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04 outubro 2012

SOBRE 20 ANOS DE PAZ EM MOÇAMBIQUE


SOBRE 20 ANOS DE PAZ EM MOÇAMBIQUE




Dom Jaime, arcebispo emérito da Beira, faz-nos voltar ao passado e desvenda os bastidores da paz no país.
“O País” traz, nesta edição, uma entrevista com Dom Jaime,  arcebispo emérito da Arquidiocese da Beira. Dom Jaime foi um dos principais negociadores da paz de que desfrutamos há 20 anos .
O que teria levado a igreja católica a envolver-se na procura de paz para Moçambique?
A Conferência Episcopal de Moçambique entendeu que a resistência liderada pela Renamo incitava os moçambicanos à revolta, expandido por todo o país a guerra civil ou de desestabilização, como queira, isto a partir do início da década 80. Esta resistência contava com o apoio de forças internas, neste caso, os próprios moçambicanos, e externas. Estou a referir-me àquele grupo de países ou pessoas que pretendiam criar a chamada África branca, ou seja, os que não consentiam ligação com países comunistas.
Podemos voltar à intervenção da igreja católica no processo de paz em Moçambique?
A guerra civil foi ganhando consistência, expandia-se pelo país todo e a nossa sociedade estava a ser destruída. A segurança dos cidadãos tornou-se problema tanto nas cidades assim como nas zonas rurais. A unidade nacional era uma cantiga, e o governo da Frelimo tinha perdido  o controlo da soberania nacional, pois, aos poucos, a Renamo ia controlando um vasto território nacional, onde o governo revolucionário não tinha nenhum poder. Era um governo descontrolado, com uma soberania dividida e com matanças e choros por todos os lados. Para a nossa felicidade, a Frelimo reconcilia-se com as instituições religiosas em 1982. Foi um grande abertura para os caminhos da paz.
Mas onde e quando entra a igreja católica no processo de paz?
Bem, tanto a Igreja Católica como o Conselho Cristão de Moçambique defendiam junto do governo a política de reconciliação para com a resistência. Dado o nosso insucesso, a Conferência Episcopal de Moçambique criou, em 1987, duas comissões. Uma tinha a responsabilidade de continuar a escrever cartas pastorais, que era a forma mais comum para nos comunicarmos com o resto dos moçambicanos, e a outra comissão teve a missão de procurar a Renamo, para lhe dizer que a solução das suas apreensões não seria com recurso a tiros, mas sim com o diálogo. Eu, que era o presidente da comissão de justiça e paz, passei a chefiar a segunda comissão, e, portanto, fiquei com a responsabilidades de procurar a Renamo, juntamente com o então cardeal da cidade de Maputo, Dom Alexandre.
Como localizou a Renamo, tendo em conta que estava nas matas?
  Não foi fácil. Decidimos começar por procurar os seus representantes fora do país. percorremos Tanzania, Malawi, Quénia, Portugal, Itália e até Estados unidos da América durante um ano, sem sucesso. Importa referir que, numa das minhas viagens à busca do representante da Renamo em Portugal, que  na altura era o já falecido Ivo Fernandes, fui abordado por um político muito desenrascado, o Máximo Dias, que me convidou para um restaurante onde a iluminação era ténue. Acredito que ele estava com medo. Acabei aceitando o convite, e ele disse que estava a representar Ivo Fernandes. Por desconfiança, não abordei a minha preocupação. Limitámo-nos a tomar um chazinho e abordámos a questão da Renamo de forma muito superficial. Na mesma altura, Dom Alexandre estava nos estados Unidos da América à procura de Artur Vilanculos, que era representante da Renamo, mas sem sucesso. Artur Vilanculos orientou-lhe a procurar o governo do Quénia. Já no Quénia, Dom Alexandre foi orientado pelo executivo do então presidente Arap Moi a retornar àquele país com mais pessoas, se efectivamente estava interessado em encontrar -se com a Renamo.
Como é que vai a Gorongosa?
Em Novembro de 1988, saí da Beira rumo a Lesotho. De Lesotho parti numa avioneta com destino desconhecido. Saímos às 15h00 e só chegámos às 18h00 ao destino. Já no ar, um jovem piloto perguntou-se se sabia qual era o meu destino. Apenas afirmei que ia ao encontro de Afonso Dhlakama. Ele pôs-se a rir e, sinceramente, nunca entendi. Aterrámos numa pista deserta e, no fundo da mesma, estava um outro avião relativamente maior. O meu jovem piloto disse: “Senhor Arcebispo, entre naquele avião”. Entrei, e dentro do avião havia apenas um pequeno espaço para eu me sentar. Estava tudo ocupado com mantas, bebidas, alimentos de diversa natureza. Cerca das 19h00, saímos na mesma escuridão.
Qual era o destino?
Apenas disseram-me que íamos a Gorongosa. Durante 30 minutos, o avião sobrevoou o mar e, de repente, fez um desvio. Lembro-me que foi num dia de lua cheia, e, como o avião estava a voar à baixa altitude, notei que, gradualmente, estávamos a entrar em florestas cada vez mais densas. Aterrámos numa pista onde vários guerrilheiros empunhavam tochas em fila nas extremidades da pista a fim de facilitar a aterragem do avião. Minutos depois, ouvi o roncar de uma moto de grande cilindragem. Era Afonso Dhlakama. Todo sorridente, jovem na altura, esticou a sua mão e disse: “Boa noite senhor Bispo. Respondi, todo trémulo. Virou-me as costas e vi-o a dialogar com os seus guerrilheiros. Não entendi nada, nem me preocupei. Retornou ao meu encontro e ordenou-me que fosse com ele na moto, tendo de seguida me pedido para lhe segurar bem. Fi-lo, pois não estava interessado em cair. Arrancámos e seguimos um caminho em zigue-zague no meio de muitas árvores. Cerca de 10 minutos depois, chegámos a um local onde havia muito mais guerrilheiros e várias fogueiras. Em redor, diversas infra-estruturas destruídas e equipamento bélico destruído. Dhlakama levou-me a um alpendre feito de capim e barro, também com uma fogueira no meio. Não havia energia.
Como o encarou?
Eu estava aflito, não sabia como iniciar a conversa. Não sabia como ele reagiria à nossa proposta de diálogo, de negociações à busca de paz. Para a minha felicidade, foi ele mesmo que iniciou a conversa para o lado que eu pretendia. Perguntou-me se eu tinha notado a destruição em redor, e respondi que sim. Perguntou-me se a luz eléctrica não me fazia falta, também respondi sim. Depois disse-me que não tinha comida, muito menos um café para me servir, porque não havia. Dhlakama disse: “Estamos a sofrer e cansados desta guerra. Queremos dialogar com a Frelimo e pedimos a mediação da igreja”. Respirei de alívio. Estava dado o primeiro e importantíssimo passo rumo à paz em Moçambique. Discutimos as condições, que passavam necessariamente pela escolha do local das conversações e as pessoas que estariam envolvidas no processo. Ficou acordado que o encontro seguinte seria em Nairobi, em Fevereiro de 1989. Parti de regresso a Beira, via África de Sul, quando eram cerca de duas horas de madrugada.
No encontro de Nairobi, Dhlakama apareceu?
Não, mas os seus representantes estavam lá. Importa referir que, depois do primeiro contacto com Dhlakama, o presidente Alberto Chissano dispensou a Igreja Católica no processo e envolveu de forma directa os seus homólogos do Zimbabwe e do Quénia. Sei que, no encontro de Fevereiro, nada de concreto foi acordado. Foi agendada uma outra reunião para Agosto do mesmo ano. Também não trouxe bons resultados. Robert Mugabe chateou-se, porque estava a gastar muito dinheiro, sem sucesso, e pediu ao presidente Chissano para voltar a convidar a igreja católica para estar no processo. Retornámos, e mesmo sem ser diplomatas iniciámos uma séria de diplomacia no sentido de convencer a Renamo a avançar com as negociações sem desconfiar. Mas acontece que o presidente Chissano estava a mostrar resistência para o início das negociações.
Como conseguiram convencer o presidente Chissano?
Usámos diplomacia que ele não entendeu. Fui à Itália e pedi ao Vaticano, assim como ao governo italiano, para aproximarem ao então presidente norte -americano Jorge Bush(pai), no sentido de apelar ao nosso presidente a dialogar com a oposição. Como os EUA são uma potência mundial, acreditámos que o apelo de Bush seria uma especial ordem para Chissano. Funcionou. O presidente Chissano anunciou, a partir de Washington, em finais de 1989, que estava aberto ao diálogo.
E como a Renamo reagiu?
De forma satisfatória, mas levanta-se, então, um outro problema. O local das negociações. A Frelimo propôs Malawi; a Renamo recusou, alegando que a SNASP circulava à vontade naquele país, o que seria um risco para ela. A Renamo propôs Portugal; a Frelimo recusou, alegando que havia muitos descontentes que fugiram de Moçambique e que as negociações seriam minadas. A igreja voltou a entrar em cena. Fomos pedir socorro ao Vaticano e foi identificada a Comunidade de Santo Egídio.
Constou-nos que Afonso Dhlakama esteve na Comunidade de Santo Egídio, antes do inicio  das negociações?
Esteve, realmente, em Fevereiro de 1990. E agora recordo-me de um episódio que criou muito embaraço. Afonso Dhlakama não tinha passaporte. Foi muito difícil fazê-lo viajar, mas a comunidade de Santo Egídio usou as suas influências junto do governo italiano e conseguiu-se um documento para ele viajar dentro da Itália e noutros pontos da Europa.
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 “EMBAIXADOR DA ITÁLIA EM MOÇAMBIQUE VIAJAVA A GORONGOSA PARA CONVENCER DHLAKAMA”

Numa entrevista sobre a experiência de cobertura jornalística das negociações de paz, Tomás Vieira Mário diz que o ambiente vivido entre as delegações foi inicialmente de tensão, mas os mediadores souberam quanto cedo “debelar” o fogo.
Qual era o ambiente das negociações?
O ambiente foi tendo facetas diferentes ao longo dos anos. Foram mais de dois anos. No início, era de tensão porque cada parte diabolizava a outra. Mesmo para haver um aperto de mão em 1990 entre Guebuza e Dhlakama foi difícil. O que tornou possível a convivência foi a natureza da mediação. Havia uma exaltação da informalidade, não havia aquele rigor típico duma mediação. Este acordo que, inicialmente, era visto como de fraqueza, mais tarde tornou-se um aspecto forte. Quando havia uma tensão, uma saturação, os mediadores, estrategicamente, interrompiam as sessões e as delegações tomavam um chá. Havia uma bananeira onde os moçambicanos se sentavam e tomavam chá e, assim, reviviam o seu ambiente doméstico que levavam da terra natal. Se estamos recordados, estes mediadores eram, na sua maioria, religiosos da Igreja Católica, D. Jaime Gonçalves, D. Matteo Zuppi e Andrea Riccardi. Portanto, são pessoas com muita formação em contenção, prudência, calma e absorção da tensão. 
Era frequente a convivência entre as duas delegações?
Fora do âmbito da Comunidade Sant´Egídio, não era frequente. Mas aconteceu uma e única vez em que o ministro dos Transportes e Comunicações, Armando Guebuza, e o Chefe do Departamento das Relações Exteriores da Renamo, Raul Domingos, saíram para almoçar num restaurante indicado pelos mediadores. Estes entendiam que esse tipo de práticas ajudava a convivência entre os outros. Os mediadores ficaram próximo do restaurante para vigiar e ver se algum deles abandonava o local. Mas, segundo nos contaram “a posterior”, jantaram bem e ninguém abandonou o local. Este é o único momento, que eu me recorde, em que confraternizaram.

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Afonso Dhlakama diz que o balanço dos 20 anos de paz é negativo.
A partir da província da Zambézia, onde se encontra de visita, o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, faz uma análise do Acordo Geral de Paz e reitera que à guerra não volta mais.
Como é que foi o período de negociação até chegar ao acordo de paz?
Recordo-me que foram dois anos e meio de negociações em Roma e aquilo foi muito difícil. Difícil porque, na altura, o governo moçambicano não queria reconhecer a Renamo, queria que a Renamo depusesse as armas e que Dhlakama e seus guerrilheiros fossem reintegrados, sem negociarmos uma agenda política. Em face disso, obrigámos a Frelimo para retornarmos às negociações políticas, um processo que levou dois anos e meio até à criação dos protocolos. Cada protocolo definiu a pretensão de cada uma das partes sobre os destinos de Moçambique. Nós, a Renamo, queríamos democracia multipartidária e que, depois, tivéssemos eleições livres e transparentes, justiça, direitos humanos, economia do mercado, liberdade de circulação e religiosa, entre outras. foi duro, mas valeu a pena a demora das negociações - foram dois anos e meio -, pois, por isso, até hoje temos esta paz.
Dois anos e meio de negociação da paz, porquê? Alguma coisa falhou neste processo?
Não. Em termos de negociação, nada falhou. foram dois anos e meio porque nós exigíamos que as negociações fossem sérias. Não seria bom que as negociações da paz em Moçambique fossem como acontece com os outros países, onde negociam para satisfazer a vontade de mediadores, cessam-fogo hoje e, volvidos dois dias, regressam às matas. Ora, nós queríamos que a Frelimo aceitasse o fim da guerra numa condição de entrada de multipartidarismo em Moçambique. Também queríamos que a Frelimo aceitasse a criação de um exército único, apartidário, técnico com parte dos guerrilheiros da Renamo e as tropas do governo. Queríamos que se acabasse com guia de marcha, aldeias comunais, a lei de pena de morte e tudo aquilo que fosse política de comunismo. A Frelimo acabou por aceitar porque, quando tentasse fazer manobras no interior, mandava a minha ofensiva militar, daí que ficava com medo e acelerava o processo.
Volvidos 20 anos, que balanço faz da paz em Moçambique?
 É negativo. Foram 20 anos de sacrifício e da pior vida do que a que vivemos no período da guerra dos 16 anos. Foram 16 anos de luta com armas e 20 anos de calar das armas. Entretanto, em termos de perseguição, sofrimento e escravidão, os 20 anos foram duros. Já imaginou alguém como Dhlakama a assinar acordo com Chissano para, depois, ser excluído de tudo e ser atacado fisicamente, incluindo os seus seguranças, pelas forças policiais a mando da Frelimo. Já fomos atacados em Marínguè no ano passado, e, no dia oito de Março, em Nampula. Vou contar-lhe um episódio: durante a campanha para as eleições de 2009,  quando estive em Mandimba, no Niassa, entrei num restaurante e o proprietário veio até a mim e retirou-me do seu espaço, alegando ter instruções para o efeito. Será que estamos em paz? 
Fala-se de nova ordem política na Renamo, porquê?
Eu não gostaria de assustar as pessoas, porque jurei que jamais haverá guerra iniciada pela Renamo. nós vamos fazer manifestação pacífica como forma de pressionar a Frelimo. O limite para o efeito é até ao dia 30 de Outubro. Se a Frelimo aceitar negociação para assinar acordos que ponham termo os abusos, de facto, tudo será tranquilo. Mas se até ao dia 30 não houver nenhuma indicação positiva no seio da Frelimo, vamos, efectivamente, manifestar, fechar todas as linhas-férreas, aeroportos, estradas e tudo, e ninguém pode tentar intervir. Se mandarem a Força da Intervenção rápida, vou ordenar a segurança da Renamo para esmagar todos. Não sou belicista, mas de paz. A Frelimo fala da reconciliação, unidade nacional e boa governação todos os dias, mas o que faz é um autêntico terrorismo (...).
O discurso de manifestação não é novo...
Comecei com este discurso logo após de resultados eleitorais de 2009, antes do Egipto e a Líbia, que copiaram o meu discurso. Eu cheguei à conclusão de que África não precisa de pegar em armas para matar, é só manifestar e fechar todos os pontos estratégicos. Se assim procedermos, o governo será obrigado a resolver os problemas. É por isso que já formei seis homens para negociarem com os ministros da Frelimo.
Sente que os acordos de Roma não estão a ser cumpridos?
Pelo amor de Deus, não há nenhuma coisa que está a ser cumprida.... 
Algumas correntes contestam o facto de o líder da Renamo ter homens armados, é legal a sua força?
São estas correntes que não percebem nada. sinto muito quando vejo figuras académicas a falar disso. O acordo de paz diz que a Renamo deve ter a sua segurança, que é composta por guerrilheiros que combateram durante a guerra. está escrito que o desaparecimento desta segurança vai depender do cumprimento, por parte de governo, que tinha como obrigação despartidarizar a polícia, de modo a que a Renamo e outros partidos emergentes se sentissem à vontade. mas a Frelimo, até hoje, não faz nada. Eu estou disposto a entregar a minha força para integrar uma polícia apartidária.
Sente que há falta de compromisso nos acordos de Roma?
Sim, porque a Frelimo não está cumprir nada daquilo que assinou. Se eu quisesse vingar-me já em 1994, teríamos acabado com a paz, o que não seria bom para o país, porque a guerra não faz bem a ninguém. E se eu responder, todos os investimentos vão fugir e eu não quero fazer isso.
Que tem a dizer sobre as recentes conversações que manteve com o chefe do estado, Armando Guebuza, em Nampula?
Não surtiram efeitos e espero que o desfecho seja urgente.
Para terminar, o líder da Renamo é pela paz? 
Sim, sou pela paz e não pretendo voltar a pegar em armas.

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Um olhar sobre o passado com o negociador Raul Domingos.
O antigo chefe de relações exteriores da Renamo e chefe da delegação nas negociações de Roma diz que havia poucas oportunidades para “um social” com a delegação do Governo. Só houve uma ocasião, e essa, por sua iniciativa.
Qual é a sua opinião sobre o estágio da paz 20 anos depois?
20 anos depois, a paz que temos é uma paz do calar das armas. É aquilo a que chamo paz militar. É o que estamos a viver ao longo destes 20 anos. Tenho receio de dizer que Moçambique está efectivamente em paz. Prefiro dizer que estamos apenas num tempo depois do calar das armas. Estamos na possibilidade de uma convulsão social ou política, porque não estão a ser respeitados muitos aspectos, quer do Acordo de Paz, quer da constituição. Basta olhar para o que acontece em cada eleição quanto ao nível de participação dos eleitores. Perguntamo-nos: por que em 1994 as pessoas se interessaram por eleições, e agora não? Estamos a falar de um partido dominante que, do ponto de vista legal, o é porque tem o Parlamento, o Executivo, tem nomeado quase todos os membros do judiciário, mas esse partido, do ponto de vista de legitimidade, é eleito pela minoria. 80% da população não vai votar e não sabemos por que esta população não está a votar. Isto significa que, um dia destes, podemos acordar com um 5 de Fevereiro ou 1 e 2 de Setembro.
É mais difícil manter a paz do que fazer a guerra...
A paz, tal como o poder, faz-se com o simbolismo. É por isso que vemos pessoas vestidas de branco, soltam pombos nas celebrações. No caso da oposição e do partido no poder, por que nunca os vemos juntos nas praças no dia 4 de Outubro? Que mensagem os mentores da paz estão a lançar para a sociedade? O simbolismo desta paz militar é a constituição das FADM. O simbolismo que existe é ao nível de discursos, mas a materialização destes discursos ainda é uma miragem. O meu apelo é que, ao celebrarmos os 20 anos da Paz, os jovens peguem nesses discursos e os tornem materializáveis.
Levando-nos de volta a Roma,  para o período das negociações, como é que era a convivência entre as delegações que se encontravam nas negociações?
Em Roma não tivemos muitas ocasiões para convívio, mas há um aspecto que tentámos cultivar, que era o informal. Para além do momento formal com os mediadores, observadores e a imprensa, nós desenvolvemos um momento informal, no qual trocávamos ideias e opiniões longe dos  media e da imprensa. Eu próprio e o chefe da delegação do Governo promovíamos debates sobre aquelas coisas que não havia consensos, para que, de uma forma informal, sem compromissos, sem pressão da imprensa e de observadores, encontrássemos soluções. e por vezes encontrávamos. Chamávamos a isto o cultivar de uma confiança mútua.
Vamos falar de um outro informal... Havia momentos em que as duas delegações privavam, saíam juntas a um café, um jardim ou mesmo conversar e confraternizar?
Para ser franco, eu recordo-me apenas de um almoço entre os dois chefes de delegações. Foi uma iniciativa minha que os mediadores consideraram-na muito ousada. Garanti que o senhor Armando Guebuza havia de aceitar, e, por acaso, aceitou. Estávamos acompanhados pelos membros das nossas delegações. eles ficaram numa mesa e eu e o chefe da delegação da Frelimo estivemos numa outra. Era esta uma forma de procurarmos aproximação.
Onde é que aconteceu esta conversa informal?
Lá na Comunidade Santo Egídio havia um espaço que estava consagrado para isso.
Há quem diga que a maioria das decisões que corporizaram o Acordo Geral de Paz de 4 de Outubro de 1992 foi conseguida nos corredores e não na mesa das negociações como tal. Confirma a informação?
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In O Pais, 04 de Outubro de 2012

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