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04 julho 2012

MUSEUS E ENSINO DE HISTÓRIA


MUSEUS E ENSINO DE HISTÓRIA


Jorge Fernando Jairoce

 Introdução
A relação museu, educação e ensino de História bem como as potencialidades educativas e afectivas da educação patrimonial são aspectos desenvolvidos neste artigo.

1.1. Evolução do conceito museu

O conceito museu evolui com o tempo. Tradicionalmente, os museus eram vistos como locais de preservação do património e da memória “os objectos do passado”, que podiam ser contemplados por uma certa elite já sensibilizada para a sua fruição, ou seja, as massas não eram consideradas públicos-alvo das instituições museológicas.

Mas, a partir de 1940, operaram-se transformações profundas na sociedade, nas concepções da cultura e nas ideologias, nas exigências da comunidade para com as instituições museológicas, ou melhor, os museus passam a considerar-se ao serviço da comunidade, deixando progressivamente a sua tradição elitista e minoritária. Estas mudanças redefinem o seu papel na acção educativa.

Por isso, hoje, de acordo com o Conselho Internacional dos Museus- ICOM, “... museu é considerado como uma instituição permanente sem finalidade lucrativa ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público e que realiza investigações que dizem respeito aos testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, adquire os mesmos, conserva-os, transmite-os e expõe-nos especialmente com intenções de estudo, de educação e deleite” (Costa e Olofsson, 1997, p.1).

Considerando este conceito, o museu deixa de ser aquele espaço estigmatizado como local de coisas velhas, passando a ser espaço de discussão, difusão de informação e, sobretudo, de reflexão. Seguindo este raciocínio, o museu poderá ser utilizado como recurso pedagógico destinado ao ensino de várias áreas e, principalmente, da história devido a natureza documental dos acervos museológicos. O aluno pode participar através da visita ao museu na elaboração do conhecimento histórico, consolidar o conhecimento teórico, despertar o interesse pela história, despertar o espírito patriótico e sentir a história Pátria.

Mas para que o museu cumpra a sua função pedagógica deve relacionar as suas actividades à acção educativa. E sobre este último aspecto, Barreto (1985a) considera que a função educacional dos museus consiste em “dar ao indivíduo a consciência do património cultural de que é herdeiro e da capacidade de utilizá-lo e criá-lo. Esta consciência é adquirida basicamente pelo envolvimento sujeito/objecto cultural, pela aproximação e apropriação da sua função essencial e simbólica, assim como da sua trajectória”. (p.2)

Para que isso aconteça, o museu precisa de organizar os seus serviços educativos tendo em conta que a actuação do museu como agência cultural e educativa só pode ser alcançada por uma cuidadosa educação patrimonial.


1.2. Educação patrimonial

A educação patrimonial é “o ensino centrado em objectos culturais, na evidência material da cultura, ou, o processo educacional que considera o objecto como fonte primária de conhecimento” (Barreto, 1985b, p.4).

Partindo desta definição, podemos afirmar que a educação patrimonial possibilita situações não só de aprendizagem, através de objectos materiais e simbólicos da cultura sobre processos histórico-culturais passados, como também o de suscitar o gosto, o interesse em produzir e interagir racional e sensivelmente com experiências históricas tanto passadas quanto presentes, valorizando a importância da preservação das mesmas.

A educação patrimonial têm inúmeras potencialidades tais como: afectivas e pedagógicas.

1.2.1. Potencialidades afectivas da educação patrimonial

A educação patrimonial é um poderoso instrumento no processo de reencontro do indivíduo consigo mesmo, resgatando a sua auto-estima através da revalorização e reconquista da sua própria identidade cultural, ao perceber o seu redor e a si mesmo em seu contexto cultural como um todo, transformando-se em principal agente de preservação.

Para o caso moçambicano, a efectivação de uma educação patrimonial seria uma oportunidade para a divulgação dos valores culturais, criar uma identidade nacional e construir uma nação moçambicana com o intuito de promover o espírito de cidadania conforme as recomendações gerais saídas da 1ª Conferência Nacional sobre a Cultura realizada em 1993.

Através de acções voltadas para a preservação e compreensão do património cultural, a educação patrimonial torna-se num veículo de aproximação, de conhecimento, de integração e aprendizagem de crianças, jovens, adultos e idosos, com o objectivo de os mesmos (re) conhecerem, (re) valorizarem e se (re) apropriarem de toda a herança cultural a eles pertencente, proporcionando uma postura mais crítica e actuante na (re) construção da sua identidade e cidadania.

1.2.2. Potencialidades pedagógicas da educação patrimonial

O ensino centrado em bens culturais existentes no museu e na localidade têm múltiplas vantagens que devem ser destacadas para possibilitar ao indivíduo uma experiência concreta da evocação do passado. E, se não for assim, não há menor sentido em se acumular objectos em museus ou preservar os monumentos da sua destruição. O aprendizado através de objecto é diferente do aprendizado através de ideias e palavras. É um processo diverso e específico que apela mais para o sensível, o concreto, o visual, o táctil e o emocional que o intelectual.

Está provado que a visão desempenha um papel muito importante na memorização se for combinada com a explicação oral e a realização de exercícios pelos alunos. Por exemplo, João (1983, p.75) refere que 83% daquilo que aprendemos é através da visão. A observação directa de objectos no museu constitui uma mais valia, uma espécie de palavra oferecida que poderá servir de antídoto a uma educação, por vezes ainda muito livresca e demasiado abstracta.

Para reforçar estes aspectos Barreto (1985b, p. 4), identifica três categorias diferentes do ensino baseado em objectos culturais:

1ª Categoria: Os objectos são ilustrações para uma história desenvolvida de fontes predominantemente literárias (quando a cultura material deve ser a fonte principal). Relativamente a esta categoria, é necessário referir que o ensino meramente verbal sem evidência material cria insegurança nos alunos, é demasiado especulativo e até pode inibir a análise científica.

2ª Categoria: No ensino académico, a evidência material da cultura é utilizada pelo professor para testar interpretações já estabelecidas ou novas hipóteses baseadas em documentos ou dados estatísticos. Esta categoria revela–se como técnica de pesquisa bastante efectiva.

3ª Categoria: O ensino centrado em bens culturais provoca deliberadamente uma experiência que possibilita o indivíduo conhecer ou sentir o passado. Há uma grande preocupação com a criatividade, pois nesta técnica, o interesse usado não é tanto o passado em si, mas o que pode provocar na mente a contemplação do visitante ou do estudante. Trata-se aqui de se considerar os objectos como ideias e não apenas como realidades superficiais.

Estas três categorias tomam os objectos e expressões do património cultural como ponto de partida para actividade pedagógica, observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos. Estas três categorias também são referenciadas no trabalho de Matola (1996, p.8) que considera que o ensino centrado em bens culturais permite ao aluno entrar em contacto afectivo sensorial, físico, cognitivo com o passado, e que na sua opinião, quando o ensino se faz através do concreto, permite ao aluno iniciar-se na produção do seu conhecimento histórico e simultaneamente chegar ao estágio de maior aceitação e gosto pela disciplina de História.


Conclusão

Nos estudos por mim efectuados desde 2004 á 2010, permitiram-me constatar que os conteúdos de História, leccionados nas nossas escolas, têm privilegiado padrões de cultura importados, aplicados sem a devida redução social, em conteúdos impostos de cima para baixo, dissociados da realidade dos alunos, em escolas burocratizadas e distantes das comunidades na qual estão inseridas. Então, é altura de valorizarmos estudos da nossa realidade cultural e da nossa memória histórica. O ensino de História baseado na utilização dos bens culturais serviria como opção metodológica para mudar a prática do ensino em vigor e torná-lo mais interessante e atractivo para os alunos visto que possibilita  múltiplas vantagens afectivas e pedagógicas. .


 Bibliografia

BARRETO, Maria de Lourdes Parreiras Horta. Educação Patrimonial. In: Boletim nº 5 do Programa Nacional Pró-memória. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura. 1985ª.


__________Educação Patrimonial. In: Jornal de Letras – 1º Caderno. Abril de 1985b. p.4.


COSTA, Alda, OLOFSSON, Elizabeth. Política Nacional de Museus (Proposta). In: Seminário regional de capacitação dos directores distritais da Cultura, Juventude e Desportos da Zona Sul. Maputo: Novembro de 1997.

JAIROCE, Jorge Fernando. As potencialidades educativas e pedagógicas  do Museu Nacional da Moeda no ensino de História em Moçambique. (Trabalho de Diploma para obtenção do grau académico de Licenciatura em ensino de História e Geografia pela Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Sociais, Departamento de História. 2005.60p.)


JAIROCE, Jorge Fernando. As conexões entre a História Local, Nacional e Global no ensino de História no nível básico em Moçambique. (Dissertação para obtenção do grau académico de Mestrado em Educação/Ensino de História pela Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Sociais, Departamento de História. 2010.90p.)


JOÃO, Maria Isabel. Didáctica de História. Maputo:UEM, Faculdade de Educação, Departamento de História. 1989.


MATOLA, Laurindo Joaquim Ferreira. A utilização dos bens culturais no ensino de História em Moçambique. (Trabalho de Diploma para obtenção do grau académico de Licenciatura em ensino de História e Geografia pela Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Sociais, Departamento de História. 1996.68p.)


MOÇAMBIQUE. MINISTÉRIO DA CULTURA. Recomendações gerais da 1ª Conferência Nacional sobre a Cultura. Maputo:  16 de Julho de 1993. (doc.30/CNC/93).

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