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02 setembro 2012


RESENHA

HOBSBAWM, ERIC. DA HISTÓRIA SOCIAL À HISTÓRIA DA SOCIEDADE. IN: SOBRE HISTÓRIA. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, 1998.

Felipe Figueiró Klovan[1]


O problema geral do texto esforça-se em defender que “a história social nunca pode ser mais uma especialização, como a história econômica ou outras histórias hifenizadas, porque seu tema não pode ser isolado” (p. 87), assim, ao se escrever história se faria (ou deveria fazer) história social. Para Hobsbawm, a história seria por excelência social, entretanto, ele deixa claro, há muita confusão sobre este tema e as preocupações são relativamente novas e pouco exercitadas. A partir desta afirmação, não haveria sentido em denominar Marc Bloch, Fernand Braudel e Georges Lefebvre de historiadores sociais, pois, segundo o autor, eles mesmos “sempre se sentiram incomodados com o próprio termo. Preferiram [...] descrever a si mesmos ora simplesmente como historiadores” (idem). Hobsbawm segue a célebre frase de Fustel de Coulanges: “a história não é a acumulação de todos os tipos de eventos que aconteceram no passado. É a ciência das sociedades humanas” (idem). Dessa forma, vale lembrar que o autor vai ao encontro de Marc Bloch que, em Apologia da história, acrescentou que a história é a ciência dos homens no tempo[2]. Por fim, o historiador britânico deixa claro que é impossível realizar uma análise histórica sem se levar em conta que “os aspectos sociais ou societais da essência do homem não podem ser separados dos outros aspectos de seu ser” (idem).
Para desenvolver o seu argumento, Hobsbawm inicia o seu texto mencionando que antes da Segunda Guerra Mundial não estava bem clara a definição do termo história social. As três formas principais de equívocos produziam-se, primeiramente, pela confusão entre história social e história de protesto social ou sobre os movimentos socialistas. Em segundo lugar, reservava-se o termo aos trabalhos que versavam sobre uma diversidade de atividades humanas de difícil classificação, referindo-se aos estudos de usos, costumes e vida cotidiana. Por último, quando se escrevia “história econômica” combinada com fatores “sociais” se denominava história social, mesmo que, o econômico se constituísse em fator predominante, em detrimento do social. Todavia, para o autor, era neste campo que melhor ocorria o vínculo do social.
Este vínculo desigual do econômico com o social teve sua importância ao romper com a abordagem rankeana clássica e, por outro lado, a visão teórica econômica que normalmente balizava estes estudos “se recusava a isolar elementos econômicos de elementos sociais, institucionais e outros” (p. 85).
A partir do periódico Comparative Studies in Society and History de 1958, surgiria a primeira tentativa de especialização acadêmica da história social e iniciaria a rápida emancipação da história social. Esta desvinculação seria causada pela especialização deliberada da história econômica e pelo crescimento da sociologia. Estes estudiosos, segundo Hobsbawm, incluíam pouca matemática e estatística em seus trabalhos e antes eram denominados historiadores econômicos, mas transformam-se (é importante destacar: satisfeitos), em “historiadores sociais” (p. 86).
Na sequência do descrito acima, a “historicização geral das ciências sociais” é apresentada como um dos desenvolvimentos mais importantes. Houve uma “infiltração progressiva da história” nas “outras ciências sociais” para o tratamento de conceitos essencialmente históricos como “modernização” ou “crescimento econômico”. Nas palavras de Hobsbawm, “hoje é impossível levar adiante muitas atividades do cientista social de uma maneira que não seja trivial sem chegar a um acordo com a estrutura social e suas transformações: sem a história das sociedades” (p. 86).
O uso comum do termo história social parece ter sido determinado, de forma mais acentuada, pela tentativa de denominar mais frouxamente o agrupamento de assuntos muito heterogêneos. Por outro lado, a denominação acabou indo ao encontro das teorizações pertinentes defendidas por grandes historiadores como Fustel de Coulanges, Marc Bloch e Fernand Braudel.
Na segunda parte do texto, Hobsbawm afirma que mais importante do que o desenvolvimento citado acima, é a forma como as outras ciências sociais se estruturaram academicamente ao construirem os seus problemas de pesquisa com perguntas propriamente históricas. Dessa forma, a ciências sociais necessitaram de respostas dos historiadores. Neste sentido, enquanto as teorias estruturais-funcionais da sociologia e da antropologia analisam o que há de comum entre as sociedades, o problema do historiador está em diferenciar, porque ele trabalha com a mudança da sociedade no decorrer do tempo, enquanto as outras ciências sociais tendem a estancar o tempo do seu objeto. Essa diferença de método delimita, mas também demonstra a importância da articulação entre os diferentes tempos e a possibilidade de observar o que transformado.
Ao tentar responder a pergunta “Como devemos escrever a história da sociedade?”, na terceira parte do texto, Hobsbawm utiliza alguns exemplos da produção historiográfica dos últimos 15 anos (texto escrito em 1970) para apresentar o quão sortida é a escrita da história da sociedade. O que seguirá no texto é o objetivo tácito de defesa de “um plano de trabalho [segundo o autor] amplamente aceito pelos historiadores sociais” (p. 94).
Para consolidar a sua tese de que história da sociedade é história, o autor indica que, em primeiro lugar, o historiador tem como objetivo explicar como de fato chegamos ao momento presente e, a história social, para tanto, cria modelos gerais de permanência e mudança social para explicar porque um determinado fato histórico aconteceu só naquele momento e não em outro. Em segundo lugar, Hobsbawm deixa claro, que se trata da história da sociedade humana (e não sociedade de formigas ou macacos) que varia de tamanho e complexidade, ou seja, o termo sociedade pode definir formas muito diferentes de inter-relações humanas. A saída para este problema é escolher critérios externos, tais como território, etnia, política, etc. Em terceiro lugar, a história das sociedades exige que se definam prioridades de pesquisa e uma hipótese de trabalho indicando o nexo central a ser desenvolvido. Seria consenso aos historiadores partirem em suas pesquisas da base material (estrutura da economia, divisão do trabalho, troca, acumulação, distribuição do excedente) para chegar-se até as relações sociais daí derivadas. Mais objetivamente, o historiador ficará tentado a definir as relações mais importantes da sociedade analisada, estabelecendo uma estrutura hierárquica mais adequada para perceber o movimento histórico. Hobsbawm acredita que, nós historiadores, “devemos ajudar produzindo – para o benefício de todas as ciências sociais – modelos válidos da dinâmica sócio-histórica” (p. 94).
A partir da quarta parte do texto, Hobsbawm pretende examinar a prática efetiva de alguns historiadores sociais dos anos 50 e 60. Naquele período os estudos históricos sobre (1) demografia e parentesco e sobre (2) estudos urbanos já estavam institucionalizados nas linhas de pesquisa acadêmicas e, apesar de problemas metodológicos, auxiliavam o avanço da história social. Por outro lado, os estudos sobre (3) classes sociais; (4) a história das ‘mentalidades’ ou consciência coletiva ou da ‘cultura’ na acepção dos antropólogos; (5) a transformação das sociedades (por exemplo, modernização ou industrialização) e (6) movimentos sociais e fenômenos de protesto social, demonstram um avanço impressionante, apesar de ainda, naquela época, não estarem institucionalizados como campos de concentração de pesquisa, mas que logo, alguns deles, estariam se aproximando dessa fase de desenvolvimento.
Dito isso, a empolgação de Hobsbawm reside nos estudos sobre as classes sociais que, mesmo com problemas metodológicos e conceituais, dispõem de fontes diversas e algumas vezes volumosas. Apesar da dificuldade em definir o que seria classe, as pesquisas que tomam como foco a classe acabam envolvendo positivamente a análise do resto da sociedade da qual ela faz parte: “Donos de escravos não podem ser entendidos sem os escravos, e sem os setores não escravistas da sociedade” (p. 99). Dessa forma, os estudos sobre classes são análises da sociedade e muitas vezes o conteúdo dessas pesquisas vai muito além dos limites explicitados pelo título.
Nesse sentido, a história das “mentalidades” é indicada como fundamental para o avanço da história social, ao passo que auxiliou a construir modelos onde, por exemplo, podem-se encaixar dados úteis para entender “a natureza da ação coletiva em situações sociais específicas” que de outra forma não seriam mais do que anedotas. Para tanto, o conceito de “economia moral” de Thompson e a análise do “banditismo social” de Hobsbawm tentaram criar modelos para entender aquelas especificidades sociais.
Ao concluir, Hobsbawm, deixa claro que não “pode apontar para nenhum trabalho isolado que exemplifique a história da sociedade” (p. 104), porque, apesar de alguns esboços exemplares (A sociedade feudal de Marc Bloch e a obra de Marx) “a história da sociedade ainda está sendo construída” (p. 105), porém, o momento é prospero ao historiador social. 




[1] Doutorando em História pela UFRGS.
[2] BLOCH, Marc. Apologia de História. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p.55. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela resenha,me foi de grande ajuda!!!

Anônimo disse...

Obrigada pela resenha, é um convite a leer o livro