RELIGIÃO
E O PODER EM MOÇAMBIQUE
Este artigo foi elaborado por Yussuf Adam e Eric Morier Genoud, com um comentário final de
Wenke Adam.
1. INTRODUÇÃO: OS IDES E O CONTEXTO RELIGIOSO
A Assembleia da República discutiu e aprovou uma lei que consagra as duas datas religiosas islâmicas mais importantes - o Id ul Adha e o Id ul Fitre como feriados nacionais. Estas datas já eram consagradas como tolerância de ponto em Moçambique.
Os Ides passaram a ser
objecto de "tolerância de ponto" e de apoio mais marcado no fim do
periodo colonial com as presenças do governador geral na mesquita onde se realizavam
as celebrações do Ide. Razões deste comportamento? Dar uma ideia de tolerância
religiosa, de captar para o seu lado os apoios islâmicos que a FRELIMO captava
nos fóruns internacionais.
O Islam era seguido de
perto pelo estado colonial e pela PIDE. Os primeiros núcleos nacionalistas a
serem perseguidos mesmo antes do Massacre de Mueda em Cabo Delgado eram os
islâmicos pois seguiam a Rádio Cairo, falavam em Nasser e na libertação.
No pós-Independência a
postura do novo estado era contraditória em relação ao Islam. Se por um lado
nacionalizou bens e instalações e coartou actividades de propagação e formação
- as madrassas - encontrou no Islam uma força social que defendia a Independência,
que não alinhava com os católicos.
Apesar de boa, esta
relação Estado pós-colonial ou República
Popular de Moçambique com o Islam foi contraditória:
- Nalguns locais a propaganda de alguns dirigentes da FRELIMO que todos deviam criar porcos porque dava dinheiro, sobretudo em Cabo Delgado, alimentou uma oposição massiva contra a FRELIMO;
- Soldados que professavam o Islamm foram obrigados a comer carne de porco;
- O estado entrou em jogos de poder em diferentes organizações muçulmanas para tentar ganhar mais apoio ou seja ter organizações mais colaboradoras com o estado.
- Nalguns locais a propaganda de alguns dirigentes da FRELIMO que todos deviam criar porcos porque dava dinheiro, sobretudo em Cabo Delgado, alimentou uma oposição massiva contra a FRELIMO;
- Soldados que professavam o Islamm foram obrigados a comer carne de porco;
- O estado entrou em jogos de poder em diferentes organizações muçulmanas para tentar ganhar mais apoio ou seja ter organizações mais colaboradoras com o estado.
A mudança radical de
posição do estado em relação ao Islam dá- se com o melhoramento geral das
relaçõees estado-instituições religiosas na década 80. Diferente organizações
muçulmanas ajudam o estado a aderir a organizações humanitárias e a bancos de
desenvolvimento islâmicos. Porém, a mudança da República Popular em República e
o estabelecimento de um estado pluri-partidário veem marcar o passo do
melhoramento. Muçulmanos são inseridos nas listas da FRELIMO como muçulmanos e
mesmo durante as negociações do AGT em Roma há uma delegação presente. O chefe
de uma das comissões resultantes do AGT é o presidente da Comunidade Mahometana
Indiana, o Sr. Abdul Aziz Osman Latif. Subsequemente Moçambique torna-se membro
da Conferência Islâmica e começa receber apoios de organizações financeiras internacionais
dominadas por países islâmicos - o BAD, o Fundo do Koweit, etc...
A Lei dos IDES é feita num
contexto interessante. Mas primeiro temos que notar que:
- A proposta é feita por um
grupo de deputados da FRELIMO, da RENAMO e da UD, portanto é uma proposta
consensual. Talvez uma das poucas propostas de lei que uniu delegados das três
bancadas.
- A oposição a lei surge somente das bancadas da RENAMO e da UD. A FRELIMO apoia a lei em bloco.
- A Igreja Católica começa a gritar aqui-del-Rei que "a AR não tem autoridade para tratar de assuntos religiosos", "não são os nossos teólogos".
- Os orgãos de informação vem na aprovação dos Ides a negação do princípio do estado laico e ainda mais um possível primeiro passo para uma guerra de religiões. Sem contar que os feriados vão custar alguns milhões cada a economia nacional, em perdas de produção.
- A oposição a lei surge somente das bancadas da RENAMO e da UD. A FRELIMO apoia a lei em bloco.
- A Igreja Católica começa a gritar aqui-del-Rei que "a AR não tem autoridade para tratar de assuntos religiosos", "não são os nossos teólogos".
- Os orgãos de informação vem na aprovação dos Ides a negação do princípio do estado laico e ainda mais um possível primeiro passo para uma guerra de religiões. Sem contar que os feriados vão custar alguns milhões cada a economia nacional, em perdas de produção.
Onde estamos? Conflito
religioso, político ou económico? De tudo um pouco de certeza:
O contexto é político, e
mais do que com conspirações de petrodólares ou de fundamentalistas islâmicos,
o papão muito mexido num país onde o Islam para a maioria dos seus praticantes
tem um forte sabor a terra, ele tem a ver com a relação entre as igrejas cristãs
e o islam, ao mesmo tempo que tem a ver com a relação que o estado tem com cada
denominação religiosa. Por isso não fica surpreendente que saia mais barulho da
parte de alguns membros da hierarquia da Igreja Católica que sempre gozaram de
uma hegomonia derivada do casamento da sua igreja com o estado colonial e da
sua acção como ideologia de legitimação desse estado. Pois não é a primeira vez
que o Arcebispo de Maputo D. Alexandre se mexe com medo do Islam. Sempre que
uma delegação islâmica era recebida por um ministro do governo D. Alexandre fazia-lhe
saber que ele como católico, se bem que de pais muçulmanos, tinha que saber que
estava a receber fundamentalistas.
2. O CONTEXTO
O tom que o debate sobre os
Ides alcançou tem a ver com o mapa religioso de Moçambique actual.
Dum lado, a Igreja Católica
que estava confinada ao seu casamento com o estado tem vindo a perder força e
posições.
Primeiro, há falta de quadros, houve uma redução de meios financeiros e a igreja está confrontada com divisões internas.
Segundo, a igreja está confrontada a nível do país com a competição das outras denominações que progressam significativamente, além das novas seitas como a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus, de proveniência brasileira) que ganham terreno nas cidades que tradicionalmente são das igrejas estabelecidas. Os Protestantes estão a estabelecer-se seriamente no norte do país (Niassa, Nampula, Cabo Delgado) enquanto os muçulmanos estao a descer para o sul e instalar-se nos distritos das províncias de Inhambane e Gaza.
Primeiro, há falta de quadros, houve uma redução de meios financeiros e a igreja está confrontada com divisões internas.
Segundo, a igreja está confrontada a nível do país com a competição das outras denominações que progressam significativamente, além das novas seitas como a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus, de proveniência brasileira) que ganham terreno nas cidades que tradicionalmente são das igrejas estabelecidas. Os Protestantes estão a estabelecer-se seriamente no norte do país (Niassa, Nampula, Cabo Delgado) enquanto os muçulmanos estao a descer para o sul e instalar-se nos distritos das províncias de Inhambane e Gaza.
Os católicos estão a perder
terreno, daí o medo de ver a sua reconhecida hegemonia metida em causa a favor duma
outra denominação. Sobretudo a favor do seu inimigo tradicional, o islam. Pois
o jogo é nacional mas é também internacional. Não pode esquecer-se que Moçambique
é no mapa mundial, uma linha de fractura entre o islão e o cristianismo e, por
isso mesmo, um terreno de alta competição entre estas duas mais numerosas
religiões do mundo.
O conflito é entre as
confissões, e passa pelo estado. As alianças com o estado são um dos meios para
conseguir os seus fins. Mas claro, o estado tem o jogo dele também. Neste caso,
fala-se da Frelimo tentar conseguir apoios nas zonas muçulmanas do Norte onde a
Renamo gozou de muito suporte durante as eleições. Também fala- se de alianças
económicas entre grupos do estado e grupos económicos muçulmanos, aliás alianças
económicas.
3. AS REACÇÕES E POSIÇÕES
A reaccões foram numa
primeira fase muito emotivas. O Cardeal Dom Alexandro diz que "em breve o
nosso país vai viver turbulência religiosas idêntica a que se vive hoje na Nigéria,
no Uganda ou na Tanzânia" (Notícias 06/03/96). O mediaFAX (05/03/96) do seu
lado falou de 'destabilização' e de 'divisionismo' e dias depois pediu nada
menos que uma 'desobediência civil' contra os feriados (08/03/96). O chefe da
bancada da RENAMO, Raul Domingo, diz ele simplesmente que os feriados eram
'inconstitucionais'!
As posições que se desenharam
depois das primeiras emoções foram as seguintes:
- A Igreja católica pede a
anulação da lei dos feriados e diz que quer voltar a situação antes quo. O
Cardeal afirma que deve-se "manter a situação existente. Cada religião celebra
a sua festa e cada religião tem o seu dia em que o governo concede ou
tolerância de ponto ou descanso e não obriga todo o povo a seguir a lei."
(Domingo 10/03/96). O bispo de Quelimane diz a mesma coisa e afirma que
"seria bom deixar as coisas como estão nesse campo e olharmos para o
trabalho, aproveitando da melhor forma o tempo útil." (Notícias 07/03/96).
- As igrejas protestantes
defendem uma posição igual aquela dos católicos. Ainda mais -- unidos como
cristãos contra muçulmanos? -- defendem a sua posição em conjunto com os
católicos. Lucas Amós, o Presidente do Conselho Cristão de Moçambique (CCM)
escreveu uma carta com o Cardeal de Maputo ao Presidente da Assembleia da
República a pedir a anulação da lei e o retorno as tolerâncias de pontos que
até agora tinham assegurados uma harmonia entre as religiões (MediaFAX
13/03/96).
- Perante tanta confusão, o
Presidente da República diz ficar abalado: "Na altura [da elaboração da
lei] tudo parecia pacífico porque não havia sinais de nenhum quadrante que indicasse
caso de alarme na aprovação do documento" (MediaFAX 13/03/96). O PR recusa
ainda tomar posição, mas diz que para ele o assunto até agora tinha sido
meramente prático: "[os dias para feriados] são dias que tem tolerância de
pontos sistemáticos.(...) Para mim era uma maneira de se dizer, ponto, nesses
dias não se trabalha." (ibidem) Visto a situação, o PR diz que agora
prefere deixar avançar a discussão para poder tomar mais logo uma decisão sobre
o assunto 'com conhecimento da causa'. E, entretanto, o PR aceitou fazer uma
reunião urgente com o Cardeal de Maputo e dirigentes do CCM e também marcou
para a semana uma reunião (extraordinária) com todas as confissões religiosas.
- De regra geral, os
feriados fizeram a unanimidade entre os muculmanos. Apenas nota-se alguma
discordância daqueles que não tem sido consultados e que por isso se sentem
marginalisados. Fica então so o presidente do PIMO para, entre os muçulmanos,
discordar. Yacub Sibindi comprou duas páginas no SAVANA (08/03/96) para dizer
que não concordava com a lei dos feriados pois esta é inconstitucional. Tudo
isso não mais nada mais do que uma provável tentativa por parte da FRELIMO para
enganar os muçulmanos, diz o Yacub. Conclua ele: "Atirar com o IDE na cara
dos muçulmanos como feriado nacional é semelhante a atirar um osso a um cão
faminto. Isso nao é respeito, apesar de o cão necessita do osso". A posição
do PIMO parece ser finalmente do 'tudo ou nada'. Isso pôs por acaso muito medo
a alguns cristãos que veem assim confirmados os receios deles sobre a
transformação do estado moçambicano num estado islâmico.
-Finalmente a imprensa
dividiu-se como sempre entre a imprensa independente e a do estado. Enquanto
esta última de repente fazia jornalismo a sério e evitava tomar posição, o MediaFAX
e o IMPARCIAL discordavam com os feriados. O IMPARCIAL receia que aparecem
'grandes conflitos religiosos' depois da aprovação da lei. O MediaFAX do seu
lado grita contra a fim do estado laico e o precedente que a lei pode abrir com
todas as consequências que isso pode trazer. O jornal até fez cálculos sobre
quanto e que ia custar os feriados a economia mocambicana: 5 milhões cada dia!
(MediaFAX 14/03/96). O Bilal (jornal muçulmano que finalmente voltou com o Ide
a ser publicado) vê, claro, a lei como uma coisa positiva. Aliás, é "uma
revolução ímpar na História do Islam em Moçambique, no período pós-independência."!
(19/03/96).
4. RELIGIÃO E PODER NO PÓS-INDEPENDÊNCIA
A relação entre os
nacionalistas moçambicanos que tomaram o poder com a Independência e a religião,
desenvolveu-se num contexto de conflitualidade. Para compreender a história da
evolução desta relação é obrigatório abandonar as versões contadas por cada um
dos lados.
Os nacionalistas integrados
na FRELIMO viam a Igreja Católica não como um bloco distinguindo entre indivíduos
(Cesare Bertulli, Padre Vicente, Jose Maria Lerchundi, Padre Paul, Maganhela) e
as instituições. Dentro das instituições religiosas cristãs a que era vista
como parte do estado colonial português e o seu aparelho ideológico era a
Igreja Católica e sobretudo a sua hierarquia. A ideologia do movimento de
libertação, a sua defesa da luta contra a exploração do homem pelo homem e a
sua crítica do capitalismo, a sua defesa do materialismo e as ideias marxistas,
eram utilizadas pela Igreja no contexto da sua cruzada anti-comunista.
O conflito entre os novos
detentores do poder de estado e as instituições religiosas dá-se num quadro de
uma luta pelo poder. A FRELIMO considerava que sendo o representante legítimo
de todo o povo não admitia desafios as suas leis e orientações.
A relação entre as instituições religiosas e o estado em Moçambique podem se dividir em três grandes épocas depois da Independência.
A relação entre as instituições religiosas e o estado em Moçambique podem se dividir em três grandes épocas depois da Independência.
Primeiro houve o período
que vai até1980-82: o Estado socialista tentou submeter as institutições
religiosas ao seu poder. Aqueles que não queriam nem um pouco se submeter ao
Estado foram deportados com é o caso agora famoso dos Testemunhas de Jehovah.
Aqueles que o desafiaram abertamente organizando células e campanhas
anti-comunistas como certas Igrejas protestantes ligadas aos EUA, foram presos.
Aos outros foram-lhes tirado os bens que faziam a sua força, isso é, o Estado
nacionalizou as obras sociais das igrejas e das organizações religiosas. Além
disso a Frelimo fez campanhas contra a religião e assim marginalizou os
crentes. No III Congresso, o crentes foram mesmo impedidos de ficar no Partido.
Muitas igrejas protestantes não se importaram muito, pensando em Calvino e a
separação entre Estado e as Igrejas. Mais, algumas igrejas ficaram satisfeitas
com as nacionalizações que lhe- tiraram um peso financeiro. Mas a Igreja Católica
caiu de alto com a Independência e ela também não aceitou a nova situação. Condenou
publicamente as deportações e os campos de reeducação e, previamente, muitas
vezes se organizou desde o inicio a resistir ao que podia chegar. Construindo
em cima das primeiras reformas feitas para o Vaticano II e iniciadas antes da
Independência, a Igreja disseminou o seu poder e organizou-se em células
chamadas 'comunidades'. No mesmo ano que o III Congresso da Frelimo teve lugar,
a Igreja católica foi oficializar e generalizar esta nova forma de instituição
chamada 'Igreja ministerial'. Claro, a Frelimo não gostou. Entrou num braço de
ferro para o qual fechou todas as igrejas próximas dum centro de saúde, duma
escola ou dum centro de produção, isso é fechou principalmente as igrejas de
missão que são predominante na igreja católica. A situação porém não deu certo
para a Frelimo. A situação econômica, o reinício da Renamo, e sua vontade de
virar-se para o mundo ocidental para obter dinheiro, obrigaram-lha a baixar a
sua pressão sobre as igrejas.
O segundo período começa
precisamente lá. Pode-se dar a data de 1982 quando ocorreu a agora famosa
reunião entre o Estado e as confissões religiosas. A Frelimo começa entao a
baixar a sua 'pressão' sobre as institutições religiosas, mas vai negociando, e
manipulando ainda mais. Tentou negociar o retorno a uma situação normal, depois
a devolução dum certo poder e de algum bem nacionalizado, contra várias
vantagens para ele que vão do suporte que a igrejas podiam dar ao estado -- em
outras palavras, a cooptação -- a acordos com organizações financeiras ou
humanitárias internacionais ligadas as igrejas. Enquanto o Presidente do CCM é
nomeado para a presidência da Cruz Vermelha, alguns muçulmanos são mandado para
Arábia e outras terras muçulmanas para tentar conseguir apoios fraternais
[sic]. Em 1988, quando finalmente o Papa concorda vir a Moçambique, o estado
concorda em devolver -em princípio- todos os bens nacionalizados aa igreja católica.
A terceira época começa com
o multipartidarismo, a abertura que o estado fez assim e finalmente os acordos
de paz. Primeiro o multipartidarismo e a abertura social que a Frelimo deu
desde 1989 permeteu as igrejas voltar abertamente a o seu papel social e assim
reganhar força. A organizações reigiosas desceram nas ruas de Maputo para pedir
a paz, e quando esta chegou trabalhou para a assegurar com vários projectos
sociais de reintegração e pacificação. Mas a paz de verdade abriu mais ainda.
Reabriu a possibilidade das organizações religiosas fazer proselitismo.
Enquanto a igreja católica tentava reabrir as suas missões deixadas durante a
guerra, as Igrejas Protestantes se lançavam para o norte do país (e ainda mais
para os distritos do norte) para continuar e consolidar o que tinha sido
começado depois da Independência, principalmente nas cidades. As organizações
muculmanas começaram a entrar também para os distritos, e ainda mais para novos
distritos no Sul do país. As instituições abriam igrejas, as organizações
humanitárias religiosas apoiam os necessitados no seu restabelecimento. A
competição não é assim aberta nem tem forma aberta, mas no tereno vê-se a progressão
de cada igreja, as estratégias de cada uma e a lógica de conquista que se reflete
na sua actuação.
O reconhecimento dos Ides
como feriados nacionais tem um significado mais largo do que o da relação entre
o Islam e o Estado ou entre o Islam e a FRELIMO. Marca a perda da hegemonia da
Igreja católica que vinha tentando reganhar o seu estatuto anterior. E para o
Islam qual o significado da sua relação com o estado? Um reconhecimento legal a
par das outras religiões. As maiores modificações verificam-se na religião
entre o Islam e a FRELIMO, o partido no poder. A FRELIMO forjou uma alianca
política que certamente lhe poderá dar dividendos em futuras eleições e
sobretudo nas próximas eleições autarquicas. Nas eleições de 1994 as zonas
islamizadas votaram maioritariamente contra a FRELIMO.
5. LIBERDADE DE CRENÇAS E DE CULTO
Se a aprovação da Lei dos
Ides como Feriados marca uma mudança na relação do Estado e da FRELIMO em
relaçào ao Islam, e de certa forma consolida a liberdade de religião retirando
aa Igreja Católica a posição de quase hegemonia, a liberdade de crenças e de
cultos em Moçambique ainda tem muito a andar.
As religiões ditas naturais
sao praticamente consideradas como religiões de segunda categoria, comungando o
estado da doutrina de que o monoteísmo e uma forma de religião superior. Uma
concepção deste tipo penaliza a maioria da populacão que de uma forma ou outra
pratica religiões que transformam em Deus os seus antepassados, animais, árvores
ou outros seres.
As chamadas "grandes
religiões monoteístas" veem assim a sua actividade de proselitismo e de
destruição das religiões locais - que deviam ser tratadas ao mesmo plano que as
chamadas "grandes religiões do mundo" - sancionadas pelo estado. As
cerimónias de invocação de antepassados -os Mphalos - acabaram por ser
praticadas nalgumas cerimónias públicas, mas não se respeitando os preceitos
que os praticantes dessas religiões queriam ver aplicados - por exemplo no
Guaza Muthini de 1996.
6. A NECESSIDADE DE ANÁLISES CIENTÍFICAS
O debate na Assembleia da
Republica, o debate público e as intervenções na imprensa trataram o fenómeno
religioso de uma forma ideológica ou vendo-o como parte das relações
internacionais - aceitar os Ides como feriados como uma vertente da relação com
os bancos e estados islâmicos ou como uma contribuição para a instabilidade étnica
e religiosa - incremento da divisão da Nação.
Vertentes interessantes e
justificadas no caso de promulgação de uma lei e de definição da atitude do
estado e do governo. Abordagens que equacionem o problema da religião com o
poder - a relação entre diferentes classes e camadas sociais entre si - ajudam
também a iluminar o problema.
No entanto parece-nos
valido encarar a crítica da religião como a crítica desse vale de lágrimas que
é o Mundo. Uma leitura deste tipo acabara por revelar fenómenos de subordinaãoo
e subalternização/construção e manutenção de hegemonias e de alianças para
ocupar/contestar o poder.
Estudos interessantes e de
grande valor para o entendimento da problemática das religiões em Moçambique
estão em curso. A tese de doutoramento de Teresa Cruz e Silva, iluminaram
alguns aspectos da relação entre a Igreja e o movimento nacionalista em Moçambique.
A tese de mestrado de Eroc Morier Genoud, "César e Deus: A relação estado
e religião em Mocambique" ilumina as agendas em confronto no pós-Independencia.
Alf Helgeson na sua tese iluminou vários aspectos das práticas das missões
protestantes em Moçambique.
A revista suiça
Fait-Missionaire publicou já uma história da Missão Suiça Romanda em Moçambique.
Trata-se de uma base que terá de ser completada pela exploração das ligações
entre ética protestante e o movimento nacionalista em Mocambique e as suas práticas
no pós-independência.
Eduardo Mondlane no seu Lutar por Mocambique ilustra as lógicas das ligações entre o colonialismo e a igreja católica.
Eduardo Mondlane no seu Lutar por Mocambique ilustra as lógicas das ligações entre o colonialismo e a igreja católica.
7. OUTRAS IMPLICAÇÕES
Podemos dar voltas aa questão de porque justamente esta proposta foi uma das primeiras a ser debatidas
no inicio da presente Sessão da Assembleia da República, quando certamente
havia na fila outros assuntos urgentes da máxima relevância para a vida do país.
O certo é que o barulho a volta da decisão da AR de introduzir os feriados
islâmicos foi interessante desde vários pontos de vista, entre eles a compreensão
publica do papel do parlamento num estado que pretende seguir regras de jogo
democráticos: Nas argumentações que se cruzaram na imprensa, na rádio e nos
noticiários da TVM podia-se ler entre linhas a confusão que provoca nas pessoas
o facto da Assembleia ter poder real para legislar. No contexto moçambicano,
isto é uma novidade. Nao se está a espera de que os deputados (cuja função é
precisamente a de ter iniciativa de lei) possam simplesmente apresentar propostas
de lei, e que estas, após ser consideradas positivamente pela maioria dos
parlamentares, sejam aprovadas assim sem mais.
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Fontes: Notícias, MediaFAX,
Domingo, Savana, Demos, TVM, RM, AIM, LUSA, SAPA e fontes próprias.
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