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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

23 outubro 2012

MALI: CONVULSÕES QUE AMEAÇAM HERANÇA CULTURAL DA HUMANIDADE


MALI: CONVULSÕES QUE AMEAÇAM HERANÇA CULTURAL DA HUMANIDADE


O CONFLITO militar que alastra no Mali, com os islamitas a dominarem actualmente dois terços do país, está a ameaçar todo um trabalho que estava a ser feito e que tinha por principal objectivo preservar uma preciosa herança histórica, num esforço que contava com o apoio de diversas organizações internacionais ligadas à cultura.

Na cidade de Tombuctu, nas imediações do deserto do Sahara, indiferentes aos perigos da guerra, que a rodeiam um pouco por todos os lados, um grupo de jovens entusiastas tem dado repetidos exemplos de como um determinado objectivo, neste caso a defesa de preciosos valores culturais, pode contribuir para unir aquilo que a intolerância política tenta separar.
Esse grupo de jovens, na sua esmagadora maioria islamitas, juntamente com alguns tuaregues, desenvolvem um aturado trabalho para recuperar, neste caso concreto, manuscritos árabes do século XII, com tópicos referentes a estudos que vão desde a origem do Islão à Filosofia, passando pela Matemática e Astronomia.
Este ano, devido às convulsões que afectam aquela região, não se realizou o famoso Festival Internacional de Tombuctu, que costuma reunir estudiosos do islamismo provenientes de diversas partes do mundo.
Mas, mesmo sem esta actividade, os jovens e especialistas locais resolveram intensificar os seus esforços de preservação da herança cultural, ao mesmo tempo que não hesitaram em lançar apelos ao fim das divisões étnicas e religiosas que estiveram na origem do golpe de Estado que dividiu o país.
Esta cidade funciona como uma espécie de oásis, no meio de um imenso deserto de ideias, onde a intolerância, evidenciada por radicais salafistas, faz com que muitos forasteiros receiem visitá-la, com medo de serem apanhados no meio de um qualquer fogo cruzado.
Essa intolerância já se fez mesmo sentir no interior da cidade, onde algumas tumbas de antigos lideres islâmicos locais acabaram por ser destruídas, sob o argumento de que estavam a “adulterar” a mensagem que os novos líderes querem fazer passar. Algumas livrarias, que guardavam manuscritos já recuperados, tiveram de fechar as suas portas sob o risco de serem vandalizadas e mesmo queimadas.
Este exemplo de patriotismo dado pelos jovens anónimos, que tentam preservar essa herança, com o apoio de organizações internacionais que não reivindicam qualquer tipo de protagonismo, por estarem a ajudar uma causa que se destina a preservar os valores culturais de toda a humanidade, pode servir de guia para os renovados esforços que a União Africana pretende fazer para a resolução do problema do Mali.
Aquilo que inicialmente era um movimento reivindicativo desencadeado por grupos tuaregues que exigiam para as suas regiões o mesmo tipo de tratamento que o governo da altura dispensava a todo o país, rapidamente se transformou num golpe de Estado que colocou o Mali a beira de uma guerra civil.
O Mali, eventualmente por não possuir grandes riquezas e potencialidades naturais, tem sido um país esquecido pela comunidade política internacional, até no que respeita a defesa dos valores existentes na cidade de Tombuctu. Recentemente, o governador Halle Ousmane, viu recusado pela UNESCO um pedido no sentido de ser garantidas as condições que pudessem viabilizar a evacuação da cidade de alguns manuscritos já recuperados, de modo a evitar a sua destruição.
Essa recusa, dada após uma consulta com as autoridades do Mali, fazem aumentar as suspeitas de que o actual líder do país, Ansar Dine, está a projectar a venda de alguns desses tesouros históricos para fazer face à falta de verbas para manter o seu governo.
O próprio director do Museu Nacional do Mali, Samuel Sidibe, através da Cruz Vermelha Internacional, lançou já um apelo denunciando o facto da sua instituição estar, aos poucos, a ser despojada de algum do seu espólio para posterior venda, pelo governo, no mercado internacional.
O continente africano, ainda a braços com os mais diversos tipos de problemas, não pode permitir ver-se despojado da sua própria herança histórica, seja porque razão for, e muito menos se ela servir para alimentar poderes que se impõem pela lei da bala. A União Africana, que acaba de declarar a decisão de se empenhar mais profundamente na busca de uma solução para o problema do Mali, deve encarar, com a devida urgência, a necessidade de preservar os valores culturais de todo o continente, assumindo o facto de que um país sem historia é um país sem futuro.
Independentemente das disputas políticas que muitas vezes apenas servem para dividir nações, os valores culturais, na sua plenitude, são aqueles que deveriam ser usados para unir povos que se revejam nas respectivas histórias e heranças, de modo a salvaguardarem as suas identidades e assim melhor estar preparados para os desafios do futuro.
Aos poucos, de forma silenciosamente criminosa, o povo do Mali está a ser despojado da sua história, correndo o risco de ficar sem referencias de um passado que deveria servir de exemplo para os jovens projectarem o futuro.
E isso não serve a ninguém. Nem aos novos senhores do poder. Mas, isso eles fingem não saber.

Maputo, Quarta-Feira, 24 de Outubro de 2012:: Notícias


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