É o seu décimo primeiro livro. Primeiro foram os contos em “Xitala-Mati”,
obra publicada em 1987. Seguiram-se depois "Magustana" (novela-1992),
“A Noiva de Kebera” (contos 1994), “A Rosa Xintimana” (romance 2001), “O
Domador de Burros” (contos 2003), “Meledina ou a Estória duma Prostituta”
(romance 2004), “A Metamorfose” (contos 2005), “Contos Rústicos” (contos 2007),
“Contravenção, uma História de Amor em Tempo de Guerra” (romance 2008), Caderno
de Memórias, Vol I” (contos 2010) e o recém lançado livro de prosa “Mitos –
histórias de espiritualidades” a que debruçamos neste artigo.
Estamos a falar de Aldino Muianga, nascido a 1 de Maio de 1950, considerado
um autor impossível de se prever o que vai lançar e quando o vai fazer. Mas há
quem o tenta decifrar.
Felipe Matusse e Nataniel Ngomane escalam a vasta obra deste autor, este
último que vai mais longe, ao colocar Aldino Muianga ao lado de outras duas
ilustres figuras da Literatura Moçambicana – Aníbal Aleluia e Paulina Chiziane.
Estas comparações surgem mesmo a propósito do novo lançamento de Aldino
Muianga, da obra “Mitos – histórias de espiritualidade” – uma consagração deste
escritor como um autor do além. Servindo-se do ser médico, que o é há longos
anos, para espreitar outras medicinas capazes de tratar outras doenças,
que ascendem ao meio físico humano – o espírito. E assim navega Muianga, desta
vez em estórias curiosíssimas que se podem considerar da tradição moçambicana,
mas que em algum momento, se associam ao obscurantismo, mesmo que uma
considerável maioria a valorize.
Aliás, mesmo sem querer esquivar do assunto em tratamento neste artigo,
vale a pena recordar que há dias, quando se celebrava o dia da medicina
tradicional, foram divulgados dados que indicam claramente a associação dos moçambicanos
a esta medicina de que se serve cerca de 70 por cento de concidadãos nossos.
Voltando ao assunto, Aldino Muianga, segundo estas duas figuras ligadas à
nossa literatura e não só, demonstram que é de facto um perito na matéria, de
acordo com o meio em que nasceu e cresceu (bairro Indígena, actualmente chamado
Munhuana) e do trabalho que faz.
ESCRITA QUE REVELA A NOSSA IDENTIDADE
Para Filipe Matusse, a quem coube a apresentação do livro, Aldino Muianga é
um autor no qual se revela a moçambicanidade e em “Mitos – histórias de
espiritualidade” encontramos “uma nova proposta que aborda a nossa essência
como seres humanos, porque nós somos seres biológicos, sociais, espirituais e
psíquicos. Então, Aldino Muanga neste livro foi captar a dimensão espiritual e
escorrer a volta dela”.
Matusse vai mais longe ao considerar a obra um “manual” em que se pode
achar respostas daquilo que sempre quisemos saber como “por que é que existo,
vale a pena realmente viver?” e conclui : “é um livro que nos apazigua, nos leva
a um encontro connosco próprios.”
Mas também na óptica de Matusse, Aldino Muianga é uma referência da nossa
literatura e, como médico/escritor, constitui uma figura que desbravou o
caminho que muitos outros médicos seguem.
“Existe mais dois ou três médicos já com livros no país, mas ele foi o
primeiro e todos estes o seguem. Quando publicou o seu primeiro livro em 1987,
eu estava entrar na faculdade e já o tinha como referência.”
Comprometido com a causa da escrita
Por seu turno, o académico Nataniel Ngomane considera Aldino Muianga como
um escritor de grande dimensão, isto porque tem um percurso e coerência na sua
entrega na arte de escrever, facto que é comprovado pela sua vasta publicação
literária.
Entretanto, Ngomane explica que há grandes autores que se tornaram grandes
apenas por um único livro, o caso de Luís Bernardo Honwana, mas este de Aldino
tem a ver com a perseverança e entrega na escrita.
“Mas também é grande autor porque ele consegue fazer nos seus livros, aquilo
que se quer que a literatura faça. Que é, de alguma forma, mostrar muitos
possíveis e aproveitar esses muitos possíveis para criar imaginários reais. E
ele consegue.
Os textos de Aldino Muianga, particularmente aqueles em que retrata os
subúrbios de Lourenço Marques (Maputo), conseguem criar o imaginário real
desses cenários.”
Nataniel Ngomane compara Aldino Muianga com outros autores moçambicanos
como José Craveirinha, Aníbal Aleluia e Paulina Chiziane.
Segundo o académico, há um elemento comum a todos eles que é o compromisso
com o País, ao trazerem por dentro dos seus textos as diversas realidades
moçambicanas.
“Da forma como eles escrevem, embora cada um o faça da sua maneira,
colocando-os juntos, nós percebemos que há, a partir desses autores, uma
construção suficiente de um imaginário da nação, de um imaginário cultural e
esse imaginário acaba construindo nos leitores um imaginário da coesão
nacional, portanto, a ideia da nação e de uma identidade.”
Contudo, a grande comparação que Nataniel Ngomane faz do Aldino é com
Aníbal Aleluia.
“Não necessariamente o Craveirinha, porque os dois exploram
antropologicamente o nosso mundo, trazem ao de cima, as nossas crenças,
preocupações e inquietações. “Quando estou doente aonde vou? Vou ao médico
(hospital) ou ao curandeiro? Alguém morre e tenho preocupações sociais, vou à
campa de um familiar para poder sossegar o meu espírito. Isso é explorado por
esses dois autores.”
As ideias de Nataniel Nogmane, que é professor de Literatura Moçambicana na
Faculdade de Letras e Ciências Sociais e Director da Escola de Comunicação e
Artes (ECA) da Universidade Eduardo Mondlane, levam-no a comparar ainda o autor
com Paulina Chiziane, por que esta também explora a espititualidade.
Aldino Muianga, o Aníbal e a Paulina desenvolvem esses temas. Estes são
autores que exploram esse lado com mais veemência.
Mas, Ngomane avança outros nomes como Mia Couto, Ungulani Ba Ka Khosa e
Suleimane Cassamo que entram nessas histórias. Tal como acontece com a Lília
Momplé e Calane da Silva.
“Mas o Aníbal, Aldino e Paulina exploram de uma forma mais profunda e em
obras singulares. É isso que me faz os colocar juntos. Há várias linhas que
colocam o Aldino Muianga ao lado de outros autores.
Feitas estas análises, Ngomane conclui que estamos perante um autor de
obrigatória leitura por que contribui para a imagem de Moçambique não só como
País, mas uma imagem das crenças moçambicanas, hábitos, sonhos, preocupações,
organização social, cultural e religiosa.
“É como se fosse um cartão postal, uma radiografia da nossa sociedade. E a
vivência que ele tem no âmbito da medicina, como médico a receber doentes desde
que se formou há mais de 25 anos. É uma experiência fundamental porque a partir
daí ele pode construir várias histórias que reflectem de alguma maneira, o
jeito de pensar desses pacientes.”, considerou Ngomane.
E reflectir isso nos textos é, de acordo com o académico, uma forma de
produzir um desenho de Moçambique e é importante que nós conheçamos esse
desenho para sabermos quem somos, para onde vamos e para onde nós queremos ir.
Por causa disso, a Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade
Eduardo Mondlane (FLCS-UEM), tem, no curso de Literatura Moçambicana, uma lista
de textos literários moçambicanos em que está inclusa a obra “O Domador de
Burros”, de Aldino Muianga.
Mas a nossa fonte refere que a outros níveis mais acima, nós começamos a
introduzir mais livros deste autor para que o estudante tenha um leque de
escolhas e poder trabalhar com um deles.
“Mas já vínhamos fazendo isto com vários autores, como é o caso de Ungulani
Ba Ka Khosa, Paulina Chiziane e Mia Couto, mas sentimos uma necessidade de ir
introduzindo mais escritores no leque de escolhas de estudantes. Fazendo isso,
damos uma grande oportunidade aos estudantes de ter várias escolhas, mas ao
mesmo tempo estamos a valorizar institucionalmente os nossos autores. Todos nós
conhecemos Machado de Assis, Fernando Pessoa, mas não conhecenmos os próprios
nossos autores. É papel da universidade contribuir na divulgação desses
autores.” Concluiu.
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