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05 fevereiro 2013

HISTORICÍDIO NO MALI?


HISTORICÍDIO NO MALI?



Cidade de Tombuctu foi saqueada por islamitas


Ainda é cedo para avaliar o que um ano de guerra fez a cidades como Tombuctu ou Gao, sobretudo agora que as tropas francesas e os soldados malianos tomaram Tombuctu, Gao e Kidal.
Durante meses sucederam-se notícias de mesquitas destruídas e bibliotecas saqueadas. No início da semana, chegou mesmo a temer-se que grande parte da importante colecção de livros e documentos do Instituto Ahmed Baba, com dezenas de milhares de manuscritos, talvez os mais importantes do século XII e outros até pré-islâmicos, tivesse desaparecido num incêndio. Os piores receios não se confirmaram, mas há muito a fazer no terreno.
A guerra começou em Janeiro do ano passado e, quase em simultâneo, surgiram relatos de que os rebeldes, muitos de grupos extremistas com ligações à Al-Qaeda, estavam a arrasar túmulos com centenas de anos que consideravam idólatras, mesmo que consagrados a santos muçulmanos. Tombuctu é conhecida como a “cidade dos 333 santos”, mas os islamistas que se revoltaram contra o Governo do Mali querem impor a sharia (lei islâmica) em todo o território e ela não permite que se venerem santos.
A cidade do Norte, que tem o título de “jóia africana” por ter sido um importante pólo de desenvolvimento económico - era paragem obrigatória para os negociantes de sal, ouro e gado - e protagonista de uma época de ouro na promoção da religião e cultura islâmicas no continente (sobretudo nos séculos XV e XVI), foi a mais afectada pelas acções contra o património, embora Gao, a mais populosa da região (60 mil habitantes), também tenha visto muitos dos seus túmulos profanados.
O conflito armado ameaçava de tal forma Tombuctu que, no Verão, a UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura decidiu declará-la “em risco”. Os especialistas malianos e internacionais - em particular os franceses e sul-africanos - temiam que, além dos edifícios únicos construídos em adobe (lama, palha e madeira), verdadeiras jóias da arquitectura em terra que valeram a Gao e Tombuctu o selo de património da humanidade, os islamistas dirigissem os seus ataques aos fundos documentais.

MANUSCRITOS SALVOS
O presidente da Câmara de Tombuctu, Hallé Ousmane Cissé, chegou a dizer que as forças rebeldes tinham queimado praticamente todos os documentos históricos da cidade, naquilo que classificava como um “verdadeiro crime cultural”. Mas, afinal, os islamistas destruíram apenas um dos dois edifícios do Instituto Ahmed Baba - o inaugurado em 2010, pago pela África do Sul, cuja Universidade da Cidade do Cabo é das organizações que mais têm investido na preservação dos documentos de Tombuctu. Nele só estavam guardadas cópias digitalizadas dos velhos manuscritos e originais menos relevantes.
“Uma grande maioria foi salva. Penso que mais de 90%”, disse à AFP Shamil Jeppie, professor da Universidade do Cabo que dirige o projecto de catalogação e conservação dos manuscritos. “É claro que alguns sofreram desgaste, outros foram destruídos ou roubados, mas uma parcela muito mais pequena do que julgávamos à partida”, admitiu, explicando que o dano não foi maior porque, receando os ataques ao instituto, arquivistas e conservadores transferiram os livros e documentos mais importantes para Bamaco e para outros lugares seguros nos primeiros meses da insurreição islamista.
Nos “cofres” do instituto há verdadeiras preciosidades em pergaminho, pele de carneiro e até em omoplata de camelo. São livros, tratados e textos variados sobre astronomia, música, história, política, direito e matemática. Entre os mais importantes, diz Jeppie, citado pelo diário francês Le Monde, há muita poesia.
“Até há bem pouco tempo, dizia-se erradamente nos círculos ocidentais que a tradição cultural africana era em grande parte, ou por completo, oral”, disse ao diário norte-americano Los Angeles Times o especialista em manuscritos árabes Amidu Sanni. Os manuscritos de Tombuctu contradizem essa visão.
Para Adel Sidarus, professor de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade de Évora, os manuscritos da cidade dos 333 santos são o reflexo do papel que este centro teve na África Ocidental durante centenas de anos, como pólo de trocas económicas e civilizacionais. “À falta de uma palavra melhor podemos dizer que Tombuctu tinha uma espécie de burguesia letrada. Havia tertúlias, era um centro de cultura e de conhecimento”, diz ao PÚBLICO este académico cristão copta egípcio que e vive em Portugal há 35 anos.
IN «Jornal O País»5 de Fevereiro de 2013

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