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10 julho 2013

"HANNAH ARENDT" EM DOCUMENTÁRIO: AS POLÉMICAS DA PENSADORA ALEMÃ


ALIANDO-SE, mais uma vez, a Barbara Sukowa, intérprete habitual de seus filmes, como os premiados "Rosa Luxemburgo" (1986) e "Os Anos de Chumbo" (1981), a realizadora Margarethe Von Trotta entrega-se ao desafio de retratar uma das pensadoras políticas mais importantes e influentes do século XX, autora de clássicos como "As Origens do Totalitarismo" ou “Da Violência”.

Escapando ao risco de comprometer a narrativa com um excesso de teorias, escolhe como foco um episódio crucial na vida de Hannah Arendt. Em 1961, a filósofa alemã, já radicada nos EUA, viaja a Israel para acompanhar um dos julgamentos mais bombásticos de todos os tempos, do carrasco nazista Adolf Eichmann, capturado pelos serviços secretos israelitas na Argentina.
Partindo de uma peça da norte-americana Pam Katz, co-guionista do filme ao lado de Von Trotta, a história humaniza por todos a sua protagonista, sem banalizar o seu pensamento nem a sua actividade. Hannah é vista a discutir com os seus alunos na universidade, e também com os seus amigos intelectuais, em concorridas festas no seu apartamento, em que, ao lado de temas polémicos, nunca faltavam piadas, nem bebida ou cigarros.
O nazismo está no centro das discussões.
Primeiro, na actuação de Hannah, ao cobrir o julgamento de Eichmann para a revista "The New Yorker", que lhe permitiu criar uma das teses mais polémicas de toda a sua obra, sobre a "banalidade do mal".
O segundo, menos abordado no filme, lembra o seu relacionamento com o mestre e ex-amante Martin Heidegger (Klaus Pohl), filósofo que se filiou ao Partido Nazi em 1933 e nunca se retratou da atitude após o fim da II Guerra Mundial – para o desgosto de Hannah, que era judia alemã e fugiu do país natal após a ascensão de Hitler ao poder.
Vendo em Eichmann apenas um burocrata medíocre, cumpridor cego de ordens, recusando-se a ver um monstro de índole diabólica, e não se omitindo em apontar o que considerava como cumplicidade dos chamados Conselhos Judaicos na destruição da sua própria comunidade, Hannah atraiu a fúria dos próprios amigos e dos círculos judaicos. Muitos nunca a perdoaram pela ousadia. Para eles, ela estaria "a defender" o carrasco, o que sempre negou.
Nada disso abalou a filósofa, que publicou os seus artigos na "The New Yorker" - onde também sofreu pressões - e, dois anos depois, um livro que teve grande repercussão, "Eichmann em Jerusalém".
Vendeu na época mais de 100 mil exemplares e, ao longo dos anos, serviu como ferramenta para que jovens alemães contestassem os seus pais, por terem conhecimento dos desmandos nazis e se omitirem, e também em revoltas contra a guerra do Vietname e o uso da energia atómica.
O filme ressalta a coragem de Hannah que, apoiada por amigos como a escritora Mary McCarthy (Janet McTeer), resistiu, mantendo a sua independência de pensamento, ainda que a um alto custo pessoal. Os ataques sofridos, para ela, equivaleram a um "novo exílio", como salientou a realizadora Margarethe Von Trotta em entrevista ao jornal "The New York Times".
Procurando não tomar partido da tese defendida por Hannah nos artigos e livro sobre Eichmann, o filme sem dúvida abraça a integridade pessoal e intelectual da sua fascinante protagonista.
E permite aos espectadores participarem numa envolvente discussão de ideias, apesar de um filme não ser o veículo ideal para esgotar temas tão profundos. Mas, certamente, pode despertar uma saudável curiosidade sobre as obras da autora alemã.
A judia e o nazi

O romance de Arendt com Heidegger gerou manchetes e até hoje fornece material para estudos biográficos. Os dois contam como um dos mais famosos casais de intelectuais, ao lado de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Porém, o mestre era casado, facto que fez a jovem decidir mudar-se para Heidelberg, onde completou o seu doutorado em 1928, sob a assistência da Karl Jaspers. Entretanto, a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha alterou radicalmente a vida da filósofa de origem judaica.
"Na época, repetia-se sem cessar uma frase que evoco agora: 'Se você é atacado como judeu, é preciso defender-se como judeu'. Não como alemão, ou cidadão do mundo ou em nome dos direitos humanos, algo assim. Mas sim, bem concretamente: o que eu posso fazer?", declarou durante uma entrevista em Outubro de 1964.
Quando Martin Heidegger tornou-se no primeiro reitor nacional-socialista da Universidade de Freiburg, Hannah Arendt afastou-se da filosofia para engajar-se na resistência anti-nazi. Em meados de 1933, foi presa pela Gestapo, porém conseguiu escapar.

Profissão: teoria política


Pouco mais tarde, Arendt fugiu para Paris. Lá conheceu o seu futuro marido, o também filósofo Heinrich Blücher, com quem emigraria para os Estados Unidos em 1941. Em Nova Iorque, ela inicia a sua grande carreira: escreveu para revistas, trabalhou como revisora, professora universitária e em diversas organizações judaicas.
Em 1951, Arendt publicou o seu revolucionário estudo “As Origens do Totalitarismo”. Seguem-se outros escritos, entre os quais “Vita activa”, uma teoria da actividade política. Em “Sobre a Revolução”, ela examina as reviravoltas políticas radicais.
Certa vez, Arendt classificou a sua profissão como "teoria política, se é que se pode falar em profissão". Os seus livros colocaram-na na capa de revistas importantes, aclamada como uma das grandes filósofas do século.
Em 1963 publicou “Eichmann em Jerusalém”, sobre o processo contra o criminoso nazi e em que cunhou a famosa expressão "a banalidade do mal". Entre outros argumentos, a filósofa foi acusada de, com a sua teoria da banalidade, minimizar os crimes nazis e o sofrimento dos judeus. Em resposta, Arendt disse, de certa maneira, compreender a reacção indignada ao facto de ela ainda poder rir.

In:  Notícias, Maputo, Quarta-Feira, 10 de Julho de 2013::


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