle des hommes: le désir d´oublier - Herman Hesse Le
voyage en Orient
Nada é verdade fora do tempo - Eduardo Lourenço
Se fosse objecto era objectivo. Como sou
sujeito, sou subjectivo - Alçada Baptista
1. A História é feita por homens.Do lado
de quem a faz e de quem a estuda, estão homens e mulheres com sentimentos,
emoções, vivências. E o maior fascínio da História (que a torna única) é que
o seu objectivo é a própria vida total do homem.
O outro é que ela é tão complexa e rica
que são imensas as estratégias e os caminhos para a revelar ou esconder.
Entre eles está a HISTORIA ORAL.
Crescentemente utilizada na história contemporânea, pode apresentar
dificuldades: elevado grau de subjectividade do testemunho na primeira
pessoa, confronto permanente do investigador com a dificuldade em discernir o
verdadeiro do falso, o essencial do acessório.
Na maior parte dos casos, esta
dificuldade leva à relativização dos materiais, obrigando à confrontação com
outros.
Mas há um outro aspecto que lhe pode
ampliar o valor: a lembrança do pormenor, a impressão subjectiva como dados
caracteristicamente humanos, encontram‑se aqui em doses muito maiores, do que
em qualquer outra fonte, suscitando uma impressão de vida e de totalidade que
é muito sedutora e útil.
Alguns exemplos da
importância da História Oral
1. Uns mais leves que outros, os cravos
de Abril - a importância do testemunho de Celeste.
2. Outro mais cómico: o da forma como
Salgueiro Maia levanta os homens para a saída: Há várias formas de o estado
se organizar: Estado fascista, estado liberal, estado socialista... e o
estado a que tudo isto chegou...
3. Finalmente uma outra mais dramática: A
história da repressão e da PIDE: O exemplo da Exposição da Torre do Tombo:
feita apenas com base em documentos escritos.
4. Organigrama da organização: Director,
inspectores, agentes, informadores.
5. Mandatos de captura, autos de
apreensão de material vário, relatórios, processos de acusação. A polémica
sobre expor ou não a correspondência particular (Soares sim... Barreto
não...)
E o que fica de fora?
O que não se passou por não haver
documentos?
As violências, as chantagens, as
torturas, os espancamentos, os julgamentos sumários, os assassinatos:
Delgado, Dias Coelho, Catarina Eufemia, Alex, etc etc... Ou o militante que
se atirou do 3º andar da António M Cardoso ou o anónimo morto na manifestação
do 1° de Maio de 62. Ou as vítimas de morte natural ou suicídio nas prisões.
Enfim: a sórdida e mesquinha actuação de
uma polícia onde chocavam tanto os crimes, como as pequenas e medíocres
actuações dos agentes: vigiar, intrigar, chantagear, enfim, tornar as almas
mais pequenas. Expedientes quase imperceptíveis: a prisão em determinadas
épocas do ano: ( Louzã Henriques.)
Algumas questões
metodológicas gerais:
Embora utilizada desde a Antiguidade, A
Oralidade enquanto método de Investigação Histórica, só é recuperada na
década de 20 do século passado com os historiadores dos Annales. Na verdade
desde que a História se constitui como disciplina académica, (Sec XVIII), que
a oralidade foi relegada para segundo plano, em relação à escrita. Juntamente
com a escola, a escrita é a instituição de
dominação por excelència da burguesia.( apesar do ex. de Michelet, )
A Historiografia Positivista reivindica a
história como ciência, com base justamente no documento escrito,
erigido como prova de objectividade. Esta seria garantida pelo
documento ou mais precisamente pela tecnica de leitura do mesmo (
paleografia, diplomacia, epigrafia). Segundo Jacques Le Goff o
termo Documento vem do latim DOCUMENTUM, derivado de DOCERE que significa
ensinar. Para os positivistas o que o documento ensina, é o fundamento ou a prova do
facto histórico.
O Conceito de Documento opoe-se ao de
MONUMENTUM, que provém do verbo MONERE, que significa fazer recordar, avisar,
iluminar, instruir, e é utilizado pelo poder não como documento objectivo,
mas como intencionalidade. Daí que quando se utiliza o Documento se pretenda
uma inocência que ele não tem. Como explica Le Goff e M. Foucault todo o
documento é monumento, enquanto se não apresenta a si mesmo, antes contém uma
intencionalidade que é, pelo menos nacionalista, quando não imperialista. “ O
Documento é monumento. É o resultado do esforço feito pelas sociedades históricas,
para impor ao futuro – querendo-o ou não – aquela imagem de si mesma. Em
definitivo não existe um documento-verdade. Todo ele é mentira. Cabe ao
historiador não fazer o papel de ingénuo.
A revolução historiográfica desencadeada
pelos teóricos da Escola dos Annales, impulsionou o desenvolvimento da HO,
como via privilegiada para a humanização da História.Apesardos
contextos inibidores quer de natureza política, quer académica.
A Moderna História Oral surgirá na década
de 40, pós 2ª Guerra Mundial. Com os sociólogos da Escola de Chicago, e a
partir de então várias tendèncias se delinearam:
A primeira constituída por entrevistas
com élites políticas ( a História de cima)
Depois, com Paul Thompson, a história dos
excluídos, (A História de baixo) A Voz do Passado.
Embora a segunda tenha surgido para
contrabalançar a influência da primeira, ambas podem e devem estabelecer
relações e interacções na valorização dos diferentes e heterogéneos depoimentos,
assim como na sistematização de novas áreas temáticas.
Mais recentemente Alessandro Portelli não
encara a História Oral como instrumento para fornecer informações sobre o
passado, o que lhe interessa é a subjectividade dos narradores.
Não é, pois, o resgatar da fala dos dominados ou dominadores, o ineditismo,
ou mesmo o preenchimento de lacunas, que lhe interessa, mas sim a recuperação
do vivido, segundo a concepção de quem o viveu.
Nesta valorização da subjectividade se
desenvolvem outras tendências que no diálogo com a semiologia de Barthes, a
análise do discurso, e a poética de Bachelard, se assumem como Hermenêutica
do Presente; isto é: uma leitura radical através do redimensionamento das
acções, do ser, dos saberes, das existências, dos discursos, que conduzirá a
uma outra reflexão.
Partindo de Karl Popper, e passando por
Bachelard, os hermeneutas proclamam o carácter ilusório do conceito de
objectividade, afirmando que não existe na ciência um movimento do real para
o imaginário, e sim um imaginário fundante que cria e recria o que
denominamos REAL.
Há quem pense contudo que a Hermenêutica
do Presente já pouco tem a ver com a H O , porque se afasta radicalmente da História,
e se aproxima da literatura. Na verdade o conceito de texto
virtual abre para uma outra dimensão bem patente nesta citação de Meihy:
“A questão da verdade neste ramo da história oral depende exclusivamente
de quem dá o depoimento. Se o narrador diz, p ex, que viu um disco voador,
que esteve noutro planeta, que é a encarnação de outra pessoa, não cabe
duvidar. Afinal, este tipo de verdade constitui um dos eixos da nossa
realidade social e, em último caso, não buscamos saber se existem ou não
ovnis, ou espíritos. A nossa busca implica entender a forma de organização
mental dos colaboradores” ( Meihy,2.000:63-64).
Esta brevíssima nota pretende apenas
sublinhar a complexidade do método e as variadas correntes que dele se
reclamam. Serve também para delimitar com clareza o nosso próprio caminho
Entre a História e o
Jornalismo
Outro aspecto que nos separa da historiografia
tradicional diz respeito ao momento de constituição do documento: O
entrevistado fala sobre o passado, posicionado no presente.
Diversamente de um documento cartorial, a narração na entrevista é uma
narração baseada na recordação, na rememoração de factos
acontecidos. Ao contrário da análise de um monumento erigido a um facto
heróico passado, ou de um quadro romântico retratando uma batalha medieval,
não nos interessa tanto esse presente no qual foi feita a fonte, mas sim o
que a fonte nos diz sobre o passado.
Este é um caminho tortuoso, pois somos refèns
da Memória, que é um processo mutável, sempre em renovada construção.
Lembrar nunca é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar com imagens e
ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, ao
contrário do que pensava Bergson: é trabalho. A lembrança é uma imagem construída
pelos materiais que estão, agora, a nossa disposição.
E a questão crucial que fica é: será que
a visão do homem de hoje é a mesma que ele tinha no momento do acontecido?
Obviamente que não. Como trabalhar com esta “evidência oral” no
dizer de Thompson? Será atermo-nos aos factos narrados, aos acontecimentos
descritos, aos números, datas, locais, para depois conferir? Ou ainda para
usá-lo como faríamos com outro tipo de documentação?
A opção actualmente tem sido perceber
como o discurso da pessoa se constitui, no presente, ao narrar o passado
(Portelli). Muitas vezes estamos mais interessados em como a pessoa vê o seu
passado, do que aferir se o que ela narra aconteceu realmente.
Isto não implica aceitar, de modo
acrítico, a história de vida da pessoa, como uma narração do acontecido.
Há um limiar entre compreender que existem versões e afirmar que só existem
versões.
Em H O , menos do que afirmar o
relativismo total da Verdade, trata-se é compreender a formação
das verdades dentro das histórias de vida, para poder reflectir, num
segundo momento sobre o passado:
Interessa, menos do que postular os
factos verdadeiros do passado, entender os mecanismos de construção desse
passado, buscando num segundo momento, o entendimento analítico-histórico dos
factos acontecidos. Menos do que detectar mentiras, interessam- nos as
versões. Que variam, inclusivé dentro das próprias narrações de cada um,
( A louca da casa Rosa Mantero)
2.Não somos Jornalistas
Para haver HISTÓRIA ORAL deverá haver uma interpelação
objectiva, conduzida por um entrevistador, destinada a
confrontar o entrevistado com recordações ou memórias de
factos de que tenha tido uma experiência directa
Não somos jornalistas, apesar de o nosso
trabalho ser considerado parente (às vezes pobre) do jornalismo. A confusão
involuntária ou não nasce do facto de a HO se realizar através de um
entrevista, aparentemente especialidade de jornalistas.
Daí o nosso trabalho ser frequentemente
avaliado por estes como incursão em terrenos próprios. Não raro assistimos a
críticas ora sobre a pertinência de certas perguntas, ora sobre a falta
clamorosa de outras, ora sobre a rigidez do guião, ora sobre a sua demasiada
flexibilidade, ora sobre o excessivo dirigismo do entrevistador, ora sobre o
seu apagamento. Tudo conforme o estilo do jornalista que nos cabe em sorte.
Desde o mais agressivo que gosta de encostar os seus entrevistados à parede,
para o confrontar com factos ou opiniões que ele tem que confirmar ou
infirmar, ao mais insinuante que “rouba” ao entrevistado confidencias ou
revelações até então ciosamente guardadas. O primeiro achar-nos-á sempre
pouco directos o segundo pouco ousados.
Na verdade, de comum com o jornalismo a
HO tem o facto de usar a entrevista. Mas uma entrevista em tudo
diferente.
1 A primeira diferença começa logo na
relação estabelecida com a pessoa a ser entrevistada. A opção por colaborador,
( e não depoente, informante ou actor), para designar a personalidade que
aceita dar o seu testemunho, é já bastante esclarecedora. O narrador é, dessa
forma, sujeito/colaborador e não somente objecto de conhecimento.
Diferentemente da entrevista jornalística, a HO encara o entrevistado numa
relação de participação muito íntima. Há um vínculo de proximidade e há por
parte do entrevistador um estímulo constante para que a memória progrida ao
mesmo tempo que uma reflexão a respeito do seu conteúdo.
2. Essa relação vai muito para lá da
simples duração da entrevista: Começa na preparação do roteiro e vai até à
publicação da Entrevista , quando é caso disso. E para além dos procedimentos
de método, envolve uma componente ética : Obrigação de
sujeitar sempre à vontade do entrevistado a publicitação do conteúdo da
entrevista. Obrigação de respeitar todas as alterações que entenda
introduzir.
3 - Uma entrevista exige um conhecimento
prévio do assunto que vai ser tratado. Exige, naturalmente, o levantamento da
bibliografia existente. Não para conhecer mais do que o entrevistado, mas
para ter uma visão diferente da dele. Se o acontecimentos encerram sempre uma
visão unilateral dos mesmos, o importante de um Programa de H.O é permitir o
registo de memórias de personagens, de lados diferentes do mesmo assunto.
Enquanto um só, oferece uma visão unilateral, vários juntos oferecem uma
análise multilateral.
Há que notar que, acima de tudo, a
entrevista vale pela qualidade e profundidade das respostas,
e não pela sua quantidade. Por isso não tem limites rígidos quer
de tempo, quer de conteúdo, ao contrário da jornalística, nem visa a sua
utilização imediata, que é a divulgação do seu conteúdo de acordo com
critérios de oportunidade e actualidade, impostos de fora
Difere também quer do questionário,
quer do formulário:
Estes são padronizados e aplicados a
pessoas indiscriminadamente, desde que façam parte de determinados grupos
sociais estudados, objectivando a quantidade de respostas iguais e
diferentes, a uma mesma questão. A sua técnica caracteriza‑se por uma pequena
ou quase nula interferência do cientista sobre aquele que responde. Ao
contrário essa interferência é sentida na entrevista, pelo mais íntimo
contacto pessoal entre os dois pólos: entrevistador e entrevistado.
Mas difere também de outro tipo de
entrevistas como sociológica.
Da entrevista sociológica difere, porque
o método usado numa e noutra é completamente diferente: A entrevista
sociológica usa o método indutivo, isto é, cada entrevista é integrada num
conjunto de outras, e só esse conjunto permite concluir algo sobre
determinado assunto.
Acontece que a H O é uma História de
vida, em que cada uma vale por si. Por isso, um conjunto de entrevistas de H
O. não serve para uma análise quantitativa, mas completa‑se entre si, com
informações variadas, em função de vivências diferentes, e pontos de vista
também diferentes.
Em resumo: a sociologia preocupa‑se em
saber quantas pessoas pensam ou fazem igualmente determinada coisa, enquanto
a HO se preocupa justamente pelo pensamento e acções diferentes relativos ao
mesmo assunto.
O entrevistador
Dado que tudo se centra numa conversa (normalmente
prolongada por vários dias ou meses) a relação que se estabelece com o
entrevistador é decisiva para o sucesso ou fracasso do resultado.
Durante a conversa (e até antes, na sua
preparação) os dois influenciam‑se, consciente ou inconscientemente, por
gestos, expressões fisionómicas, olhares. Para além disso, como duas
personalidades em confronto, é inevitável que, a cada momento determinem, a
condução do diálogo num sentido ou noutro. Também esse risco, aliado aos
silêncios, às hesitações, aos esquecimentos, ao prazer de algumas questões ou
ao desconforto de outras, fazem de cada HO um documento único e irrepetível,
revelador como poucos de uma vida, de uma personalidade, e não apenas o
registo de um percurso frio e impessoal, e nem por isso mais verdadeiro.
De nada interessa um entrevistado com
grande preparação, se o entrevistador não tiver condições de explorar esse
manancial de informações. (Ex. Alteração do guião de Costa Gomes ou de Melo
Antunes)
Daí que o relacionamento entre os dois se
possa traduzir por dois elementos essenciais, segdo Willia K. Baum: Intuição
e calor ou camaradagem: "O entrevistador deve ser alguém que tenha
condições de se sentar calmamente, e escutar. Que esteja disposto a deixar o
entrevistado expressar uma opinião contrária à sua, sem sentir vontade de o
contradizer, ou de o convencer. Mas que, por outro lado, não tenha receio de
interromper, com uma pergunta ou um comentário. Que consiga dominar sempre a
situação, sem nunca perder o controle, mesmo remoto do assunto.
(Ex. A minha inpaciência face às
delarações de Costa Gomes sobre a fortuna pessoal de V.G. ou a vontade de
entrar em polémica com S. Maia, A oposição nunca fez nada, os exilados eram
todos uns cobardes, a guerra colonial como o melhor tempo da sua vida)
Finalmente, que seja capaz de acompanhar
qualquer tema inesperado que surja, com interesse e perguntas apropriadas.
Tipos de Entrevistador a evitar:
O falador compulsivo ‑ Extensas
considerações e ainda mais perguntas.
O dominador ou autoritário ‑ conscientemente
ou não pretende condicionar as respostas
O demasiado colaborante ‑ antecipa as
próprias respostas com intenção de ajudar o entrevistado. (Ex. V.G Diga a
senhora o que é que tem aí...)
O Entrevistado
Na imensa variedade, há que ter cuidado
determinado tipo de personalidades:
O Cronista - descreve a sua experiência,
ordenando os acontecimentos sem os explicar.
O Auto-defensivo - descreve e apresenta
sempre uma justificação para todas as suas acções.
O Confessor - revela com todo o pormenor
os dramas íntimos até então ocultos.
O auto-analista - disseca com rigor cada
um dos seus actos e pensamentos.
O demasiado colaborante - o que começa
logo a falar enquanto se prepara a entrevista, o que obriga a fazer depois as
mesmas perguntas.
O desconfiado ou excessivamente modesto -
que recusa. à partida, qualquer influência ou protagonismo.
O ressentido ou amargurado - evita falar
de coisas que lhe são dolorosas ou de feridas não saradas.
O surpreendido ou indisponível - Por
razões reais ou aparentes, alega falta de tempo, de memória ou de saúde.
(Ex. Meio Antunes recusa os factos, V.
Lourenço, não esquece nada)
Conclusão :
Cabe ao entrevistador fazer surgir em
cada entrevistado a faceta que lhe é mais característica, e explorá-la no
sentido mais positivo. O entrevistado ideal seria o que tivesse todas estas
característica juntas, sem nenhuma em erxcesso.
Cabe, finalmente ao entrevistador
acompanhar, deslaçar os fios da memória, e, por vezes, desatar os nós em que
este frequentemente se enreda. Um trabalho só possível numa atmosfera de
respeito, cordialidade, e colaboração. De hostilidade amigável.
Entre a passividade de quem só ouve, e a agressividade impaciente de quem não
quer ouvir, ele terá, sobretudo, que saber ouvir.
A História Oral no CD 25 de Abril: Breve referência
Sendo um método relativamente recente no
nosso país, necessita alguns esclarecimentos prévios:
Por vezes confunde‑se A HISTORIA ORAL com
a TRADIÇÂO ORAL. Ambas são técnicas de investigação que assentam na oralidade
como forma de comunicação e utilizam o mesmo tipo de materiais, para
captação, gravação e armazenamento de informação.
Também o tipo de suporte de informação a
que ambas dão origem é semelhante: registo sonoro, registo video. transcrição
em suporte escrito, etc...)
O que verdadeiramente as distingue é o
tipo de informação que visam recolher.. Já em relação à tradição não será
necessária a experiência directa de quem reproduz a informação, sendo o
conhecimento dessa informação resultado do método secular de transmissão
oral.
O crescente recurso a estas técnicas de
investigação determinou, nas últimas décadas, o aparecimento de documentos
fixados em suportes materiais que designamos, de uma forma genérica, por
produtos da aplicação de "novas tecnologias” surgidos com o avanço
tecnológico da 2º metade do séc. XX. As gravações sonoras e os registos vídeo
(videogramas) têm sido os mais utilizados.
Os arquivos e centros de Documentação
especializados começaram assim, a ser confrontados com a necessidade de
adaptar os métodos e técnicas de arquivística e biblioteconomia a esses novos
tipos de suportes de informação.
Em Portugal não é ainda muito corrente a
incorporação, nos Arquivos Públicos, de documentos desse tipo. Mas adivinha‑se,
à semelhança do que já há muito acontece, em grande parte dos países europeus
, da América do Norte e do Brasil, que, em breve, os serviços sejam confrontados
com o aparecimento nos seus acervos de muitos desses novos suportes de
informação (registos sonoros, registos vídeos, discos compactos, bandas
magnéticas, etc...)
No CD25 de Abril, a par de um valioso
acervo documental desse tipo, temos vindo a produzir o nosso próprio arquivo
de HISTÓRIA ORAL com um objectivo concreto, e de acordo com um vasto programa
de produção de fontes históricas.
A recolha de entrevistas de HO é uma
tarefa metódica, que obedece a um plano prévio, estabelecido em função dos
objectivos que a instituição visa alcançar. A esse plano chamamos Programa de
História Oral. Teve como modelo o Programa de H O da Fundação Getúlio Vargas
no Rio de Janeiro.
Portanto: no caso do CD 25 de Abril,
entendemos por PROGRAMA de H.O o conjunto planificado de entrevistas ou de
depoimentos orais, recolhidos com vista a complementar os arquivos
existentes, a suprir eventuais lacunas, ou mesmo a produzir nova informação,
tão completa quanto possível, sobre factos que virão a ser objecto de futuros
estudos científicos na nossa área de intervenção: Movimentação político‑social
entre os anos de 1958‑1976.
Procedimentos metodológicos
Concilia a chamada história biográfica
(História de Vida) com o depoimento ou testemunho sobre um tema específico.
Assim, cada HO pretende conciliar uma História de Vida, com a abordagem mais
sistemática e aprofundada de determinados acontecimentos decisivos para a
história do 25 de Abril, de forma a esclarecer a participação individual
específica nesses acontecimentos, possibilitando, ao mesmo tempo, uma
reflexão pessoal sobres os mesmos.
Isto é: Por um lado recolhemos os
testemunhos de personalidades sobre acontecimentos por eles vividos mas
inseridos no próprio percurso biográfico e nos acontecimentos aparentemente
menores que os contextualizam e lhe dão sentido.
Trata‑se de biografias eminentemente
políticas, e nessas quase exclusivamente das elites políticas.
Esta recolha directa de informação não
sendo, sob o ponto de vista metodológico, NEUTRA, deve evitar simultaneamente
duas deformações de método muito frequentes:
Por um lado, o excesso de peso
interpretativo, que, por vezes abafa o facto, sem nunca o recuperar na sua
dimensão vivencial, exclusiva e original.
Por outro o culto exacerbado pelo
pormenor, pelo fragmento, pelo irrepetível, em última análise, pelo puramente
factual e descritivo.
Não deixa de ser interessante assinalar o
interesse crescente que se vem notando, quer entre os estudiosos, quer entre
o público em geral, pelos relatos na primeira pessoa, pelas biografias, pelas
memórias, cuja publicação é quase sempre êxito garantido. É que a comunicação
escrita, dados os avanços tecnológicos, reduziu drasticamente a sua forma:
limitou-se, restringiu-se, tornou-se cada vez mais formal, perdendo as
características pessoais. Um assunto que demoraria meses , e dezenas de
páginas manuscritas explicativas, no passado, é hoje tratado em poucas e
frias linhas dactilografadas. O documento escrito existe muitas vezes apenas
como necessidade de um registo formal, ou mesmo oficial.
Por outro lado, as memórias escritas, as
AUTOBIOGRAFIAS, também obedecem a lógicas e necessidades diferentes: o autor
pretende sempre justificar determinados actos, ou simplesmente registar
vivências, experiências, que possam servir de algum modo a posteridade. Mas
seja qual for o objectivo, ele terá que seleccionar e dividir o material em
capítulos, geralmente por ordem cronológica, e mais do que isso, escolher,
cuidadosamente, as palavras e os factos, de acordo sempre com uma visão
retrospectiva justificativa ou até auto-desculpabilizante. Na verdade um
grande número de obras de carácter autobiográfico, não foge a esse carácter
autojustificativo, oscilando entre a apologia quase heróica, ou a crítica
demasiado azeda ou deceptiva. Ao contrário A HISTÓRIA ORAL apresenta outra
espontaneidade, Nesta, mais do que a ordem cronológica, conta a ordem
psicológica, o fio condutor da memória. Além de que a comunicação oral é
muito mais livre e natural
A par do conteúdo desenha-se uma
personalidade em que tão importante é o relato dos factos, como a forma única
como são incorporados num percurso pessoal.
FASES DA HISTÓRIA ORAL
Com as modernas técnicas de gravação, por
um lado, e por outro, com a investigação prévia que a prepara, a ENTREVISTA
(até há bem pouco tempo confinada a dois elementos - entrevistador e
entrevistado) passou a ter dimensão científica..
A partir dela se constituem dois
documentos distintos: Entrevista Oral e Entrevista Escrita. (transcrita para
papel)
Não são documentos coincidentes; não é
possível a transcrição exacta da maneira como se fala, isto é, a dicção
própria, a entoação das frases, os erros e vícios de linguagem, as
hesitações, tiques de linguagem, silêncios, incomodidades, que fazem do
documento gravado, um documento único, para a análise psicológica do
entrevistado.
(Ex: Costa Gomes e os seus artifícios de
linguagem: Nem sim nem não. Spínola era ou não um ditador? Ou De quem foram
os erros de Otelo)
Sendo a entrevista o núcleo central da
HO, elas não podem, no entanto, confundir-se. O momento da entrevista faz,
sim, parte de um conjunto de técnicas utilizadas e que começam pela
elaboração de um roteiro, terminando na transcrição.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A IMPORTÃNCIA DA MEMÓRIA
Portugal tem um problema com a História e
com a memória, talvez porque nos queremos imaginar um "Povo Feliz"
e como alguém disse: os povos felizes não têm história. Por um paradoxal
comportamento colectivo rasuramos episódios incómodos procedendo a releituras
e actualizações de acordo com as conjunturas políticas, fugindo sempre ao
confronto connosco próprios como memória, única forma de podermos construir
um projecto, uma ideia e não um destino ou uma missão.
Dizem que os reis não têm memória; parece
que os povos têm muito menos ainda. Proclamava Salazar em 1930. E se houve um
traço genialmente perverso na ditadura que nos dominou durante 48 anos, foi a
sábia gestão do silêncio, Um silêncio que Marcelo Caetano apodava de
"seriedade e honestidade" em contraste com o "teatro" do
congénere regime fascista italiano.
Passados todos estes anos, a nossa
opinião pública parece ainda sujeita a princípios de secretismo e ocultismo
incompreensíveis que, aliados a estratégias várias de branqueamento da
história, conduzem a uma total incapacidade de compreensão e transmissão do
passado às novas gerações. Do mais remoto e sobretudo do mais próximo, que é
o que aqui nos interessa. Isto é :a memória, as memórias do 25 de Abril.
Basta lembrar uma das mais recentes
sondagens, divulgada na RTP àcerca do grau de conhecimento dos mais novos
sobre esse acontecimento: 86/º dos nossos jovens não sabe o que foi o 25 de
Abril, contra os 11/º que sabem. Por outro lado, à pergunta sobre a quem
cabem as responsabilidades por essa situação, as respostas são 40/º para a
Escola, 20/º para os próprios jovens, 15/º para os pais, 4/º para a
comunicação social.
Parece já tempo de definitivamente
ultrapassar o obstáculo da proximidade temporal, que retirava ao 25 de Abril,
a dignidade de um acontecimento de transcendental importância . Ao descaso a
que tem sido votado (com particular destaque para as instituições de ensino,
de todos os níveis), e só interrompido pelo assinalar do dia feriado, mesmo
assim da forma menos participada e criativa, tem de substituir‑se a variedade
de estratégias de aproximação, ditadas, obviamente, pela especificidade dos
meios disponíveis. Aqui é inprescindível uma referência à verdadeira ofensiva
comemorativista destes 30 anos pela primeira vez protagonizada pelo governo,
mas rodeada de episódios polémicos e até lamentáveis.
Parecendo certo que os jovens mais do que
comemorar, necessitam de compreender, o 25 de Abril tem que ser encarado na
sua dupla vertente Histórica e Cívica.
Nelas se inscreve a indiscutível
importância da Revolução REVOLUÇÃO como momento integrado na longa luta pela
Liberdade e pela Democracia. O 25 de Abril e a Constituição de 1976 ficarão
assim, para a História, como o fim violento e abrupto de um dos períodos mais
tragicamente célebres da nossa História: 48 anos de Estado Novo ditatorial e
Fascista. Tem, portanto, que constituir, por si, um conteúdo preciso de
ensino nas escolas deste pais e nos manuais: E não uma espécie de póst-fácio
ao próprio Estado Novo, ainda assim com erros e omissões clamorosos.
Contudo esse conhecimento não pode nem
deve ficar por uma dimensão científica séria e rigorosa, antes deve ser
completada com a "dimensão vivencial e valorativa. E aqui cabe todo um
conjunto de iniciativas que valorizem e promovam a memória individual. Pela
sua natural riqueza e consequente conflitualidade, ela não pode encolher-se
tanto que caiba nos quadros normativos da memória colectiva, cuja função é
defender a continuidade social, através das chamadas instituições da memória:
monumentos, bibliotecas, museus, exposições, comemorações.
Significa isto que a história também se
tem que fazer com os testemunhos directos de quem viveu os eventos. A memória
viva, a quente do contemporâneos, é tão válida como a análise fria e analítica
dos processos históricos. Como afirma Marguerite Yourcenar "os
historiadores apresentam-nos do passado, sistemas excessivamente complexos,
séries de causas e efeitos exactos e claros de mais, para terem sido alguma
vez inteiramente verdadeiros:".
Dispondo ainda de preciosos testemunhos
dos actores desse período central da nossa história, seria imperdoável
dispensá-los. Dispensar as pessoas da História.
Além disso só eles nos ajudarão a
perceber a enorme distância entre o momento de ruptura que foi a revolução e
a estabilidade e o consenso anódino que a memória colectiva promove. Entre
eles muita coisa aconteceu, que não sendo matéria de consenso institucional
(escolar, ou outro) não pode deixar de ser matéria de conhecimento, de
reflexão, e de memória. Descobrir como nasceram e porque morreram tantos e
tão ambiciosos projectos de verdadeira mudança, é perceber que, apesar de
vencidos, eles não são por isso menos importantes para o conhecimento do que
somos como povo neste início de século de tão incertas e sombrias promessas.
AIém disso, pelo enorme capital simbólico
que transportam, são momentos únicos, em que dizer do poeta "Todos
chegámos a pensar que éramos maiores do que somos".
MARIA MANUELA CRUZEIRO (CENTRO DE
DOCUMENTAÇÃO 25 DE ABRIL)
A Vida não é a que uma
pessoa viveu, mas sim a que ela recorda e como a recorda para contá-la.
Gabriel Garcia Marques
Se fosse objecto era
objectivo.
Como sou sujeito, sou subjectivo.
Alçada Baptista
Os humanos são acima de
tudo romancistas, autores de um único romance cuja escrita demora toda a sua
existência.
Rosa Montero
|
Bibliografía
|
- ARRAES, Miguel - O Jogo do Poder no Brasil. , 2 ed. S. Paulo : Editorial Alfa-Omega, 1982. - ASSOCIAÇÃO DE ARQUIVISTAS DE SÃO PAULO - Bibliografia sobre arquivos: projectos de História Oral. S.Paulo : AASP, 2001. Disponível na Internet em : http://www.arqsp.org.br/bibliooral.htm - BARRETO, M. Luísa ; Lassance, Márcia M - Projecto para Implantação de um Centro Histórico Oral. Rio de Janeiro, CMSB. - BROWN, George ; PIAZZA, Walter F. - Documentação em História Oral. Sep de "Anais do VIII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História - Aracaju". S. Paulo, 1976. - CAMARGO, Aspásia - Os Usos da História Oral e da História de Vida: Trabalhando com Elites Políticas. Revista de Ciências Sociais : Rio de Janeiro, 1984. - CORREIA, Carlos Humberto P. - História oral: teoria e técnica. Florianópolis : UFSC, 1978. - 91 p. - (Ensaios Catarinenses). - Policopiado. - Bibliografia p.91. - DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri - Trabalho com relatos orais: reflexões a partir de uma trajectória de pesquisa. Santarém : Esc.Sup . de Educação, 1997. - 19 p. - (Cadernos do Projecto Museológico sobre Educação e Infância., 47). Estudos). - FODDY, William - Como perguntar: teoria e prática da construção de perguntas em entrevistas e questionário. Oeiras : Celta, 1996. - 228 p. - (Métodos e Técnicas). - Bibliografia p. 215-228. - FUNDAÇÃO GETÚLIO VRAGAS - Programa de História Oral: catálogo de depoimentos. Rio de Janeiro : CPDOC, 1988 - IGLÉSIAS, Esther - Reflexões sobre o que fazer da História Oral no mundo rural. "Revista de Ciencias Sociais". N º1. Rio de Janeiro - MOSS, William W. ; MAZIKANA, Peter C. - Archives, histoire orale et tradition orale: une étude du ramp . ed. Organisation des Nations Unies pour l'Education, la Science et la Culture. Programme Général d'Information et UNISIST. - Paris : UNESCO, 1986. - [8] + 84 p.. - PGI-86/ws/2. - NEHO
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- WIKIPÉDIA- História oral. Wikipédia,2005. Disponível na Internet em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Historia_oral |
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