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Caros amigos o blog Historiando: debates e ideias visa promover debates em torno de vários domínios de História do mundo em geral e de África e Moçambique em particular. Consta no blog variados documentos históricos como filmes, documentários, extractos de entrevistas e variedades de documentos escritos que permitirá reflectir sobre várias temáticas tendo em conta a temporalidade histórica dos diferentes espaços. O desafio que proponho é despolitizar e descolonizar certas práticas historiográficas de carácter eurocêntrico, moderno e ocidental. Os diferentes conteúdos aqui expostos não constituem dados acabados ou absolutos, eles estão sujeitos a reinterpretação, por isso que os vossos comentários, críticas e sugestões serão considerados com muito carinho. Pode ouvir o blog via ReadSpeaker que consta no início de cada conteúdo postado.

09 setembro 2012

MEMÓRIAS DE NAMPULA


MEMÓRIAS DE NAMPULA 

Por Alberto Viegas 

Vivi, leccionando, durante o período que decorreu de Outubro de 1950 a Outubro de 1975 (25 anos), no actual Distrito de Mossuril, na altura “Circunscrição de Mossuril”, que fazia parte do então distrito de Moçambique (hoje, província de Nampula). 
Cidade de Nampula

Nesse tempo, Mossuril tinha por Postos administrativos as Subdivisões administrativas de Lumbo, Lunga Matibane, Monapo e Netia.
O que aqui apresento é produto de relatos que, casual e frequentemente, fui escutando da boca dos que dos que, em conversas espontâneas, contavam os factos e episódios que se deram na nossa zona no tempo das lutas de ocupação efectiva de Moçambique pelos portugueses, que as chamaram de ” Guerra de Pacificação”, tentando com isso convencer o mundo das potências capitalistas da Europa de que Portugal era de facto detentor dos territórios africanos que o mesmo reclama serem seus, e satisfazer assim as exigências emanadas da Conferência de Berlim, ocorrida de Novembro de 1984 a Fevereiro de 1985, uma das quais era a ocupacao real das regiões africanas sobre as quais cada potência capitalista arrogava-se o direito de lhe pertencerem.
Devido ao longo tempo que se desenrolou de 1950 até hoje (2012), é obvio que alguns dos relatores destes acontecimentos tenham já morrido, principalmente os que na altura eram de idade avançada, tal como é o caso de capitão Rufino, alferes Rodrigues, fotógrafo Carvalho (companheiros de armas de Neutel de Abreu, todos eles então velhos e reformados), a senhora Mariamo (viúva de Neutel de Abreu, falecida em 1978, conhecida por “ Nama-Taareeje”, isto é mãe de Taareeje), Francisco Xavier de Melo (conhecido por “Chichico”), Dona Especiosa Dias e Dona Luisa Dias (esta última, conhecida por “Muhano-Djindja”), irmãs sanguíneas e proprietárias de enormes extensões de palmares existentes no Mossuril de então: Mingurine e Ampoense, respectivamente.
Dos relatos de quem ouvi estes acontecimentos, uns eram testemunhas oculares, outros eram testemunhas próximas do que narravam e, ainda, outros repetiam o que apenas haviam ouvido de alguém anos depois.  
Os companheiros de armas de Neutel de Abreu contavam os Factos, naturalmente a favor do prestígio dos portugueses, exaltando a sua valentia nos combates em que tinham tomado parte. Falavam muito, vangloriosamente, das batalhas travadas em Mujenga (19 a 20/10/1896) Naguema (3/3/1897), Ibrahimo (6/3/1897), Mucuto Muno, isto é Mukúttu-Múnu (7/3/1897) e outras, sem mencionarem entretanto as derrotas por eles sofridas.
Em contrapartida, os naturais que me falaram destas ocorrências bélicas evidenciavam a coragem e a bravura dos africanos, e apelidavam de “cobardes” os portugueses, pelo facto de estes frequentemente se refugiarem em “largas covas” (trincheiras), apesar de utilizarem um armamento bélico altamente sofisticado: canhões, espadas, espingardas de repeticao munida de baionetas, e usando cavalos, contra homens que só possuíam azagaias, flechas e uma ou outra espingarda de carregar pela boca, lutando frente a frente para se defenderem do inimigo que os atacava.
De entre os naturais que me falavam destas ocorrências bélicas, sito o velho carpinteiro Selemane, na altura ao serviço da Missão católica de Mossuril, o alfaiate Amisse Momade, o mainato Alberto Walava, o funcionário da adminstracao de Mossuril, de nome Rachado Momade Elico, filho do Cabo Momade elico, do regulado Xá-Jamal, Lunga, e Antonio Napíri, servente no Posto Meteorologico em Mossuril, mais tarde em Lumbo.
As datas das batalhas de Mujenga, Naguema, Ibraimo e Mucuto Muno (Mukúttu-Múnu) aqui indicadas encontram-se gravadas no muro do monumento aos Heróis Moçambicanos, em frente do edifício da administração do Governo do Distrito de Mossuril.

ORIGEM DO NOME NAMPULA
Em tempos já passados, existiu nesta região nortenha um rei tradicional cujo nome pessoal se perdeu na obscuridade dos séculos e se apagou da memória dos homens, tendo chegado até nós apenas a alcunha Mphula, pela qual era conhecido, e vulgarmente tratado.
Orindo da região dos montes Namúli, residiu durante alguns anos em Ribáué (Oripawe), pois era da família do rei Murula, vindo depois estabelecer morada na zona onde se localiza hoje a cidade de Nampula, primeiramente em Marrere, e mais tarde, no lugar onde actualmente está situado o Quartel militar.
O nome Mphula é abreviatura de Mphula-ohíyu e vem do verbo “ophula”, que significa “arrebentar”, “abrir à abrir por si”, “ser arrebentavel”, e “ophúliwa” ou “ophúliya” é voz passiva do mesmo verbo, Significando “ser arrebentado por alguém”.
Por analogia, emprega-se o verbo “ophula” para indicar o acto de atravessar uma floresta densa nao usando um caminho normal, o acto de passar através de uma machamba ou passar por uma povoacao, fazer “corta-mato”, viajar durante a noite, etc., etc.
No tempo das guerras entre as tribos, o tal rei, para nao entrar em contradicao com os reis seus vizinhos, atravessava com os seus guerreiros, na calada da noite, as povoacoes da jurisdicao daqueles e ia atacar as terras dos reinos mais longinquos, para capturar os homens e saquear as suas riquezas. Regressava aos seus dominios da mesma forma que tinha feito à ida: atravessando os reinos seus vizinhos pacificamente, durante a noite.
Ao espalhar-se a noticia de que as povoacoes de tal e tal tinham sido atacadas e desvastadas por aquele rei, os habitantes dos reinos atravessados despercebidamente por ele perguntavam uns aos outros: ­­- quando foi que ele passou por aqui?
E entao, os que haviam tido conhecimento respondiam: - “Ophunlé muúmu” – o que, traduzido par portugues, significa: “atravessou aqui mesmo, à noite”, quer dizer “ Atravessou esta povoacao durante a noite”.
Repetindo varias vezes o mesmo procedimento, as pessoas acabaram por alcunhá-lo com a designacao de “ Mphula – ohíyu”, isto é “ Arrebentador das Noites”, “ aquele que atravessa terras durante a noite” ou “ atravessador nocturno”, alcunha que ele assumiu e por ela passou a chamar-se dali em diante.
Na nossa tradicao cultural, é normal o sucessor de um chefe tribal passar a ser chamado pelo nome do falecido seu antecessor. Por esta razao, a partir daquele rei, todos os que o sucederam no tronop passaram a chamar-se por “Mphúlohíyu”, mesmo que nao praticassem as facanhas do antigo e defundo rei, deixando-se de lado o nome pessoal de cada um deles.
E isto nao é fenomeno ou assunto do outro mundo. Por acaso nao sucedeu o mesmo em relacao aos imperadores da Antiga Roma e aos reis do Egipto Antigo? Os imperadores de Roma eram “cesar”, independentimente do seu nome pessoal Tiberio, Julio ou Augusto; e os reis do Egipto eram denominados por ”Faraó”, fossem eles Menés, Ramsés ou Amanófis...

 EVOLUÇÃO DO NOME ”MPHÚLOHÍYU”
Por o nome “Mphúlohíyu” ser longo, e com andar dos tempos, reduziu-se “Mphla”,  isto é “Atravessador”, deixando-se de fora o termo “ohíyu” (noite).
Na limgua emákhuwa, para indicar respeito adiciona-se ao nome de um rei (ou chefe tradicional…) a designação de “Múnu”, ou Ana, correspondendo ao título honorífico de “DOM” ou “Senhor”, na língua portuguesa.
Vejamos, rapidamente, os quatros exemplos de nomes que se seguem:
  • Khvala→ Khavala-Mnúnu, Á-Khavala, Yá-Khavala, Ana-Khavala;
  • Kharowa→Kharowa-Mnúnu, Á-Kharowa, Yá-Kharowa, Ana- Kharowa;
  • Mkhuna→ Mukhuna-Múnu, Á-Mukhuna, Yá- Mukhuna, Ana-Mukhuna;
  • Mphula→Mphula-Múnu, Á-Mphula, Yá-Mphula, Ana-Mphula.
Falecido primeiro Mphula, governaram no seu trono, uns após outros, vários sucessores, e, o reinado de Mphula que veio a seguir,de nome próprio Therréla, chegaram aqui os portugueses, exatamente na altura em que estava mais em uso a designacao ’’Ána-Mphula’’.     
Ouvindo mal a pronuncia e desconhecendo  que “Ána’’ era um título honorífico e ainda optando pela ‘’regra do mais fácil’’, os portugueses escreveram simplesmente  “Nampula’’ e assim ficou, até aos nossos dias…
O mesmo aconteceu, por exemplo, com o nome de Khavala, que de Ána-Khavala resultou em Nacavala; Kharowa, de Ána-Kharowa saiu Nacarowa; Mukhuna, de Ána-Mukhuna proveio o actual nome Namecuna; etc.,etc.,e etc.



A CIDADE DE NAMPULA
Nampula na década 60 (vista aérea)
Como viram, até aqui falei apenas da origem e evulucao do nome ‘’Mphúlohíyu’’, que através dos tempos chegou a actual Nampua. É uma memória que me ocorreu.
Estamos aqui para falar de ‘’Menórias de Nampula’’ não é verdade?.. Entao, falemos agora um pouco da cidade em que nos encontramos, a cidade de Nampula.
Esta cidade foi capital do distrito de Mocambique, a actual Província de Nampula, em 1 de Janeiro de 1935. Nessa altura, Mocambique era colónia, administrativamente dividida em três províncias: Província do Niassa, com a capital em Nampula; Província de Manica e sofala, capital beira; e Provincia do Sul do Save, capital Lourenco Marques, que tambem era capital de todo Mocambique.
Cada provincia estava dividida em distritos, e estes, em circunscricoes, conselhos, postos administrativos, regulados ou regedorias e povoacoes. Mais tarde, isto é em 1951, a colonia de Mocambique passou a ser Provincia Ultramarina Portuguesa, com a mesma divisao administrativa.
A povoacao de Nampula foi criada pela portaria n° 1516, de 22 de Maio de 1922, e elevada à categoria de Cidade pela portaria n° 11600, de 22 de Agosto de 1956.  
 O major Neutel de Abreu cuja estátua está junto ao Museu Militar, fundou o posto militar de Nampula em 7 de Fevereiro de 1907.


MAHÕHO E SUAS ARTIMANHAS
Mas, quem foi Neutel de Abreu?... Foi um comandante militar, encarregue para conquistar e ocupar as terras desta região do Norte de Moçambique. Tinha fixado residência em Mossuril, onde estava estabelecido o Quartel Militar de São José, partindo dali com contingentes militares contra a população do interior, tais como as dos Namarrais (Anámarralo), as de Muecate e as das zonas de Mogincual, Quinga, Liúpo, Mogovolas e Corrane, vindo a estabelecer-se, como vimos, no local onde é hoje a Cidade de Nampula, antiga sede de Macuana – Omakhuani.
As populações destas terras conhecem Neutel de Abreu por “Mahõho”, alcunha que lhe deram pelo seu modo de falar fanhoso, expelindo os sons e as palavras mais pelas narinas do que pela boca.

Para vencer com facilidade as populações nativas, além das espingardas de repetição que os seus homens de guerra usavam, Neutel de Abreu, o Mahõho, recorreu também a várias artimanhas ou estratagemas, aproveitando-se da ignorância e ingenuidade das pessoas, intimidando-as.

O rei Mphula não foi vencido num campo de batalha, mas sim e uma forma cobarde e traiçoeira, com auxílio de Mukwepere – Múno, senhor das terras de Corrane, pois a sede do seu reino foi atacada e ocupada quando ele estava ausente, nas terras de Kharámaja.
Á medida que a Cidade de Nampula ia crescendo, foram surgindo as ruas, avenidas, escolas e outras instituições de carácter sócio – económico e cultural. (Ver lista anexa).

A UniLúrio
A nossa Universidade tem o nome de Lúrio, nome do rio que estabelece limite natural entre as províncias de Niassa, Zambézia, Cabo Delgado e Nampula.
O rio Lúrio nasce próximo do lago Chirua, Posto Administrativo de Mulumbo, Distrito de Micanhelas, Niassa, na vertente norte do monte Maleme (que os portugueses escreveram Monte Malema).
O seu nome, entre as populacoes por ele banhadas, é Luúli, desde a nascente até onde desagua, no Oceno Índico. Tem por afluentes os rios Muanda, Lileio, Malema, Naálume e lalaua.
Lúrio é o nome de um barco que, em tempos, num troço daquele rio, transportou escravos para o mar, sendo dali levados para outras terras do mundo”, segundo ouvi dizer, já não me lembro de quem, pois que nem todas as memorias nos aparecem no momento em que precisamos delas.


2 comentários:

Bela disse...

Parabéns, gostei muito de ler sobre a origem da palavra Nampula, eu conhecia uma outra versão, mas esta deve ser a mais certa. Por acaso sabe-me dizer qual a origem das palavras Nacala, Pemba, Ibo, Matemo, e Qurimba

Antonio Pedro disse...

Obrigado pelo post. Foi muito interessante pois deu mais uma visão sobre o trabalho que estou a pesquisar sobre a historia da Cidade de Nampula. Pena não posso falar directamente com o ANTROPÓLOGO, Prof. Viegas, mas as suas ideias vão inspirar.