ÁFRICA TEM
DE SER MAIS DO QUE EXOTISMO E FOLCLORE CULTURAL
… Ou Fonte de Matérias-Primas Baratas e
Compadrios diplomático-financeiros. Ou os africanos agarram o seu destino ou
continuarão na cauda de tudo…
Beira (Canalmoz) - Thabo Mbekhi não cunhou o
termo Renascença Africana mas o trouxe à ribalta. Infelizmente sem muitas
consequências. Ele próprio acabou sendo vítima das maquinações políticas
enfermando a vida política de seu país. Não resistiu ao assalto e armadilhas
que uma ala de seu partido, ANC, montou para se ver livre dele.
Uma mescla de étnico nacionalismo,
conspurcado por várias novelas envolvendo órgãos da polícia de investigação
criminal da África do Sul, inquinaram as possibilidades de reeleição de Mbheki
e trouxeram um aspirante ao empoderamento económico negro para o poder, Jacob
Zuma. Pouco dignificante para alguém que ocupa o mais alto cargo público de um
país mas sua escolha pelo ANC passou e posteriormente a vitória eleitoral
deixou de ser uma dúvida.
Estamos falando do país economicamente mais
poderosos de África. Se onde existe uma das constituições mais democráticas do
mundo há problemas de génese do poder político ou de que chega ao poder dá para
imaginar qual é a situação do resto do continente.
Na essência em África, sob o olhar
complacente, aparentemente desinteressado dos políticos de topo dos diferentes
países do continente foi-se instalando e enraizando uma forma de estar e de
governar neocolonialista.
Se as bandeiras e hinos nacionais passaram a
ser uma realidade indiscutível já na arena económica não se põe dizer o mesmo.
A condição de vida de milhões de africanos não se alterou embora as lideranças
governamentais insistam em vender uma imagem de normalidade e de
desenvolvimento.
De todos os quadrantes africanos chovem
reclamações de os governos pouco ou nada estão fazendo por seus povos.
Ainda na África do Sul por causa dos combates
que se avizinham pela candidatura às presidenciais alas do ANC se batem por
protagonismo. Jacob Zuma veio a público afirmar que na economia tudo continua
praticamente na mesma. A economia está virtualmente nas mãos dos brancos como
era no tempo em que imperava a segregação racial do apartheid.
África, com participação efectiva de seus
governantes, sofreu um golpe neocolonialista de grande envergadura. No
essencial e fundamental as obras com durabilidade e onerosas continuaram a ser
edificadas pelos mesmo que dirigiam os dossiers na era colonial. Os consórcios
corporativos provenientes dos países antes potências coloniais imperam hoje
como no passado.
Se hoje se observam novos intervenientes na
esfera económica dos países é por aproveitamento das brechas que se abriram no
contexto da cooperação bilateral e multilateral com os países ocidentais. Se há
preocupações com a penetração chinesa em África é porque do ocidente se tem a
clara noção de que espaços estão sendo perdidos a um novo actor que não tem
reticências em entregar créditos financeiros avultados sem considerações de
natureza política. Não há ligação entre democracia política e os créditos que
Pequim aprova para os países africanos. Mas isso também não altera a natureza
neocolonialista das relações entre África com China, Índia, ou Japão. A
multiplicação de fóruns económicos entre o continente como um todo e os
diversos países que emergem com intenções marcadamente dominadoras revela que
África está sendo utilizada como fonte de matérias-primas baratas.
Os desafios e oportunidades são enormes para
os cidadãos, para os governantes e para as organizações internacionais que se
afirmam continuamente em defesa do progresso africano.
África em termos concretos tem sido espoliada
numa concertação de agendas endógenas e exógenas. O que se passa no continente
não pode ser atribuído unicamente a acção nefasta de corporações multinacionais
interessadas no lucro como alguns governantes querem fazer crer.
Os que dizem que apoiam e aprovam o nosso
desenvolvimento estão ao mesmo tempo envolvidos em negociatas que lesam
verdadeiramente os interesses económicos e políticos dos africanos.
Há uma atitude e comportamento ambivalentes
quando se toca nos assuntos africanos nalgumas capitais internacionais. Há como
que um acordo de que é importante apoiar os esforços tendentes a melhorar a
saúde pública e algumas questões sociais mas também há uma vertente clara de
cobertura e apoio tácito de todas as acções postas em prática para atrasar o
progresso democrático no continente.
Os diversos intervenientes na política
económica africana, sabem e tem consciência de que uma democracia plena e
vibrante em África, vai cortar o nível dos negócios com rendimentos chorudos
que fazem actualmente.
A questão em África não é simples e quem
supunha que a independência política em si resolveria todos os problemas
enganou-se redondamente.
Tanto alarido informativo, concertação
inter-governamental, cimeiras, bombardeamento televisivo e na imprensa
internacional, em volta da crise financeira internacional, da dívida soberana
dos países, sugerem que se trate de algo extraordinário. Sem dúvidas, que uma
crise com as dimensões da actual, é assunto sério, que nenhum governo digno
desse nome pode ignorar.
Mas será que tanto barulho se justifica?
É preciso que estamos perante uma avalanche
de hipocrisia correspondente às concepções políticas e financeiras em voga.
Então o que se deve denominar da crise em
vivem os milhões de africanos, asiáticos, e latino-americanos? Quantos milhões
de pessoas vivem realmente com menos de dois dólares por dia no mundo? Os
africanos já deveriam ter entendido que se não forem mais agressivos nas suas
reclamações ninguém dará a importância devida ao assunto. Somos vítimas de
arranjos e acordos que foram sendo estabelecidos há já muito tempo. Os que nos
concederam ou aceitaram que proclamássemos as nossas independências não perderam
tempo em conceber uma maneira de estar que não provocasse danos à sua estrutura
económica e financeira. As lutas anti-coloniais, que tanto sangue inocente
derramaram, face a realidade de hoje, perdem parte de seu fundamento. Os
africanos que dirigiram tais lutas, uma vez no poder, se esqueceram rapidamente
de que eram colonizados e oprimidos, que seus direitos políticos e económicos
eram simplesmente ignorados pelos que os governavam. Numa repetição e decalque
completo do que faziam os colonizadores, os governantes africanos são na
verdade a vergonha do continente.
Gerações inteiras estão nascendo, crescendo e
morrendo sob o signo da crise e vivendo nas condições mais abjectas que se
podem imaginar, só merecem títulos de capa esporádicos da comunicação social
internacional mais poderosa. Onde está a comiseração dos altruístas e
filantropos mundiais? No seu elitismo característico é mais importante abordar
e pesquisar o que Rupert Murdoch e o seu império dos mídias fez na Inglaterra
do que tratar ou cobrir eleições africanas que podem ser de consequências muito
importantes para milhões de africanos. Há boas novidades da parte de gente
sentida e responsável, solidária e humana reveladas através de acções concretas
visando debelar crises e promover o desenvolvimento humano em África.
Há acções de amplo significado e impacto em
África que governos não estão conseguindo liderar nem promover. Sem o interesse
genuíno de muitos filantropos em assuntos de saúde pública em África, os níveis
de contaminação e mortes pelo HIV/SIDA serão bem maiores. Antes de alguns
governos possuírem uma estratégia e meios para agir na frente da prevenção e
terapia desta pandemia, já havia algumas organizações não governamentais
actuando no terreno e trazendo soluções para obviar e diminuir o sofrimento de
milhões de pessoas. A isso só se pode manifestar o nosso respeito e
agradecimento.
Os tempos não são de continuar-se a pedir
esmolas e correr de capital em capital a solicitar ajuda para financiar
orçamentos nacionais. Há recursos e meios a disposição dos governos suficientes
para promover acções que desenvolvam os países e dignifiquem os cidadãos.
África não pode continuar a ser aquele
destino turístico a que os visitantes acorrem por causa de seu exotismo e
folclore. A sua natureza bela como de outros continentes, deve ser um factor de
desenvolvimento e em que quem governa seja responsabilizado democraticamente
pelos resultados de suas acções. É inconcebível que um continente com as
potencialidades naturais que lhe são conhecidas esteja na cauda do
desenvolvimento mundial. Onde ainda até existe escravatura.
Os problemas de África não são insolúveis ou
algo que os africanos através de seus governos e organizações da sociedade
civil não possam abordar com êxito.
A crise antes de ser a actual propagandeada
crise financeira internacional afectando uma meia dúzia de países na Europa é a
crise existencial de África. Porque rebentou uma bolha imobiliária e porque
bancos que viviam sacando lucros de créditos concedidos a agentes imobiliários
tornaram-se problemáticos vemos toda uma série de organizações financeiras
internacionais preocupadas em relançar as economias, estimular e impulsionar
medidas de austeridade. Não se pode culpar os europeus por estarem preocupados em
resolver os problemas que sentem com a crise que se instalou em seus
países. A atitude deve ser decididamente não ficar a espera de que alguém
venha em nosso socorro. As trapalhadas que os governos africanos fazem quando
chega a vez de trabalhar e organizar suas sociedades em moldes que promovam
desenvolvimento sustentável e duradoiro são os questionamentos que os cidadãos
devem fazer todos os dias.
Não se pode ficar eternamente a espera de que
haja outros que façam o nosso trabalho e resolvam os nossos problemas.
Chegou a altura de abandonarem-se fórmulas
aparentemente bem elaboradas oferecidas ou impostas pelas consultorias pagas
por quem nos concede créditos e abraçar o trabalho com uma atitude renovada. Há
espaço para que os africanos mostrem a sua criatividade e visão.
Os governantes devem deixar de merecer
créditos pelo que não fazem. Ocupar a posição de governante deverá passar a ser
um exercício de responsabilidade e de seriedade associada a graus de exigência
cada vez maiores.
Falemos da crise dos outros mas não nos
enganemos pois os africanos já vivem em crise há décadas.
Decerto que os países europeus actualmente
afectados por crises de suas dívidas soberanas saberiam utilizar de outras
formas os recursos naturais que os africanos possuem. (CanalMoz-17/09/2012-Noé Nhantumbo)
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