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03 setembro 2012

"OS GRANDES OBJECTIVOS DA FRENTE DE TETE", POR JOÃO PAULO BORGES COELHO


"OS GRANDES OBJECTIVOS DA FRENTE DE TETE", POR JOÃO PAULO BORGES COELHO



Da obra de João Paulo Borges Coelho, O INÍCIO DA LUTA ARMADA EM TETE, 1968-1969, transcrevo:
Os grandes objectivos da Frente de Tete
O antigo Distrito de Tete desde o início da luta que foi, potencialmente, uma frente. De facto, tal como em relação a Cabo Delgado e Niassa, também Tete tinha uma rectaguarda de moçambicanos no Malawi que cedo se ligaram a FRELIMO para preparar, a par­tir de 1964, formas de luta armada na região. Toda­via, a incipiente organização militar, o fraco tra­balho com as populações no interior, a posição Governo do Malawi, intransigente na proibição da circulação de armamento através do seu território, constituiram factores de fracasso da Frente em 1965, logo após a sua abertura.
Seguiram-se então três anos em que a situação parecia aparentemente paralisada, caracterizada pe­las dificuldades de actuação do DOI e em que o COREMO [Comité Revolucionário de Moçambique] figura mais na documentação portuguesa devido a realização de acções espectaculares. Três anos durante os quais a FRELIMO, o seu DOI e o seu exército, procuravam crescer. Nesse mesmo período o seu aparelho manteve-se no Malawi e, em certa medida, até cresceu, dentro dos limites que o Governo malawiano lhe permitiu. De facto, essa presença era importante e não poderia ser substituída por uma presença massiva na Zâmbia, por exemplo, pois garantia uma rectaguarda da Fren­te do Niassa, sobretudo do Niassa Austral, uma pos­sibilidade de actuação na Zambézia e uma ameaça constante à região da Mutarara, fundamental porque abria as portas para o centro de Manica e Sofala e porque por ela passava a linha férrea Beira-Moatize, que iria ganhar uma significação particular.
Em paralelo, a FRELIMO procurava intensamente estabelecer-se na Zâmbia. É natural que no inicio de 1966 tivesse prevalecido a ideia de descer pelo Niassa Austral através da região de Mecanhelas, para fazer uma grande base central na Zambézia, de onde a guerrilha irradiaria para Sul, para Manica e Sofala, e para Tete, no Oeste, evitando-se assim os obstáculos postos pelo Malawi e atribuindo-se, portanto, a Mutarara, via de penetração para Tete, mais uma razão de importância. Porem, as dificuldades de penetra­ção por Mecanhelas e os desaires ai ocorridos no princípio do ano, inviabilizando esta estratégia, terão reforçado a importância atribuída à Zâmbia como via de penetração e rectaguarda da luta na Fren­te de Tete.
Criadas as condições de penetração, com um aparelho de actuação reactivado no interior, com um exército reestruturado, a FRELIMO poderia rapidamente iniciar a luta em Tete. Esse passo afigurava-se fundamental no quadro da estratégia global da luta de libertação. De facto, a abertura de mais uma frente iria aligeirar a pressão feita pelas forças coloniais sobre as restantes, iria permitir que a FRELIMO chegasse fisicamente junto de mais um grande numero de moçambicanos e, na frente diplomática, daria uma ideia bem concreta do avanço da luta de libertação. Depois, uma sólida implantação em Tete permitiria à FRELIMO o prosseguimento dos seus dois grandes ob­jectivos estratégicos na região: ameaçar a constru­ção da barragem de Cabora Bassa e abrir uma via de passagem que permitisse a travessia do rio Zambeze para atingir o Distrito de Manica e Sofala, no cen­tro do país.
Eduardo Mondlane, nos inícios de 1968, explicava ao jornal norte-americano "The Sun" o significa­do estratégico do projecto de Cabora Bassa1, que implicava a construção da barragem e a criação de uma extensa zona irrigada. Esta permitiria a instalação de um milhão de colonos portugueses, segundo o pro­jecto, que além do desenvolvimento acelerado que operariam na região, que estava dentro das perspecti­vas coloniais, constituiriam uma importante barrei­ra à penetração da guerrilha. Mais importante ainda era a internacionalização do conflito que a própria construção da barragem implicaria. Esta, com efeito, para ser rentável, produziria energia também, e so­bretudo, para a Republica da África do Sul, que te­ria igualmente um papel importante no financiamento do projecto. Uma vez construída a barragem era, por tanto, praticamente certa a presença posterior do exército sul-africano na sua defesa. A FRELIMO pro­curaria, por isso, impedir ou atrasar o mais possível a construção do empreendimento, quer sabotando a via férrea Beira-Moatize, por onde passaria o grosso do equipamento para o projecto, quer aproximando-se o mais possível do local de construção, visando ameaçá-lo militarmente.
Por outro lado, se o vale do rio Chire, atra­vessando a Mutarara, constituía a via mais curta e mais favorável, do ponto de vista geográfico, para se atingir o rio Zambeze, o que é certo é que o es­trangulamento da zona, que poderia ser bem defendi­da, e, sobretudo, os obstáculos criados pelo Malawi, tornavam impossível o estabelecimento de um corredor seguro que conduzisse a Manica e Sofala. Era neces­sária, portanto, através da generalização da luta armada no território de Tete, a criação de vias de penetração alternativas que permitissem chegar e atra- vessar o rio Zambeze.
Se tais objectivos se foram tornando claros nos anos de 1966 e 1967, eles teriam também que ter em conta as forças que serviriam de base ao seu prosseguimento. Seguramente que uma parte importante des­sas forças se encontrava estabelecida e organizada no Malawi e na Zâmbia.(pág.s 48 e seguintes)
A propósito desta matéria igualmente transcrevo a anotação 1 que nos leva a concluir que até a “recente” descoberta de um jazigo enorme de ferro em Tete já era conhecido pelos portugueses nos anos 50. Pena que a concretização destes projectos, por Portugal ou por Moçambique independente, se tenham atrasado mais de meio século. Assim transcrevo:
1AHM, FT-Macanga, cx 1032 SCCI, Resenha de Informações, n° 2/68, de Fevereiro de 1968. Não é possível, a partir deste documento, determinar a origem do jornal citado, mas é provável que se trate do "Sun" de Baltimore.
A seguinte passagem de um outro documento, embora não refira a vertente de segurança, dá uma ideia global dos objectivos do projecto: "Potencialmente o esquema de povoamento e utilização da terra mais importante, que vem sendo estudado desde o prin­cípio da década de 50 é o projecto integrado para o desenvolvimento do vale do rio Zambeze, baseado no controlo e utilização do rio. O projecto encara a construção de uma grande barragem em Cahora Bassa, a norte de Tete, e uma série de barragens me nores pelo rio abaixo, que permitiriam o desenvolvimento do povoamento e outros objectivos numa área de 140.000 quilómetros quadrados, ou seja, um décimo do território. Simultaneamente, a energia hidroeléctrica produzida em Canora Bassa seria usada para desenvolver as reservas de ferro e carvão do Distrito de Tete, e a construção das barragens tornaria possível a navega­ção pelo rio entre Tete e Chinde, na foz do Zambeze, onde se pretenderia construir um novo porto". Organização das Nações Unidas, XXII Sessão da Assembleia Geral, Relatório do Comité Especial Sobre a Situação Respeitante à Implementação da Declaração Sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Colonizados, 11 de Outubro de 1967, Nova Iorque, p.107.

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